9 Canções
por Marcelo Costa
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25/06/2005

Sexo, drogas e rock'n roll. Seria reduzir demais 9 Canções definindo o filme assim. Mesmo porque se há bastante sexo (explicito) e muito (indie) rock (em versões live), faltam drogas (umas poucas carreirinhas de cocaína descem pelas narinas do casal Matt e Lisa em dois momentos do filme, e só isso). Na verdade, o diretor Michael Winterbottom (de A Festa Nunca Termina) parece brincar com a ingenuidade do espectador. Winterbottom desnuda arquétipos de rebeldia a serviço de causa nenhuma e parece fazer isso pelo simples motivo de não ter nada a dizer.

A história é simplória: um rapaz conhece uma menina em um show. Eles começam a namorar. Daí em diante, nosso casal de amantes irá alternar sexo com shows. Os trechos de apresentações ao vivo de bandas como Black Rebel Motorcycle Club, Primal Scream, Super Furry Animals e Franz Ferdinand se revesam com todos os clichês de um bom filme de sexo explicito. Uma transa aqui, uma música ali, e mais nada.

Tudo bem, não é só isso. De vez em quando vemos nosso herói romântico nas geleiras da Antártica tentando dar ao filme um tom existencialista. Bobagem, bobagem, bobagem. 9 Canções não passa de uma grande e tremenda bobagem. Foi considerado um dos piores filmes a serem selecionados para o Festival de Cannes e joga ladeira abaixo uma idéia que poderia funcionar bem, se fosse bem desenvolvida. O problema é que o roteiro óbvio e tremendamente tolo não permite que nada se desenvolva em 9 Canções.

Por fim, Winterbottom dispensa algumas ótimas cenas de sexo como também flagras de excelentes bandas ao vivo. As cenas de sexo oral são bem bonitas assim como a grande maioria dos flagras de shows são empolgantes, mas uma coisa anula outra. Falta relação entre as partes. O problema principal de 9 Canções é não ter junção de coisa alguma. Seria como se alguém filmasse pingos caindo de uma torneira, alternasse para meninas conversando na escola, voltasse com pingos caindo de chuva, retornasse com as meninas conversando ao telefone, flagrasse gotas caindo do chuveiro, para depois filmar meninas conversando antes de dormir. Ao infinito.

Falta foco ao cineasta. Falta mensagem. Falta ótica. Seria extremamente interessante se ele aprofundasse sua narrativa além daquilo que vemos nas comédias românticas usuais, quando a luz se apaga assim que o casal vai transar. Neste caso, a luz "se acende" no momento em que o casal começa a transa. Não é permitido ao público olhar para dentro do relacionamento, saber como é a vida dos dois personagens. É tudo baseado no sexo. O rock é um passatempo. E as drogas são um adorno. O filme se aprofunda no sexo dentro do relacionamento e surge de lá vazio. O sexo é fudidamente importante para uma relação, mas não só ele. Closer - Perto Demais revela mais sem precisar exibir genitais, drogas e muito menos rock.

Rock. Se não fossem as cenas de sexo até que seria um ótimo documentário sobre a cena atual. E vice-versa. No quesito rock, no entanto, o pau come (ops) com Black Rebel Motorcycle Club que abre o filme com a matadora Whatever Happened To My Rock and Roll e fecha com a maravilhosa Love Burns, duas canções do debute da banda, que acabou por perder foco em seu segundo disco. O Von Bondies surpreende com a boa C'mon C'mon enquanto o Elbow despeja melancolia com a linda Fallen Angel. O Primal Scream mostra o que o Brasil (e a Argentina) perdeu numa versão matadora de Movin'Up (ao contrário da versão "usina de barulho" que matou a melodia e o swing nos dois países sul-americanos em 2004). Dandy Warhols passa desapercebido, Super Furry Animals dá saudade e Franz Ferdinand alimenta o desejo com Jacqueline. Se fossem só os trechos de shows seria um filme matador. Se fossem só as cenas de sexo também. Juntos, porém, entornam o caldo. Quer saber: na vida é real é bem diferente...

Provavelmente, o diretor não assistiu As 1001 Noites, de Pasolini. O filme que encerra a Trilogia da Vida do cineasta italiano é o que traz seu conteúdo mais explicito, sem, no entanto, abandonar a história (inspirada nas fábulas arábicas). Pasolini tempera sua história com muito erotismo, paixão e romance. E sexo, além de uma ou outra cena bizarra. Porém, há um foco narrativo, há uma história, há um motivo para as coisas acontecerem. E é tudo isso que falta em 9 Canções. Não que Winterbottom quisesse ser um novo Pasolini, imagina. Mas faltou a ele inteligência para amarrar o bom material que tinha. Muita gente se apega ao blá blá blá de que 9 Canções foi o primeiro filme com cenas de sexo explícito que recebeu o certificado de exibição em grande circuito na Inglaterra e França. Grande bobagem. Como filme, 9 Canções é igual a zero.

Leia também:
"Closer - Perto Demais", por Marcelo Costa
"A Festa Nunca Termina", por Marcelo Costa
"BRMC", do Black Rebel Motorcycle Club, por Marcelo Costa
Entrevista com Dandy Warhols
"Franz Ferdinand", do Franz Ferdinand, por Marcelo Costa
Cast of Shadows, do Elbow, por Marcelo Costa

Links
Site Oficial do filme 9 Canções