"Um Compêndio Lírico de Dor e Escárnio", Réu
Condenado
por
Marcelo Costa Foto: Divulgação
maccosta@hotmail.com
26/11/2004
Acaba de chegar às bancas (!?!), via revista Outracoisa,
o disco mais idiota, tosco e grudento do rock brasileiro em
2004. Um Compêndio Lírico de Dor e Escárnio, do duo goiano
Réu e Condenado, sarreia tudo e todos enquanto diverte e surge
para embolar a lista de melhores álbuns de 2004. Bobagem
após bobagem após bobagem, pouco ou nada se salva na estréia
oficial de Daniel Drehmer e Francis Leech. Em se tratando de
música pop, essa coisa descartável que a gente usa e joga fora
após a primeira lavada, é um elogio.
O sarro já começa na capa, uma gozação com o sério e tristonho
Mellon Collie and the Infinite Sadness, do Smashing Pumpkins,
com a presença da "Anã Branca", estrelinha marca registrada
do artista Eduardo Perdido, derrubando lágrimas de escárnio
e dor. Porém, bastam os primeiros segundos do rockzinho sem-vergonha
União Soviética para se perceber que nenhuma tristeza
e seriedade pairam no céu estrelado da dupla goiana. A faixa,
chicletuda, é uma bela "poesia" com frases como "Eu queria estudar
os rins / E aprender a extrair marfim / fortalecer a musculatura
esquelética"... (??!!).
A história do Réu e Condenado é marcada por paixões. Tudo começou
quando a dupla gravou A Dança do Concubinato, um CDR
tosco que caiu nas mãos do bardo punk brega Wander Wildner,
que, chapado, levou o disquinho para Lobão, que, chapado, saiu
bradando aos quatro ventos que Réu e Condenado é que era bacana.
A idéia do grande lobo era lançar o disquinho fajuto dos moleques
no número 2 da sua Outracoisa, mas Daniel e Francis pediram
um tempo para tentar dar uma ajustada na zona musical.
Para melhorar a produção foi convocado o produtor gaúcho Iuri
Freiberger. Um time de figurinhas carimbadas também marcou presença
nas gravações. Wander Wildner engorda os vocais bêbados de Bob
Paraguaçu, uma linda canção que conta a história do cãozinho
pincher Bob, que costuma andar nu pelas ruas de Goiânia. A ex-tecladista
do Bidê ou Balde, Kátia Aguiar, canta em União Soviética
e toca teclados na plácida O Hino da Nossa Geração, que
proclama "Nunca vi disco voador / Nunca vou ser filho de médico
/ Acredito muito no amor / E em colchão ortopédico / E por isso
tenho uma excelente postura lombar". O MQN Fabrício Nobre marca
presença em Bob Paraguaçú e na irresistível Eu Sou
Tão Mal, a mais chicletes das canções chicletes do ano:
"Eu sou tão mal / Que eu teria dois carros num país comunista
/ Eu sou tão mal / Que o meu hobbie em casa é brincar de legista
/ e você ainda quer ser o meu amor". Na revista Outracoisa,
o texto que abre a reportagem é escrito por Frank Jorge, com
muitos elogios.
Há razão: Um Compêndio Lírico de Dor e Escárnio é daqueles
discos que até da raiva gostar tanto. A imbecilidade beira o
genial na cruelíssima Não Consigo Conter Tanta Alegria em
Meu Coração, que ensina como sumir com um corpo após um
assassinato: "Primeiro arranque os dentes / Com uma marreta
/ Serre as mãos e os pés / E então enterre sem fazer careta".
O refrão é impagável: "Morreu, morreu, vou ter que te enterrar
/ Morreu, morreu, os vermes vão gostar". Na seqüência, Rio
de Lágrimas relembra uma famosa propaganda de refrigerante:
"Você não pode me tratar como um marginal / Só porque nasci
sem hélices para voar / Então você não pode me tratar como um
animal / Adoro pizza com soda caustica".
O primeiro CDR da dupla foi gravado em quatro horas. Um Compêndio
Lírico de Dor e Escárnio precisou de seis meses para ver
a luz do laser. E o disco surge com um apanhado de hits em potencial,
como Funcionário do Mês (uma ode aos patrões), Lua
de Minérios (que filosofa sobre a lua e o queijo em frases
como "eu não entendo a obsessão da humanidade por lactose /
nem dos morcegos por Ozzy"), Internação Hospitalar (com
um coro impostor de internos), Jardineiro Carlos (muito
cuidado com as chamadas a cobrar), a ininteligível Encontro de Família e a inspirada Vida Severina.
Algumas publicações estão,
exageradamente, comparando os garotos (nem tão garotos assim,
já que um tem 24 e outro 26 anos) aos Mutantes. A dupla, no
entanto, está mais para uma versão atualizada dos Mamonas Assassinas
(que era, sim, muito legal, mas foi mais uma vitima da superexposição),
ou, então, uma versão centroestesulista dos paulistanos Premeditando
o Breque e do Língua de Trapo. Ou, ainda, um passo a frente
do duo gaúcho Tangos e Tragédias, como aponta o tango Faixa
Secreta, auto-explicativa.
Brincando de fazer música, o Réu e Condenado injeta humor no combalido cenário nacional, divertindo com clichês musicais que já estavam ficando esquecidos. É importante que se diga que o duo não está fazendo nada de revolucionário, grandioso ou especial. Um Compêndio Lírico de Dor e Escárnio é um divertido disco com um repertório de boas canções que unem um grande número de piadas infantis com melodias pegajosas que grudam na memória como chiclete em cabelo de metaleiro, na melhor tradição da música pop. Vale o investimento e as risadas.
Site
Oficial do Reu e Condenado
Site Oficial da revista
Outracoisa
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