FMI Maceió
por Marcelo Costa
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Fotos: Marcelo Costa
05/04/2006

Capital do Estado de Alagoas, Maceió fica na região nordeste, a 2010 km de Brasília, 2200 km do Rio de Janeiro, 2440 km de São Paulo e 250 km de Recife. Com cerca de 800 mil habitantes, a cidade se estende por um loooooongo trecho de praias, lembrando muito uma extensa cidade do interior, abriga uma cena musical que começa a crescer para fora de suas fronteiras, mas não tinha ainda um festival que chamasse a atenção do país para a produção local. Não tinha. O FMI Maceió surgiu para cobrir esta lacuna reunindo 24 artistas em três dias de festival (23, 24 e 25 de março) cujos acertos superaram em larga escala a dificuldade de se fazer um festival de grande porte fora do eixão RJ/SP.

A festa começou na sexta-feira, no bonito Theatro Deodoro, erguido em 1910, e que recebeu alguns dos melhores shows do FMI. A rigor, a "veiarada" deu um banho nos "moleques", a começar por Chau do Pife, que abriu à noite arrasando no pífano, apoiado em um repertório de clássicos do forró. A noite ainda teve o ótimo Bonsucesso Samba Clube, que esquentou a noite de luar com sambas envenenados como Quando o Tempo Passa e O Samba Chegou, e o sensacional Tororó do Rojão, o auto-proclamado "Tsunami do Forró", que, perto de completar 70 anos, mostrou uma presença de palco invejável, cujo melhor momento se deu na metade do show: enquanto a banda atacava no som, Tororó desceu do palco e caminhou pelo meio do público, gingando. Os presentes foram no embalo e seguiram o forrozeiro, que na verdade estava abrindo caminho para ir ao bar pegar uma cerveja. Foi hilário. No entanto, indiscutivelmente, o show da noite, e um dos grandes shows do festival, foi do baiano Tom Zé.

É muito difícil traduzir em palavras a excelência de um show de Tom Zé. Há muito de teatro, improvisação, poesia, samba, rock e o que der na telha do compositor baiano. Em Maceió, Tom Zé fez um show com base no bonito Estudando o Pagode, uma opereta embalada em excelentes arranjos que destacavam as belíssimas poesias do compositor, como Proposta de Amor ("Agora estou a esperar / Uma resposta de amor e afeto / Você de saia, eu de calça / E o luar será nosso teto // Uma cartinha de amor / Politicamente correta / Você de saia, eu de calça / Felicidade será nossa meta") ou a ótima O Amor é Um Rock ("Sem alma, cruel, cretino / Descarado, filho da mãe / O amor é um rock / E a personalidade dele é um pagode"). No entanto, não faltaram clássicos como 2001 (gravada pelos Mutantes), em uma versão de arrepiar, ("Eu tô te explicando prá te confundir / Eu tô te confundindo prá te esclarecer"), Jimi-Renda-Se, Politicar, e Augusta, Angélica, Consolação, do lindo verso "Quando eu vi, que no Largo dos Aflitos / não era bastante largo / Pra caber minha aflição". Um dos prováveis shows do ano.

No sábado e no domingo, o FMI Maceió mudou de endereço, para o enorme Espaço Uzina, uma velha fábrica adaptada para shows, com dois palcos armados, um deles refrigerado (ao modelo Tim Festival), ótima produção e um bom público, que não chegou a lotar o local, mas marcou presença para conferir o que anda acontecendo de melhor na cena independente alagoana e nacional. Com nove shows programados, a maratona do sábado começou com Basílio Sé, ganhou pique com o bom show dos natalenses do Experiência Apyus, acalmou-se ao som dos violões dos paulistas do Duofel, e voltou a embalar com a MPB com um q de Radiohead de Marcelo Cabral & Trio Coisa Linda. A noite só foi esquentar mesmo quando dois dos nomes mais comentados do cenário independente brasileiro nos últimos anos pisaram no palco para apresentações irrepreensíveis: Cidadão Instigado e Wado & Realismo Fantástico.

