'Howl', do Black Rebel Motorcycle Club
por Marcelo Costa
Foto: Divulgação
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22/12/2005

Mais do que qualquer outro estilo de música, o rock foi sempre aquele que permitiu que artistas girassem em 180 graus suas carreiras, mudando o foco de sua música, de seus desejos. Caso clássico, aquela banda chamada Beatles começou como uma "boy band" cheia de hits básicos até se afundar nas drogas, instrumentos exóticos e grandes melodias. Exemplo mais comum são Neil Young e Elvis Costello. O primeiro chegou a ser processado pela própria gravadora, que alegava que Young lançava discos que não pareciam ser dele mesmo. Costello não foi processado, mas se Young foi, ele também deveria ser, tamanha sua cara de pau em experimentar quase tudo o que a música lhe permite.

Beatles, Neil Young, Elvis Costello. Trio de luxo, hein. E o que eles estão fazendo em um texto sobre Howl, terceiro rebento do trio Black Rebel Motorcycle Club? Bem, é que Howl não tem nenhuma relação com os trabalhos anteriores da banda. Peter Hayes (guitarra e vocal), Robert Turner (baixo) e Nick Jago (bateria) jogaram pela janela as influências de Jesus & Mary Chain e My Bloody Valentine que marcaram os dois discos anteriores para se concentrar em uma música tão atemporal quanto velhusca: o blues, o soul e o folk. O resultado é um disco tão sensacional, mas tão sensacional, mas tão sensacional, que chega a congelar o desejo por outras batidas, outros sons, outras pulsações. Howl honra as sete letras da palavra matador.

Não que as influências anteriores tenham deixado o som do grupo totalmente. Peter ainda canta como se estivesse em uma sessão de gravação da banda dos irmãos Reid. Porém, o som que faz cama para a voz melodiosa e com um q de entediada de Peter abusa dos violões e gaitas. Nada de microfonia, nada de barulho. O Black Rebel Motorcycle Club abandona a adolescência e adentra com estilo a idade adulta da música pop. Assim como Get Behind Me Satan, álbum deste ano do duo White Stripes, Howl deixa as guitarras de lado. No entanto, enquanto há uma aura de festinha no som do White Stripes de Satan (e os clipes de The Denial Twist e da fofa My Doorbell não me deixam mentir), Howl é um álbum triste.

O primeiro som do disco é a voz de Peter, sobreposta várias vezes, cantando repetidamente: "O tempo não conservará nossas almas". Shuffle Your Feet, a faixa em questão, é levada aos violões, bateria e percussão. Uma guitarrinha safada cruza o caminho solando. Se você conhecia bem a banda e começar escutando essa faixa vai estranhar imediatamente. "Isso não é Black Rebel Motorcycle Club". E não é mesmo. É uma banda melhor do que aquela que foi apontada como salvação da cena indie mundial. E a faixa título, que vem na seqüência, é a que mais lembra o repertório antigo, transformando o que era noise guitar nos discos anteriores em blues espacial neste. Clichê: o BRMC que todos conheciam morreu. Viva o novo BRMC.

Enquanto a faixa título romantiza e choraminga, Devil's Waitin' afunda o ouvinte na história de um cara que espera pelo demo, como se fosse um Bob Dylan em uma encruzilhada. Na verdade, a letra lembra muito mais o Clint Eastwood do épico Os Imperdoáveis. É algo assim: "Dizem que eu sou o assassino e tudo estará feito / As portas não estarão abertas quando eu retornar". Dai em diante o disco se divide entra countrys ora acelerados, ora calmos. Entre os acelerados, Ain't No Easy Way e Complication Situation se destacam. Dos calmos, Still Suspicion Holds You Tight, com citação atravessada de Elvis Presley, e Sympathetic Noose são ótimas pedidas. Ao todo são treze faixas redentoras.

Howl foi lançado na gringa em agosto, e não tem previsão de lançamento nacional. Take Them on, on Your Own, o segundo disco, ganhou edição brasileira pela EMI, que distribui no País os discos da Virgin. Porém, o BRMC deixou a Virgin pela Red Int/Red Ink, que não têm representantes fixos na nossa terrinha abandonada. Ou seja, o disco pode sair por quem der mais, assim como pode passar desapercebido pelas "excelentes gravadoras" nacionais. Na boa, o disco está inteiro em sites de download e trocas de arquivo. Se você não tem grana para investir no importado (cerca de R$ 50, R$ 55), baixa o disco e queima um CD. Se você não tiver como fazer isso, siga o meu exemplo: conte com o apoio dos amigos que podem fazer algo pra você. O que você não pode é deixar de ouvir Howl. O Black Rebel Motorcycle Club acertou em cheio em seu terceiro álbum. Agora, eles deixaram de ser mais uma bandinha do Novo Rock que emula bandas dos anos oitenta para lançar um dos possíveis discos obrigatórios de 2005. Não um disco para se dançar na balada, mas para se ouvir em casa por dias a fio.


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