"Plataforma", de Michel Houellebecq
por
Danilo Corci Speculum
21//11/2005
Não seria incorreto afirmar que a literatura ocidental padece de um ciclo interminável, quase nietzscheano. Cerca de um pouco mais de meia década atrás, o esoterismo era a bola da vez, tudo tinha seu cheirinho espiritual, tudo era designado pelas estrelas, conjunções e seja mais que inventaram. O tempo passou e a cada segundo em que nos distanciamos do fim do mundo - o fatídico ano 2000 - a desilusão fica mais forte, e os textos ficam mais sobrecarregados, filosóficos, existencialistas. Pegue a história da literatura e rapidamente movimentos similares serão facilmente identificáveis.
Para compensar esta desilusão, a nova safra pós-utópica (sem ideais práticos, nem mesmo a trivial condenação inflamada do capitalismo) resolveu cair na putaria. Tal como os místicos do final do milênio, agora é o sexo a nova resposta literária para diversas formas de angústias. Há bons e péssimos livros que utilizam este recurso explícito. Cabe aos franceses a primazia de ser, quase sempre, vanguarda, não só na literatura, mas também na propagação destas vertentes literárias. Sexo como resposta compulsiva para a desesperança está presente em boa parte dos escribas gauleses. Michel Houellebecq não é exceção. A diferença, talvez, é que ele resolva fazer com um pouco mais de cinismo que Lolita Pille e Catherine Millet.
Em Plataforma (Ed. Record, 383 págs, R$ 36,90 - em média), Houellebecq banca o libertino para fazer um escrutínio da vida moderna. O resultado, grosso modo, é bem satisfatório e sagaz. No enredo, o já quarentão Michel, um burocrata de mão cheia, recebe uma bolada da herança de seu pai. Cínico, prático e despreocupado, ele resolve viajar à Tailândia para umas férias sexuais. Lá conhece Valérie, uma executiva do mercado de turismo. O envolvimento dos dois acaba com a criação de vários resorts sexuais ao redor do mundo. E justamente este envolvimento de amor e sexo acabará de maneira trágica, também na Tailândia.
E o que credencia Houellebecq como este pós-utópico libertino? Bom, exacerbado em seu niilismo prático (se é que isto é possível), o autor literalmente não dá a mínima a ninguém. Seus alvos preferidos são os muçulmanos, prostitutas e a elite boçal européia. De certa maneira, ele tenta desconstruir o mundo e recriá-lo através de uma praticidade autoritária. Prostitutas são negócios, turismo sexual é inevitável, o Islamismo é estúpido por excelência, a burrice é um imperativo europeu. Tudo isto exposto sem o menor pudor - tanto que foi o vórtex inspirador do filme 9 Canções.
Cabe lembrar que Plataforma foi escrito antes dos atentados de 11 de Setembro de 2001, portanto sua acusação aos muçulmanos não é, claramente, uma alusão xenófoba (não procure racismo no livro). O que há, de fato, é um cinismo absoluto, talvez a maior qualidade - ou defeito, como quiser - deste homem pós-utópico. Sua linguagem contida, mesmo nas divagações, é um reflexo direto do que ele quer atingir: somos cada vez mais (vazios), com cada vez menos (ideais).
Se há uma fragilidade no livro, é a concessão ao amor que Houellebecq abarca em sua narrativa. A falha é suficientemente forte para, em vários momentos, comprometer o conjunto da obra, mas, mesmo assim, Plataforma emerge como um belo tratado desta literatura cíclica ocidental, já que abriu as portas para a libertinagem cínica.
Qual o próximo passado? Se tudo estiver no ponto, uma regressão estilística para depois vir mais uma transgressão moral e estética.
Leia também:
"Nove Canções", por Marcelo
Costa
Links:
Editora Record
Texto
cedido pelo site Speculum
|