Entrevista - Eduardo Perdido
por Leonardo Vinhas
Desenhos - Site Oficial Roque & Alfredo

lvinhas1@yahoo.com.br
02/12/2004

Esse mundo democrático e abrangente que é a internet salvou a vida, ou pelo menos diminuiu as paranóias, de muita gente com verve artística. Onde um artista iniciante poderia expor certos trabalhos para um número tão grande de pessoas se não a "rede mundial de computadores"? Tá certo que a maioria não ganha absolutamente um centavo por isso, mas - pôxa - qual é a graça de se fazer arte se ninguém vai ver? Se "o gol é o orgasmo do futebol", então a exposição pública é gozo de quem cria arte.

Não vou escrutinar o prazer de cada um, mas o artista gráfico Eduardo Ribeiro Bassi deve estar numa das fases mais tesudas de sua vida. Criador dos melhores personagens de animação da internet, a dupla de ratos translúcidos Roque e Alfredo, e de seu elenco de simpaticíssimos coadjuvantes, Bassi, ou Eduardo Perdido, como é conhecido, está tendo seu trabalho estampado na capa dos 15 mil exemplares do CD do Réu e Condenado, encartado na mui comentada revista Outracoisa.

Perdido tem 24 anos, nasceu em Araraquara e reside atualmente em São Carlos (SP), onde se graduou bacharel em Imagem e Som na UFSCar. Sócio-diretor da Rocambole Produções (www.rocambole.org), define-se como "animador... e produtor audiovisual. (Tenho a sorte de poder fazer no meu trabalho o que gosto de fazer de verdade, ou seja, não fazer quase nada o dia inteiro)". Paralelo a esse trabalho "oficial", mantém há mais de cinco anos - e com imenso furor criativo - as histórias de Roque e Alfredo.

Os dois ratinhos são muito diferentes entre si, física e emocionalmente (?!). Roque é de candura e ingenuidade ímpares, o espírito de Nemetcheque (do livro Meninos da Rua Paulo) reencarnado no corpo de um roedor cabeçudo, com um discreto pendor sádico. Alfredo também tem um coração enorme e uma personalidade doce, mas nem sempre é assim. Pode ser um grande filho da puta às vezes (confira na animação "Bandidos do Deserto"), tem um nariz que parece uma tromba de elefante e usa um chapéu marroquino. Um cara excêntrico e meio repugnante, como eu e você não conseguimos ser. Ou conseguimos?

As animações de Perdido estreladas pela dupla misturam um caráter infantil e absurdo (no sentido semiótico da coisa) com muito surrealismo (no sentido surreal mesmo), humor (sem sentido algum), polvilhado por toques macabros. Às vezes, macabros demais, como na sinistra e inesquecível "Lições de Vida". Vários outros personagens cativantes aparecem e reaparecem nas histórias, como a maternal Girafa Geni, o escroto Velho Decrépito e a indefinível Estrelinha Anã, que adorna a capa dos musiloucos goianos. Não bastasse essa galeria ímpar, Perdido ainda gerou, em parceria com o finado site Animatrash, "A Fantástica História do Homem-Coxinha". Concebida pelo "homem da renascença" André Pagnossim (diretor de curtas-metragens, frontman da banda Mcquade e animador de chorões crônicos), é uma história que mostra, com sublime poesia, o duro amor de uma carne (o Homem-Coxinha) por uma vegetal esquizofrênica (a Mulher-Alface), filha de um casal de barões nazistas. Uma história triste, mas épica, com uma música-tema inesquecível e um clássico das animações.

Por aí, já se percebe que a tal "verve artística" do primeiro parágrafo não se aplica a Perdido. Ele é um artista, com a verve já bem desenvolvida (hm...?). Uma imaginação que transforma pedaços de grama picotada em ratos de empatia imediata só pode ser dom divino. Ou deformação das vias sociais convencionais, o que não deixa de ser uma benção de Deus. Ele provavelmente diria que tudo isso vem de suas influências ("South Park, Ren e Stimpy, Simpsons "), inspirações ("músicas, viagens, viagens e viagens") e musas ("minha namorada!"). Então, deixemos a palavra com o homem. Com vocês, Eduardo Perdido e sua fala lucidamente doente.