O Cidadão Instigado continua colhendo frutos do reconhecimento obtido com o elogiadíssimo Metodo Tùfo de Experiências, melhor álbum de 2005 pela APCA e pelos votantes do Top Seven Scream & Yell. Comandados por Fernando Catatau, e amparados pelo ótima aparelhagem de som do festival, o Cidadão Instigado exibiu pérolas como O Pobres dos Dentes de Ouro, Os Urubus Só Pensam em Te Comer e O Tempo e sairam aclamados pelo público. Já Wado, cantando em casa e escudado pelo violão cheio de efeitos de seu parceiro Alvinho, mostrou pérolas de seus três álbuns independentes, destacando as canções do último álbum, A Farsa do Samba Nublado, como Tormenta e Carteiro de Favela, cantadas em coro pela platéia. Como última música, Tarja Preta fez todo mundo dançar, cantar e gritar por um bis, que não estava planejado, mas aconteceu, para felicidade de público e banda. Nada como ser reconhecido "em casa" em um show bonito de se ver e ouvir. O sábado ainda contou com Xique Baratinho, festejado pelo público local como o Jethro Tull do Nordeste, e Beto Batera, que reuniu um time de feras no palco, mas foi prejudicado pelo adiantado da hora, com os ponteiros passando das 3 horas da manhã. Haja pique.

No domingo, o festival tinha planos de iniciar mais cedo, o que não ocorreu. O Santa Máfia, que deveria abrir a noitada às 18h, só pisou no palco às 20h, atrasando tudo. Para "colaborar", a programação do domingo também pareceu mais fraca que a do dia anterior, muito embora o público tenha comparecido em número maior. A noite começou a ganhar forma com o show do s recifenses do Negroove, que juntou letras irresponsáveis à la Bezerra da Silva com um balanço de não deixar ninguém parado. O projeto Pedra de Raio também se mostrou bastante interessante, com Telma Cesar e Renata Mattar (ambas ex-Comadre Florzinha) resgatando o folclore nordestino. Um dos grandes shows da noite foi do competente Mopho, ao lado do bom Jackson Envenenado. Lá pelas duas da manhã de segunda-feira, quando ninguém esperava mais nada do festival, eis que surge no palco a (agora) "one man band" Sonic Jr, e faz todo mundo dançar. Com um carisma impressionante, Juninho arregaçou as mangas, arrumou o boné, ajeitou a pick-up e fez um show memorável de eletrônica suingada. Para o final, os cariocas do Autoramas, prejudicados pelo som, não tão bem equalizado, fizeram uma boa apresentação, e as cortinas foram baixadas às 5h com o Living in The Shit, "lenda" da cena alagoana do começo dos anos 90 que retornou às atividades no ano passado.

No geral, se na parte de organização o festival foi excelente, em um níveil igual, senão melhor do que alguns ocorridos no Sudeste do país, a produção precisa, para um vindouro FMI Maceió 2, selecionar nomes de peso que segurem o público até o final de cada noite. O pouco público para os últimos shows, já na alta madrugada, comprova isso. Uma agenda funcional de horários para as bandas também se faz necessária, pois sair de um show às 5 da manhã de uma segunda-feira, após uma maratona de quase 10 horas de música (sem contar os dias anteriores) não é tarefa para qualquer alagoano (nem paulista, carioca ou africano). Mesmo assim, para uma primeira edição, o FMI Maceió demonstra personalidade e capacidade para se firmar no cenário nacional da mesma forma com que aconteceu com os quase-vizinhos Abril Pro-Rock (em Recife) e MADA (em Natal), numa equação cujo resultado final é: o Nordeste faz mais festivais independentes de qualidade do que São Paulo ou Rio de Janeiro. Qual a capital cultural do país, cara pálida?

O Scream & Yell viajou à Maceió a convite do festival.

Leia também:
Podcast "Vida Fodona Número 5" - FMI Maceió, por Alexandre Matias, Bruno Natal e Marcelo Costa
Na Maciota em Maceió, por Bruno Natal, do URBe (com melhores trechos do festival em vídeo)
Entrevista com Wado, por Marcelo Costa
Entrevista com Autoramas, por André Azenha
Top Seven Scream & Yell 2005 - Melhores do Ano

Site Oficial do FMI Maceió