Entrevista - Acústicos e Valvulados
por Leonardo Vinhas
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03/07/2006

Na primeira vez em que o S&Y entrevistou os Acústicos e Valvulados, corria o ano de 2002 e era o auge do hype pró-rock gaúcho na "mídia especializada" (a então decadente Showbizz e os cadernos culturais daqueles jornais grandes - aqueles mesmo, sabe?) e eles, estranhamente, ficavam de fora, apesar de estar lançando seu terceiro disco e já ter uma moral junto ao grande público do Sul. Por "grande público", entenda menininhas pós-púberes sabendo de cor suas letras, um hit estourado (Até a Hora de Parar), entrevista para TV, essas coisas. Questão para mais tarde: isso é parâmetro?

Passaram-se quase cinco anos, e já foi (e é) possível comprovar que aquele hype - que envolvia notadamente Vídeo Hits e Bidê ou Balde - não deu em nada, e que bandas deixadas de lado pelos coleguinhas de imprensa (Ultramen, Comunidade Nin-Jitsu) são as que realmente são conhecidas pelo público, conforme os termos do parágrafo acima. Por esses lados, Cachorro Grande é sinônimo de rock'n'roll, os Engenheiros ainda são uma banda grande e os Acústicos e Valvulados estão em seu quinto disco.

Os méritos das bandas citadas não entram em questão aqui, mas digamos que se alguém agüenta cinco discos no mercado independente, sendo que o lançamento do álbum mais recente é aguardado com expectativa por um número respeitável de fãs, algo de certo deve haver aí (desconsiderando a entropia, obviamente). E quando esse lançamento ameaça decepcionar?

À primeira audição, foi isso que ocorreu com Esse Som Me Faz Tão Bem, o disco em questão dos A&V, lançado a começos desse ano e atualmente divulgado em ampla turnê por Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O anterior, Creme Dental Rock'n'Roll (2004), era uma paulada de hard rock colhudo: batidas 4x4, guitarras altas e sem firulas, power ballads de verdade, chupações de AC/DC, o tipo de coisa que raramente dá certo em português, e que no caso foi mais do que bem sucedido, até em termos comerciais: emplacou os hits Cinco Frases, Se Você For Assim e Deus Quis (essa última até no Big Brother tocou, ainda que essa não seja uma façanha muito louvável) e rendeu a abertura do show do... Echo & The Bunnymen!

A seqüência lógica, pensava o fã, seria um disco ainda mais pau e bebum, até a julgar pelo visual "andamos-escutando-rockão-e-bebendo-muito" das fotos de divulgação. Mas na verdade, o espírito setentista aqui aparece menos Sticky Fingers/Exile on Main Street e mais Big Star. Ou seja, mais melodia e baladas que riffs invocados e andamentos para embalar putaria. Agora, passado o susto, pergunte-se: isso é ruim?

Nãh. Esse Som Me Faz Tão Bem tem mais ligação com o espírito pop do segundo disco (epônimo, assim como o terceiro), ainda que sem os toques country. O espírito retrô domina todas as faixas e aparece mais notável nas baladas, como Amar Alguém Depois (que já é hit no Sul do país), Certas Coisas (linda!) e O Mundo é Meu (essa até com pianinhos e tremolo na guitarra). Claro que nem tudo é naftalina: a coisa está mais pra Oasis (escute Certas Coisas e Tango e diga se estou errado) e seu espírito "revisionista" (mas sem ranço) do que para aquelas bandas vagabundas que vão morrer tocando covers do Creedence (como o próprio Creedence Clearwater Revisited).

Reminescências de Allmann Brothers pintam aqui (Missão: Instrumental!) e ali (várias guitarras ao longo do disco), as letras estão mais inteligíveis (vão longe os tempos de Bubblegum e Quem Me Dera) e ainda tem aqueles rocks que se prestam tanto ao bar como à estrada (A Cura, Pra Mim, Nada Nos Prende). Na real, só Depois do Fim, com sua cara de Jota Quest gaúcho, não dignifica o acetato.