Como surgiu a idéia de "parir" Roque e Alfredo?
Veio do nada, numa tarde ensolarada de verão, enquanto eu meditava sobre a sabedoria divina, Roque & Alfredo, dois ratos. Engraçado, falando assim parece mentira, mas é verdade. Foi assim mesmo. E na hora eu senti que seria algo que teria grande peso em minha vida, que seria algo que daria certo. Mas não sabia o que eles seriam, se personagens de histórias escritas, em quadrinhos...

Qual foi a estréia da dupla?
Então, fiquei com a idéia deles na cabeça, aí apresentei pro Samir Braga, grande amigo meu na faculdade, e ele curtiu, resolvemos pegar papel e lápis e desenhar... Não lembro exatamente por quê, mas eu comecei fazendo o desenho do Roque, e ele do Alfredo... Por isso a diferença do traço, que ficou até hoje, e é o principal da personalidade deles... Veja que bacana:
http://www.roqueealfredo.com.br/primeira.htm

As animações têm um toque sombrio, mas o que predomina - e cativa - é o caráter lúdico-absurdo. Assim sendo: quem são Roque e Alfredo? Ratos cruéis de bom coração? Ícones infanto-surrealistas? Dois ratos legais?
Todas as alternativas. Acho que o que determinou o surrealismo nas histórias desde o começo foi o fato de serem escritas sem um roteiro pré-definido. Como eu desenhava o Roque, e o Samir o Alfredo, nenhum dos dois sabia qual o próximo passo do outro. As histórias sempre tomaram rumos absurdos. Isso mudou um pouco quando o Samir saiu do projeto, e eu comecei a pensar nas histórias sozinho. Aí penso mais: como o Roque agiria agora? O que o Alfredo faria nessa situação?.

Você teria uma definição/apresentação para o seu trabalho em animação?
Hmmm... Não.

O site já tem uns três anos, certo? Como foi a repercussão inicial e como estão as coisas agora?
O site na verdade tem mais tempo... começou como uma pasta dentro de um site que não tinha nada a ver com animação, foi sendo visto no boca a boca, até passar pro roqueealfredo.com.br, e lá se vão uns 4 anos... A Internet é uma coisa legal porque tanto antes como hoje pessoas das regiões mais diversas têm acesso a ele... Então tem pessoas de todos os Estados acessando o tempo todo, e claro que hoje em dia esse número é cada vez maior, mas nunca me preocupei em ficar por exemplo fazendo spam do meu trabalho. Quem gosta de animação acaba achando, ou um amigo indica e tals.

Você tem noção de qual curta seja o maior hit do site?
Eu sei de uma que está sendo muito vista, mais do que qualquer outra, a animação da Super-Mosca, que está longe de ser das melhores, mas uns putos dum site meio famoso aí colocaram o link. Acho que o Homem-Coxinha é o mais comentado... ainda mais agora que ele tem o game dele, bastante acessado por sinal. E o pessoal costuma ficar puto porque eu faço umas fases muito difíceis. Mas tem que ser difícil mesmo, senão perde a graça. Vide o Mario do nintendinho, Battletoads...

Qual é a vinculação do seu site com o agora parado Animatrash?
Nenhuma. O site do Animatrash na verdade não existe mais, o André agora não tem mais tempo nem capacidade pra fazer animações. Só a continuação do Homem-Cxinha, na qual estamos trabalhando juntos novamente, o que é um prazer incomensurável pois ele é "O" cara.

O épico "O Fantástico Homem-Coxinha" já ganhou status de clássico da internet. Como você e o André Pagnossim tiveram a idéia desse libelo integracionista entre carnes e vegetais?
Olha só: num belo dia eu desenhei numa lousa, sabe-se lá porque, uma coxinha dormindo, com os dizeres "dorme, coxinha, dorme". O André, um cara criativo e obviamente com sérios traumas de infância, chega pra mim e fala: "Ô Perdido, vamos fazer uma animação de uma coxinha que se apaixona por uma alface, e os pais dela são nazistas e não aceitam...". Então tá.

