"É Preciso Dar Vazão Aos Sentimentos", Bidê ou Balde
por Marcelo Costa / Especial para a Usina do Som
maccosta@hotmail.com
23/12/2004

Na história do rock, o terceiro disco de uma banda costuma ser o divisor de águas na carreira. É Preciso Dar Vazão Aos Sentimentos (Ufa!), terceiro rebento dos gaúchos da Bidê ou Balde, surge para confundir a regra. Após cinco anos de estrada, o grupo parece ter amadurecido seu repertório, que ganha contornos roqueiros, sem, no entanto, abandonar completamente o passado.

A saída amigável da tecladista Kátia Aguiar abriu uma lacuna no som, preenchida pelos riffs dos guitarristas Sá e Pilla. Com isso, as canções ganham em corpo e, mesmo com as tiradas irônicas das boas letras de Carlinhos, ficaram mais simples e mais sérias – e melhores. A mudança não chega a ser brusca. Metade do disco é porrada enquanto a outra metade é a Bidê de antes, mas com a produção destacando as guitarradas.

A faixa que dá nome ao disco é uma das melhores músicas de todo o repertório da Bidê. Uma paulada com bateria na frente, riffs nervosos e letra genial de Carlinhos: “Então você já soube das fofocas / Mas quem lê Caras não vê coração”, canta o vocalista. Um riff límpido de uma Gibson abre Mais Um Dia Sem Ninguém, outra das grandes canções do disco. “Como é bom gritar”, grita Carlinhos, antes do refrão pesado, que diz: “Mais um dia sem ninguém/ Nunca me senti tão bem”. Na seqüência, uma versão enxuta para Hoje, clássico do Camisa do Vênus, com direito a participação de Marcelo Nova dividindo os vocais. Pena que o Charlie Brown Jr. Já tenha tido a mesma idéia no Acústico MTV. Para fechar o lado roqueiro, Mesmo Que Mude, uma inspirada quase balada, de riffs fortes e solo de talkbox.

A tríade Não Seja Assim, O Que Acontece No Escuro e Exijo Respeito!, reedita as melodias new wave grudentas do excelente segundo disco, Outubro Ou Nada (2002). Não Seja Assim ainda traz o dedilhado de Kátia nos teclados, enquanto O Que Acontece No Escuro desenha – sobre uma parede de guitarras – tudo o que acontece na “primeira vez” (“Ela já sabe pra que serve um homem / E sabe direitinho o que ele quer / Ele se orgulha da experiência / Mas sente medo de qualquer mulher”) e Exijo Respeito! surge como a faixa mais retrô do disco (não à toa, foi escrita antes do primeiro álbum).

Um pouco mais lenta do que as outras faixas, Pelo Menos Isso une resquícios de Jovem Guarda com influências de Flaming Lips em uma letra que se finge de inocente, mas se define com suprema ironia no refrão: “Eu sou seu amigo / Pelo menos nisso / Eu sou seu amigo / Pelo menos isso é o que eu te digo”. Para o final, as faixas menores: Isso É Que É Sábado, Vamos Para Cachoeira e Ps Calma não brilham como as anteriores, mas remetem diretamente ao primeiro álbum, Se Sexo É O Que Importa, Só O Rock É Sobre Amor (2000).

De produção impecável, É Preciso Dar Vazão Aos Sentimentos não demonstra a concisão de Outubro Ou Nada nem o repertório inspirado de Se Sexo É O Que Importa, Só O Rock É Sobre Amor, mas flagra a Bidê ou Balde alcançando a maturidade musical ao experimentar a simplicidade do rock de guitarras, sem abandonar a paixão pela new wave. Entre um extremo e outro, a banda continua jogando pérolas pop aos porcos. Já está mais do que na hora do País valorizar esses gaúchos. .

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Site Oficial da Bidê ou Balde