"Underworld", Elegia
por
Leonardo Vinhas Foto: Wellington Dias/Gramophone
lvinhas1@yahoo.com.br
07/05/2005
"Banda cult – definição habitualmente conferida à bandas obscuras que têm um pequeno, mas fidelíssimo, séqüito de fãs, cuja admiração pela banda chega às raias da veneração".
(do meu dicionário musical pessoal, adaptado da definição presente no Guia do Rock A-Z,
encartado numa Bizz da década de 80).
O Elegia chega enfim ao segundo disco. Tão aguardado depois dos excelentes shows
em 2003/2004, Underworld aporta
amparado numa expectativa que apenas uma das poucas bandas realmente "cult" do
País pode despertar.
Habitualmente encaixado numa nublada definição entre pós-punk e gótico, o quinteto assume os extremos de ambas as influências e acaba açambarcando o melhor delas, pelo menos na maior parte do disco. O aspecto gótico predomina, e é nele que estão as referências mais identificáveis e também as canções mais poderosas.
Crossing The Rubycon abre o CD e sugere que a volta aos anos 80 vai começar.
A produção, destacando os estalos do baixo e aumentando os graves da bateria,
só reforça a impressão. Mas a nostalgia morre ao entrar The Trap In The Mirror,
canção que costuma despertar aplausos teatrais nas apresentações ao vivo. Uma
base cintilante de viola erudita e guitarra orientalizada abre um meã culpa sobre
falhas de caráter que desemboca num mantra de padres gregorianos no purgatório.
A partir daí...
Farewell vem na seqüência intimando ao transe a golpes de contrabaixo agudo, precedendo a dobradinha Medieval / Night Ride, que já fora lançada em single no final de 2002 e constituem os dois maiores hits da banda. A primeira é uma cavalgada musical composta em um castelo da Alemanha (onde tocaram duas vezes) e a segunda é a melhor faixa do Bauhaus que Peter Murphy e seus companheiros não gravaram. As três compõem uma catarse dançante, mesmo para quem nem imagina quem seja Bela Lugosi.
O final do disco reserva outra seqüência matadora, a partir de Escravos,
primeira composição em português (soando como um Violeta de Outono com raiva),
a pesada Some Melody In The Hazy Sound, a bela In a Dead Loss e
a épica faixa-título. In a Dead Loss, aliás, é aquele tipo de música que
estaria nos melhores do ano de qualquer publicação rock de qualquer país, caso
esses joseenses fossem além de sua região.
Um arranjo de cordas de rara beleza delineando uma melodia cuja melancolia não
disfarça a paixão escondida nos versos e subentendida nos vocais. Uma música
que
passou batido na gravação tosca da coletânea ... Of Noise (1997) e que
foi justamente recuperada aqui.
Se há um problema, é que entre esses dois grandes blocos há canções que não encontraram
no laser a mesma força que nos shows: Mud Song, Amnésia e Black Rain acabam
não impressionando, padecendo de falta de punch, culpa da produção excessivamente
limpa e perfeccionista. Um problema menor, contudo, principalmente se considerarmos
que o vocalista Paulo Gotoh desencorporou-se do espírito de Robert Smith e adquiriu
uma personalidade vocal à altura de sua presença de palco.
Retomando o conceito pessoal de banda cult lá em cima, assumo-me como um dos seguidores do culto. Mas para não passar por fanático, convido os descrentes a ouvir o sermão de Underworld. Tenho certeza de que será um convertido a mais.
Show Elegia
e Zigurate ao vivo
Hocus Pocus Bar & Studio – São José dos Campos (SP)
por
Leonardo Vinhas
22 de abril, meio de um feriado prolongado, e casa
cheia para assistir os donos do pedaço junto aos curitibanos
(e gêmeos espirituais) do Zigurate, que trouxe seu
fã-clube de Curitiba até São José dos Campos para acompanhar
a microturnê por três
cidades de São Paulo. Muita gente de preto no palco
e na platéia, cerveja a preços justos e som de equalização
perfeita.
O resultado foi uma festa como poucas vezes se vê por aqui.
O Zigurate é bem mais nostálgico que o Elegia e não esconde
seu passado de banda cover, mandando belas versões
de Arabian Knights (Siouxsie and the Banshees)
e Killing An Arab (do
Cure). Nos sons próprios, letras mergulhadas na obscuridade
e na mitologia gótica, mas com um inesperado e bem-vindo
humor, além do notável
desempenho vocal da garota que empunha o microfone,
Patrícia. No show, a banda apresentou a melhor
canção à anos
80 em português: Sombras, um mini-hit. O
Zigurate pode até soar anacrônico em vários
momentos, mas nunca datado.
E aí veio o Elegia, em seu segundo show com formação completa,
depois do retorno do casal Paulo e Kátia Gotoh (vocalistas
principal e de apoio, respectivamente), que há anos estavam
no Japão e gravavam suas partes por lá mesmo. Paulo Gotoh é uma
figura por si só: uma mistura do Professor Crane (o Espantalho,
do Batman) com Edward Mãos-de-Tesoura, metido em trajes andróginos
e que oscila entre o desmoronamento físico e a dança frenética.
No fundo, mal se notam a voz ou a presença de Kátia.
De qualquer forma, seu retorno deixa a banda completa em todos os sentidos:
sem a obrigação de cantar, Marcelo Dangelo pode se concentrar
em seu trabalho muito pessoal de guitarra, liberando ainda
mais o poder da cozinha de Emerson Deniz (baixo) e Escobar
(bateria). Enquanto o primeiro equilibra notas muito bem pensadas
de baixo com intervenções de viola erudita, o segundo combina
percussão acústica e eletrônica com precisão e violência. Sempre é impressionante
o resultado dessa formação,
mas em Farewell, Medieval e Midnight Train eles se superaram.
Eu vi, ouvi e senti, e lamento por quem não estava lá.
Se o revivalismo oitentista faz fama e fortuna para Interpol, Killers e outros,
alguém pode me dizer o que essas duas bandas estão devendo aos gringos?
Leia também:
Entrevista com o Elegia - 2002,
por Leonardo Vinhas
Night Ride,
Elegia, por Leonardo Vinhas
Links
Veja
mais fotos do show no site da Gramophone
Site Oficial Elegia
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