Como funciona o processo de produção de seus curtas? Eles são muito detalhados, com trilha sonora própria, diferentes dublagens... Rola storyboard, ensaio, essas coisas?
Bom, os roteiros não são definidos de início, e tudo vai surgindo aleatoriamente num papel, o que podemos chamar de storyboard. Geralmente a animação fica bastante próxima do que está definido no storyboard. Em março ganhamos no II Festival de Cinema de Ribeirão Preto o prêmio de Melhor Roteiro na categoria de vídeo com o Homem-Coxinha. Acho que se eles vissem nosso storyboard, uma folha de papel amassado e uns rabiscos absurdos, isso não teria acontecido. A maior parte das vozes sou eu quem dublo: Roque, Alfredo, Velho Decrépito, Bobu, Gení, Sais Amigos, entre outros. Mas não rola ensaio não. Por exemplo, o Guilherme Lemmi - que faz a voz do Homem-Coxinha - chega, a gente passa pra ele os desenhos pra ele ter idéia da emoção que o personagem tem que passar (!), uma lista das falas e aí gravamos, tudo de primeira. E trilha sonora própria foi só na última do Roque & Alfredo, o que pretendo fazer em todas as próximas. Chega de roubar músicas da internet. (Nota: ele esqueceu-se do tema do Homem-Coxinha, nas versões eletro-trash e folk).

Você criou vários coadjuvantes para Roque e Alfredo, que também ganharam a preferência do público, como a Estrela Anã (que adorna a capa do CD do Réu e Condenado), o Velho Decrépito e a Girafa Geni, minha favorita. Alguns desses personagens pode ganhar mais espaço, tipo um curta só deles?
O Velho Decrépito já tem uma animação própria, "Contos Decrépitos", na qual ele narra histórias cheias de emoção e aventura, como ele mesmo gosta de dizer. Sobre os coadjuvantes, claro, sempre existe a possibilidade de surgir uma idéia pra histórias solo. Por enquanto, nada em mente.

Como pintou o convite para ilustrar a capa do Réu e Condenado?
O Daniel Dhremer me ligou um dia, faz mais de um ano, pra pedir a autorização pra usar a estrelinha, falando com aquela voz caipira infernal de Goiânia, que ele e o Francis eram fãs do Roque & Alfredo, e que eles estavam fazendo um CD. Eu achei legal e deixei, claro. O tempo passou, achei que eles tinham desistido da idéia, e o cara me reaparece apadrinhado pelo Lobão, recebendo elogios do Wander (Wildner) e Frank Jorge, com o CD mais divertido do ano, sem dúvida. Fiquei realmente orgulhoso por fazer parte de alguma forma.

E agora que saiu seu trabalho em rede nacional, podemos esperar o Homem-Coxinha, Roque, Alfredo e até o Chico Bosta em campanhas publicitárias, horário nobre e cards para colecionadores, certo? (risos)
Isso, podem esperar. Enquanto isso, estou em parceria com um site de ímãs de geladeira, que vende os imãs com cenas dos desenhos do Roque & Alfredo, e logo, logo começo a vender fitas VHS e DVDs com todas as animações. (nota: esqueçam o comentário sobre "não ganhar um centavo com o próprio trabalho". Eis aí um empreendedor). São 19 ao todo, em quase 1h e 20 min de desenhos desses 5 anos de Roque & Alfredo.

Perdido, o que vem pela frente?
"Homem-Coxinha Goes West", que pode mudar de nome, mas será uma aventura épica onde o querido herói de carne viaja no tempo e vai parar no velho oeste. Esse ano ainda sai a primeira parte, se o André correr. E claro, o final do game do Homem- Coxinha, que está com 13 fases e só faltam 2 pra terminar (outra nota: difícil pra c*****). E mais animações do Roque & Alfredo e toda a patota! Rumo ao infinito!!


Todas as fantásticas animações aqui citadas, outras tão legais quanto e coisas das mais interessantes (wallpapers,merchandising, o imperdível mp3 do Homem-Coxinha, etc) estão em www.roqueealfredo.com.br

Leonardo Vinhas, 25 (26 em breve), nunca mergulhou num copo de estreptococos nem teve uma bóia da Girafa Geni. Nina querida, esse texto sim, é dedicado a você. Você é meu anjo, minha estrelinha mágica, uma das mais belas razões para eu continuar existindo.



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Site Oficial Roque e Alfredo