Fica claro que a mudança de formação - o baixista Roberto Abreu saiu e seu espaço foi preenchido por Daniel Mossmann (guitarra) e Diego Lopes (baixo e piano) - ocasionou uma mudança de sonoridade (Daniel também é do Pata de Elefante, e isso diz muito). Se isso roubou o peso que poderia ter vindo, o ganho em harmonias e arranjos compensou, até mesmo ao vivo: com Rafael Malenotti ocupando exclusivamente o posto de vocalista, a movimentação de palco ficou bem maior.

À parte de hypes e afins, os A&V fizeram o que faz todo mundo que honra a existência: mudaram. Para o bem ou o mal, seguem mudando e arcando com os riscos disso. Vão continuar não agradando aos indies (um povo bunda que não compra disco, não se diverte, não caga nem desocupa a moita) nem aos críticos ranhetas (um povo que não vive) e fazendo bons discos. Isso é parâmetro! Abaixo, o baterista e principal compositor dos A&V, Paulo James, atualiza seu papo com o S&Y pinçando influências, números e viagens sobre esse disco e sobre os anteriores, compartilhando histórias de estrada e outras coisinhas.

Como foi a repercussão do Creme Dental? Apesar da boa execução de algumas faixas, parece que vocês tiveram problemas de distribuição com a Sum...
Paulo James - Acho que o CD teve uma boa repercussão, recebeu elogios, abriu mais alguns caminhos, principalmente no Sudeste. Com a gravadora rolou uma desafinada mesmo. Até por isso não demos seqüência ao trabalho. Na real, imaginávamos uma aposta maior, e talvez os caras imaginassem outro CD, sei lá... Nosso histórico com gravadoras do centro do país não é dos melhores... hahaha! [a banda já foi distribuída pela finada Abril Music; e lançou seu primeiro CD, em 1996, pela Paradoxx Music]. Cada dia mais acredito no rótulo "Rock Gaúcho". Ninguém do Sul inventou isso, mas parece que quem inventou percebeu algo que não vemos daqui de baixo...

Esse disco, com produção do Luciano Albo (ex-Cascavelletes) e novamente distribuído pela Antídoto, é uma tentativa de retomar o mercado gaúcho?
Voltar a um selo gaúcho é o caminho óbvio para uma banda de Rock Gaúcho. A gente é daqui, tem referências aqui, tem público aqui, tem nossa história aqui. Chegamos a conversar com outras gravadoras de São Paulo, Rio, mas elas só queriam nos lançar este ano. Ficaríamos todo 2005 e parte de 2006 sem ter um disco novo, e isso não é bom pra saúde.

O disco tem, na minha opinião, dois lados bem evidentes: um lado pop, que sempre foi característica da banda, e um lado setentão, meio Allmann Brothers, meio Big Star. Procede?
Óia, ninguém ouve nem Big Star nem Allmann Brothers tão profundamente... Mas acho que o CD soa setenta, sim, vindo de outras referências, tipo aquela finaleira dos Beatles, George Harrison... Talvez algo mais melódico do Who, e Mutantes também. Mistura isso com mais peso, algumas poucas atualidades, e...sei eu. Muita teoria...(risos)! Sei que a entrada do Dani (Mossman) e Diego (Lopes) na banda imprimiu uma nova maneira de tocar o som em si, e isso faz uma puta diferença! Os caras têm a manha, e puxam pra esse lado aí, pra uma sonoridade mais rica, 60´s e 70´s.

No fim, essa coisa da sonoridade é subjetiva... Tem muita coisa que é influência direta e não aparece num trabalho, mas é referência obrigatória. O New Order diz que Iggy Pop é uma das maiores influências da banda, e o Iggy se diz influenciado por blues. E tu não vê nada disso no som deles, não de forma direta...
É verdade. Tem lances que influenciam, mas não aparecem tão claramente. E às vezes é só a atitude que influencia, que de repente te move a fazer um som. No nosso caso, acho que Stray Cats e os caras dos anos 50 seguem sendo fundamentais, e mesmo assim bem menos aparentes na sonoridade atual.

