Patti Smith - LAND 1975-2002
por Marcelo Silva Costa

Ela é a musa do punk. A "roqueira" que abriu seu álbum de estréia dizendo que Jesus havia morrido pelos pecados dos outros, não pelos dela. A mulher que caiu de costas de um palco de mais de três metros de altura, na Flórida, quebrando uma vértebra do pescoço para um ano depois estar de volta aos shows. A artista que matou sua persona em pleno auge da carreira para dedicar-se ao marido e a família em um auto-exílio de quase 10 anos. A letrista que não pensou duas vezes em modificar uma letra do então ídolo americano Bruce Springsteen e, nela, reduzir o amor a um toque de telefone. A única mulher a rivalizar em textos com Bob Dylan e Jim Morrisson. A poetisa que trouxe Rimbaud e Baudelaire para o rock. A pioneira da cena punk de Nova York. A estrela adorada por gente como Michael Stipe, Bono, Ian McCulloch e Thurston Moore. 

Patti Smith. 

Patti Smith, aos 28 anos de carreira, chega ao seu primeiro "inventário" e oferece sua "LAND" com toda sua magnitude ao público. Melhor do que isso só dividir o prazer da escolha das canções com os fãs. E foram 10.000 fãs que escolheram as canções desta antologia. Como, carinhosamente, ela apresenta no encarte, "as canções do disco 1 foram escolhidas para mim. As canções do disco dois foram escolhidas para você". Um presente. 

"LAND" traz um trabalho gráfico caprichado. Dois cds, um livreto de 36 páginas com fotos raras e música que importa. Da primeira canção gravada por Patti Smith ("Piss Factory", 1974) até versões inéditas gravadas ao vivo em 2001, mais uma cover de Prince, "When Doves Cry", está quase tudo aqui. As faixas inéditas transformam o item "LAND" obrigatório, embora a pedida em se falando de Patti Smith seja a caixa "Masters" (com seis álbuns). Mas "LAND" traça um retrato perfeito da carreira de Patti.

O primeiro disco, cujo repertório foi escolhido pelos fãs, traz 17 canções que abrangem toda a carreira de Patti Smith. Estão aqui a famigerada cover de Van Morrison, "Gloria" (a tal que abre com o verso "In Excelsos Deo": "Jesus died for somebody's sins but not mine") de 1975, retirada do álbum "Horses", produzido pelo Velvet Underground John Cale. Do clássico álbum "Horses" ainda está presente na coletânea, "Free Money" (o que você faria se achasse um bilhete premiado da loteria?)

"Dancing Barefoot" (1979), que já ganhou versões do U2 e do Simple Minds, abre o cd 1. Na seqüência, "Rock N Roll Nigger", de 1978, inicia com um embate entre Patti e William Burroughs no meio do público, flagrado ao vivo no CBGB's. "Ain't So  Strange", do álbum "Radio Ethiopia" de 1976, é um confronto com Deus. Foi na performance dessa canção (Patti rodopiava no palco, um pequeno ballet), após o trecho em que Patti desafia Deus ("Turn, God,make a move"), em que ela caiu do palco na Flórida. A queda que deixou o Patti Smith Group parado durante um ano (justamente o ano do levante punk) mexeu com os pensamentos da poetisa que tirou "Gloria" do repertório dos shows e mudou toda sua concepção artistica para o próximo álbum, "Easter". 

"Easter" é o álbum que mais canções cedeu à "LAND". São quatro, no total, incluindo "Because The Night" (regravada pelo 10.000 Maniacs), a única canção de Patti a aproximar-se do Top Ten norte-americano (bateu no 13º lugar). "Because The Night" foi uma "tentativa" de parceria com Bruce Springsteen proposta pelo produtor Jimmy Iovine. Jimmy, atrás de um hit single, sugeriu que Smith e Springsteen fizessem uma canção juntos. Bruce entregou a Patti uma versão demo praticamente finalizada de "Because The Night" gravada por sua banda. Patti modificou vários trechos da letra, deixou o arranjo mais rock e a canção tornou-se um sucesso. De "Wave", o álbum pré exílio (ou o álbum do adeus, como queiram) duas canções foram retiradas. A já citada "Dancing Barefoot" e "Frederick", uma belíssima ode ao seu amor por Fred Sonic Smith. 

"Glitter in Their Eyes", do álbum "Gung Ho" de 2000, traz Michael Stipe do R.E.M. nos backings e Tom Verlaine do Television na guitarra. Verlaine também toca guitarra nas faixas retiradas do álbum "Gone Again" de 1996, sendo que "Beneath The Southern Cross" ainda traz John Cale no orgão e Jeff Buckley nos vocais. 

O segundo disco de "LAND" é composto de 13 faixas. Quatro são faixas de estúdio, do primeiso single "Piss Factory" (1974), passando por "Wander I Go" de 1996, com Verlaine na guitarra e Buckley no violão até "Higher Learning" de 2001, com Patti no clarinete. Duas são demo tapes ("Redondo Beach" e "Distant Fingers", ambas de 1975) e o restante ao vivo, flagradas em shows na Dinamraca, Paris, Los Angeles, entre outros. 

"LAND" são três acordes e um milhão de palavras. Toda força de Patti Smith retratada nas trinta canções que compõe está antologia. Obrigatório. E ponto final.


Leia mais sobre Patti Smith

Patti Smith - Elegia ao Punk como Modo de Vida,  por Marcus Marçal 


Disc: 1 
1. Dancing Barefoot - 2. Babelogue - 3. Rock 'N' Roll Nigger
4. Gloria - 5. Pissing In A River - 6. Free Money
7. People Have The Power - 8. Because The Night
9. Frederick - 10. Summer Cannibals - 11. Ghost Dance
12. Ain't It Strange - 13. 1959 
14. Beneath The Southern Cross - 15. Glitter In Their Eyes
16. Paths That Cross
17. When Doves Cry (Unreleased Studio Track-2001)
Disc: 2
1. Piss Factory (Track, 1974) - 
2. Redondo Beach (Demo, 1975)
3. Distance Fingers (Demo, 1975)
4. 25th Floor (Live: Oregon 1978)
5. Come Back Little Sheba (Studio Outtake, 1996)
6. Wander I Go (Track, 1996)
7. Dead City (Live: Denmark, 2001)
8. Spell (Live: Portland, Oregon, 2001)
9. Wing (Live: Paris, 2001)
10. Boy Cried Wolf (Live: Paris, 2001)
11. Birdland (Live: Los Angeles, 2001)
12. Higher Learning - Contemplation 
(Unreleased Studio Track, 2001)
13. Notes To The Future 
(Live: New York, N.Y., 2002)