Entrevista - Acústicos e Valvulados

por Leonardo Vinhas
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2002


Acústicos e Valvulados sempre pareceu ser uma banda à margem das badalações. Com seu som de refrões empolgantes coalhado de ingredientes de rockabilly, country e bluegrass, o quarteto gaúcho chega ao seu terceiro disco fazendo o que sempre fez bem: música pesada e dinâmica para diversão. Ou rock, se preferir.

Com o criativo título epônimo, esse terceiro álbum é herdeiro direto do segundo, também epônimo, com a diferença de ter uma produção excelente (à cargo dos Skanks Haroldo Ferreti e Henrique Portugal) que valorizou os timbres da guitarra solo de Alexandre Móica e deu à bateria de Paulo James um som mais forte e encorpado. Rafael Malenotti continua melhorando a inflexão de sua voz peculiar, inicialmente muito parecida com a de Dexter Holland (Offspring). E pequenos detalhes, como um teclado aqui, uma programação ali e uma ou outra percussão adicional, conferem uma discreta variedade sem alterar a estrutura básica do som da banda.

Boas músicas se sucedem: "Remédio" tem um dedilhado que lembra uma versão desacelerada de "Directions", do Josh Rouse, alternando-se a um rockão invocado de vocais cheio de testosterona e um solo inspirado em Jon Spencer ("Esse remédio jamais vai curar / Esse remédio azul anfetamina"). "Milésima Canção de Amor" tem a melhor guitarra do disco e é uma sentida balada rocker. "Suspenso no Espaço" é só rock, faixa rápida e na cara, protagonizada por uma das garotinhas autodestrutivas que habitam a cabeça do letrista Paulo James. Refrão onomatopéico e melodia sessentista tornam "O Nome Dessa Rua" um hit imediato. E "Quintal" é uma bela canção onde voz, violão e percussão são discretamente trespassados por uma bela programação eletrônica.

Claro, há momentos menos inspirados, como a emulação dos xaropes Garotos da Rua em "Bilhete" e "Fervura". E o rockabilly "Ela Não Volta" é bacana, mas anódino. Todavia, nada que comprometa o resultado final: um bom disco de rock de uma boa banda que, correndo por fora, vem conquistando fãs, respeito e qualidade. Aproveitando o lançamento do álbum, o S&Y bateu um papo com o baterista Paulo James, por email. Descobrimos que eles querem ter mais espaço no sudeste e pretender seguir cada vez mais fortes e diretos. Como o rock. Confira. 

Com tanta variação nos timbres de guitarra e nos arranjos, o nome Acústicos e Valvulados ainda define o som da banda?
"Acústicos & Valvulados" define a essência da banda. É fato que as guitarras não ficam mais só nos timbres valvulados, mas "valvulado" é excelente pra expressar o embalo dos sons, o espírito, e isso é o principal. Quanto a "acústicos", que remete aos climas melódicos e toscos ao mesmo tempo, tudo está no seu lugar!

No primeiro disco, a maior parte do repertório era em inglês. Depois, o segundo contou com 100% de português em canções de inspiração mais country rock ou "simplesmente" rock'n'roll. Essa progressão é consciente ou vem naturalmente?
É natural. Ninguém planeja esses rumos e variações. O que a gente ouve, experimenta e gosta acaba fazendo parte das músicas. Sempre foi assim.

Como foi ter a produção do Henrique Portugal e do Haroldo Ferreti? Eles parecem também ter exercido uma  certa influência nesses arranjos...
Com certeza os caras fizeram diferença. São grandes parceiros, produtores atentos e dedicados, têm uma puta estrada musical, e souberam ressaltar coisas legais do nosso universo sonoro. Quer dizer, eles embarcaram no projeto reconhecendo nossa personalidade e com a intenção de explorar e expandir isso ao máximo. Chegamos em BH com as músicas prontas, semi-arranjadas - com exceção de "Universo Lo-Fi" e "Quintal" - e então traçamos em conjunto a história de cada uma delas. Foi du caralho!

Algum clip previsto?
Três. Há há há! Resolvemos nos puxar nos clipes desta vez...Está no ar "O Nome Dessa Rua", que foi dirigido pelo paulistano Pedro Cardillo e é um clipe clássico de rock, com a banda tocando, cores meio desgastadas e uma guria bacana. Pode ser visto através do site oficial também (www.acusticosevalvulados.com.br). Estamos produzindo o de "Suspenso No Espaço", com direção do Will Prestes (Wonkavision), e planejamos ainda fazer um para "Quintal", ou "Ao Vivo E A Cores", ou "Remédio".

Em comparação a este último, como vocês descreveriam seus dois discos anteriores? E aproveitando a pergunta, como foi a repercussão do segundo álbum no Brasil, já  que ele teve distribuição da Abril Music?
O primeiro disco mostrou os cinco primeiros anos de banda. Rockabilly puro no início, rockabilly mais pesado e algum folk lá por 94 e duas composições rock em português, indicando o que viria a seguir. O segundo foi totalmente em português, nada rockabilly, explorando o rock, o folk e principalmente as melodias. A repercussão do CD foi positiva em praticamente todos os lugares onde ele chegou. Recebemos excelentes críticas, muita gente boa curtiu o disco. Em termos de público, tivemos boas provas de que o CD poderia ter ido muito mais além. Tocou um pouco em SP e chegou a estar em paradas, em revistinhas de cifras, aquela coisa. Mas não houve sustentação, aposta, apoio, chame-se como quiser. É obvio que pra que algo saia do chão num país continental precisa-se de uma estrutura compatível. Aqui no Sul, a repercussão foi fantástica! Emendamos pelo menos cinco hits, vendemos uma penca de discos e fizemos uns 200 shows.

