"From A Basement On The Hill" - Ellioth Smith
por Jonas Lopes
Yer Blues
17/02/2005

A indústria pop nos proporciona algumas situações bem curiosas. O caso de From A Basement On The Hill é emblemático. Elliott Smith passou pelo menos dois anos brigando com a gravadora Dreamworks para conseguir lançar o disco, cuja primeira versão ficou pronta em 2001. A major se recusou a colocar o álbum no mercado, afirmando que era depressivo demais (o que eles esperavam, tendo em vista os trabalhos anteriores de Elliott? Ska?). Expugnado, Elliott teve que recomeçar o trabalho e regravar o disco, o que vinha fazendo até sua morte, em outubro passado. E agora, quase um ano depois, o disco é lançado pelo selo Anti, o mesmo de Tom Waits, Nick Cave e Neko Case (ou seja, já pode ser considerada a gravadora mais melancólica do planeta). O produtor Rob Schnapf (que mixou Either/Or) e a baixista dos Jicks (banda de apoio de Stephen Malkmus) Joanna Bolme finalizaram a mixagem do álbum.

A primeira coisa a se dizer sobre From A Basement On The Hill (o nome vem de um verso de Memory Lane) é que não é, como vinha sendo divulgado, um retorno à estética lo-fi e simplista de Either/Or (1997) e Elliott Smith (1995). A não ser que Elliott houvesse desejado assim e a pós-produção tenha limado esta pretensão. O disco começa onde Figure 8 (2000) parou: produção expansiva e exemplar (exagerada, para os puristas), algumas guitarras pesadas, experimentações com canais e instrumentações, harmonias vocais cada vez mais complexas e arranjos de cordas.

Coast To Coast, que abre From A Basement On The Hill, lembra Son of Sam, primeira faixa de Figure 8; as guitarras com distorção, que chamavam a atenção em LA, aparecem na arrastada King's Crossing; Last Hour é prima distante de I Better Be Quiet. Porém, From A Basement On The Hill é mais coeso que o anterior, e não deixa aquela impressão de que duas ou três músicas poderiam ter ficado de fora.

Uma velha influência de Elliott bate ponto no disco novo: os Beatles. Foi o quarteto de Liverpool que chamou a atenção de Elliott para a música, depois que o americano, então com cinco anos, ouviu o White Album - "como não virar baixista depois de ouvir Helter Skelter?", dizia. A paixão sempre esteve explícita em seus discos (Baby Britain, de XO, é a cara de Getting Better) e, por mais que Lennon fosse seu beatle favorito, era com George Harrison que ele mais se assemelhava musicalmente (em outra faixa de XO, Oh Well, Okay, dá pra notar bem a semelhança entre as vozes). A muralha de guitarras de Don't Go Down parece algo arranjado por Phil Spector para All Things Must Pass. Strung Out Again e Shooting Star lembram um pouco as contribuições de Harrison para Abbey Road e White Álbum. As faixas acústicas, Let's Get Lost e Last Hour (com solo lindo de violão) em especial, estão imbuídas de momentos tocantes.

Lendo e ouvindo as letras das canções dá para, não concordar, mas entender os motivos de temor da Dreamworks. From A Basement On The Hill é sim um disco muito deprimido. Provavelmente o mais triste que Elliott gravou. E é uma melancolia desolada, desesperada, de versos de quem estava desistindo de viver, como "anything that I could be/would never be good enough for you/if you can't help it, just leave me alone (…) it sounds like being here just wasn't that much fun" (Coast To Coast). Little One é quase um testamento, um adeus: "and I won't know the fact that I'm dying/if I seem to be reckless with myself". Em King's Crossing Elliott ainda tenta buscar razões ao cantar "give me just one good reason not to do it". Os produtores tiveram a sacada de incluir um sampler depois deste verso, retirado de um show, da namorada de Elliott, Jennifer Chiba, respondendo bem baixinho na mixagem: "because we love you". Comovente.

A canção mais deprimida do álbum, no entanto, é Twilight: "you don't deserve to be lonely/but those drugs you got won't make you feel better". Seu arranjo, infelizmente, ficou um pouco abaixo do esperado. Era melhor ao vivo, com piano. E aqui fica claro que a voz de Smith já não era mais a mesma. Outra música cujo arranjo decepcionou é A Distorted Reality Is Now A Necessity To Be Free. A versão lançada ano passado, como b-side de Pretty (Ugly Before), era superior (a letra também é diferente). Se Elliott tivesse terminado o disco, poderia ser o melhor álbum do ano, ou até o melhor de sua carreira. De qualquer forma, From A Basement On The Hill é uma obra sublime, uma despedida digna de seu talento, e pelo menos foi lançado. Isto é que importa. Pena que Elliott teve que nos deixar pra isso acontecer.


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