As letras estão mais diretas, têm menos imagens incompreensíveis... Que importância têm as letras no universo dos A&V?
Bacana tu sacar isso. Na minha idéia, esse CD encerrou uma fase, de escrever coisas que a gente costuma chamar de "psicodelia moderada". Na real foi uma guria, num show em São Paulo, que nos disse isso...Tipo, "legal esse clima de vocês, essa psicodelia moderada". Muito engraçado! Mas principalmente o Creme Dental Rock'n Roll foi cheio de viagens mesmo, coisas coladas, imagens doidonas...No último CD pendeu pro outro lado, lances diretos, e atualmente isso se radicalizou...Parece que é uma volta às origens...Tem até uns rockabillies (adaptados) saindo ultimamente...Novidades no ar...

Como está rolando a turnê desse disco? E aproveitando: que louros o novo CD já colheu?
A tour tá bacana, a nossa "Never-Ending Tour" (roubando a expressão do Dylan) tem reforços de peso, o Dani e o Diego, o Rafa passou só pros vocais, o show tá bonito, estamos curtindo bastante! Já fomos para Floripa, Curitiba, muitas cidades no interior do Paraná e Santa Catarina e o Rio Grande véio de guerra. Faltou São Paulo, não deu pra chegar lá ainda, e o Rio, um pouco mais longe, e todas as outras cidades onde nunca tocamos... Sobre o CD: todo mundo tem dito que é o melhor CD da carreira, em termos de sonoridade, de composição, de momento da banda. Isso em si já é ducaralho. De resto, as músicas tem tocado no rádio, o povo tem pedido, etc. Bem legal!

É claro que a entrada do Daniel e do Diego influenciou o som da banda...
Sim, é claro. O Daniel tem bem forte essa coisa dos 70, toca no Pata de Elefante, é um puta músico, influenciou pra caralho. O Diego também, ele e o Dani trouxeram mais qualidade, mais refinamento...

Vocês desistiram de tentar conquistar o Sudeste?
(risos) Olha, não desistimos, seguimos de olho numa boa oportunidade. Aliás, estamos aceitando convites... (risos) Porque chegar lá sem uma Deck da vida, ou sem uma major realmente a fim de trampar, faz diferença. É dureza. Mesmo.

Que tal a experiência de abrir para os Bunnymen, banda que tem muito pouco (ou nada mesmo) a ver com o som de vocês? E ainda rolou os Strokes em PoA...
Surpreendentemente foi bom [abrir para o Echo]. Não temos nada a ver com o Echo, com os anos 80, salvo raríssimas exceções, mas era uma vitrine interessante, o Credicard Hall é importante, bonito... Chegaram e-mails elogiando, não ouvimos vaias, nem voaram tomates, ovos... (risos)! Valeu a pena! Ano passado abrimos pros Strokes aqui em Porto Alegre, e foi bem bom também! Público do rock, com postura mais alternativa, esperando os gringos... Fizemos nossa parte na boa. Tocamos muitas músicas do CD novo, algumas antigas mais confirmadas, nos aplaudiram, tivemos o nome num monte de painéis em paradas de ônibus e outdoors espalhados pela cidade, e ainda curtimos o show dos Strokes de camarote, com várias geladas à disposição...Não temos do que reclamar!

No Sul, vocês tocam na rádio e competem com "grandes" (aqueles que estão nas paradas). Podem se considerar uma banda massiva?
O nosso tipo de rock pode muito bem ser "massivo". Não temos nenhuma crise com isso. Volta e meia estamos nos Top 10 da vida e achamos isso excelente! Os caras que admiramos, das antigas, sempre fizeram algum sucesso, ou muito sucesso, e são as maiores bandas e cantores de rock do mundo. Tem gente que nos vê como "mainstream local" e acha que a gente faz um mega-sucesso. Tem gente que acha que somos "alternativos no cenário nacional". E tem gente que nunca ouviu falar da banda. Quer dizer, vai saber! O lance do rock no Brasil não é um caminho fácil, nem óbvio... Tem horas de mais exposição, tem horas de menos exposição, tem lugares onde tua situação é uma, e lugares onde é outra. Muda demais...

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