Ainda sobre a Abril: ese último álbum é distribuído apenas pela Antídoto, certo? A Abril não quis repetir a experiência ou vocês dispensaram a parceria?Nosso contrato com a Antídoto acabou pouco antes do CD ser lançado. Eles colocam os discos nas lojas. De resto, trabalhamos por conta. Sobre a parceria Abril/Antídoto, acho que nem existe mais...


No Sul, vocês são realmente populares. No resto do Brasil, como é o público de vocês?

É o público que pesquisa, ouve falar da banda, lê entrevistas como essa, vê um clipe, visita o site, compra o CD via Internet. Recebemos vários e-mails de outros estados, gente que cobra a nossa visita, que quer ver shows, que acha que as rádios deveriam tocar as nossas músicas...Sem ter acesso à grande mídia não é possível chegar no grande público. Foi mais ou menos o que rolou com o CD lançado pela Abril. Para além do Sul, nosso caminho é artesanal, independente. É uma briga bacana, que não é nem um pouco estranha pra quem faz isso há 10 anos, mais ou menos.

Falar sobre rock gaúcho sempre dá pano para manga.  Vocês não estavam incluídos no hype que tentou (e não conseguiu) alçar Bidê ou Balde e Video Hits ao sucesso, em SP e afins. Vocês se relacionam com essas bandas ou rola um certo "corporativismo" (ou seja, panelinhas) na cena de Porto Alegre? E por falar nisso: vocês se consideram uma banda gaúcha?
Aqui no Sul só não é bem-visto que se mete a "grandão" demais. De resto, bandas muito novas e outras com quase 20 anos convivem. Existem mais afinidades entre certos músicos, é claro, por conta de estilo, de história, de geração. Mas a grande maioria se respeita, o que é um puta crescimento, uma grande contribuição das bandas que vieram dos anos 90. E o que funciona pra todo mundo funciona pra Bidê ou Balde e Video Hits. São bandas novas, que tomaram um impulso rápido com o lançamento da Abril. Nunca ouvi falar de qualquer restrição em relação a isso. Topamos direto com todos nos shows, nas festas, e a chalaça impera. Por fim, os Acústicos & Valvulados são uma banda tão gaúcha quanto o Pato Fu é mineira e o Ira! é paulista.

Na lata: o que o Sul tem de mais, musicalmente?
Sei eu. O rock, talvez. E a insistência pra formar e manter um cenário que sobrevive em paralelo ao cenário "nacional".

Vocês mantém uma formação estável há bastante tempo. Qual a razão?
De fato a banda mantém a mesma formação desde o início. Todo mundo se acerta, e quando não se acerta, resolve. O clima é de parceria e de respeito. Temos objetivos próximos.

"Milésima Canção de Amor", do disco novo, me soa uma canção par a estrada. Vocês tiveram essa intenção? E já que falamos de inspirações "Remédio tem alguma raiz no trabalho do Josh Rouse?
"Milésima Canção De Amor" ganhou um peso acima do esperado. Era uma balada no violão, tomou o rumo de Seattle no CD e depois uma versão com cordas (disponível no nosso site, aliás...Baixem lá!). Nos shows é uma festa bacana! Mas nunca pensei nela pra estrada...A viagem é de duas pessoas tentando se achar, na cidade mesmo. "Remédio" X "Josh Rouse"? Putz, cara, como é foda esse lance de música...É uma leitura pra cada cabeça! E isso é du caralho, na real...Mas nunca rolou essa relação que tu mencionou. Agora que tu falou, lembrei do dedilhado, mas esse dedilhado tá mais pro que já escutamos de folk antes do alt-country, que quase não ouvimos...E a música é rockão, no fim, com peso! O solo, obra de Alexandre Móica, sei que foi inspirado no Jon Spencer. Vimos o show dele em BH um dia antes dessa sessão. Foi muito bom!

Voces têm uma faixa preferida em cada disco que poderiam mencionar? Ou pelo menos no novo.
Atualmente, tô curtindo "Remédio", "Universo Lo-Fi" e "Ela Não Volta". "Suspenso No Espaço", gravada ao vivo no Planeta Atlântida 2002, ficou bacana também.

Para onde o A&V vai agora? O que falta e o que já é realidade?
Pretendemos ter mais espaço no Sudeste. Tentamos sempre, aliás, demos com a cara na porta, mas seguiremos tentando. A repercussão deste disco tá muito boa, o que pode abrir novos caminhos. Aqui no Sul temos uma relação forte com o público e curtimos muito essa ponte. Emplacamos quatro músicas do novo disco, e temos mais duas na reta. A galera tá muito a fim de ouvir a gente, o que é ótimo! Musicalmente, a probabilidade é de soar cada vez mais forte, mais direto.


Site Oficial Acústicos e Valvulados