"Manifestos Neoístas - Greve da Arte", de Stewart Home
por Danilo Corci
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06/02/2006

"... A arte nos presenteou com mundos de fantasia, fugas da realidade... A arte é a fuga glamourosa, a transformação que nos protege do mundo... A arte vem substituindo a religião como o ópio do povo... Mas a arte se vendeu para perseguir a própria calda. Uma elite que se autoperpetua vende a arte como uma mercadoria para os ricos que têm tudo, enquanto torna os próprios artistas ricos... A arte é dinheiro... Os artistas são assassinos! Sem a arte, a vida seria insuportável! Teríamos que transformar este mundo... mas não desfrutamos desse poder porque estamos enfeitiçados com a arte. Proíba a arte, e a revolução seguirá - a tomada da criatividade é a única arma do homem.." T. Marvin Lowes

Se quiserem mudar a arte, então a melhor solução é causar barulho, destruir o mercado para, enfim, a criatividade ganhar seu espaço. Não haveria mais reféns, tudo seria livre e ditado pelas epifanias, pelo talento e não mais pelas regras do voraz mercado capitalista, pelos merchands, pelas galerias e pelos sinistros curadores de museus. A elite viria abaixo, os artistas voltariam a ter o poder. Bonito, não? Mas, sem dúvida alguma, extremamente ingênuo.

Não se engane, porém. Ingenuidade não é a marca de Stewart Home, polêmico artista, rocker, punk, agitador cultural britânico. Junto com outras figuras polêmicas e experimentais, como Douglas Pearce, a mente por trás da banda Death in June, ele resolveu tumultuar. O Neoísmo - tática experimental com filosofia do underground, com experimentalismos, performances, plágios e idéias paradoxais - encampou, em 1989, uma idéia jogada nos EUA: a Greve da Arte. Sua participação ativa deu à idéia proporções épicas, com ramificações no Uruguai, em outros pontos dos EUA, Hungria e, claro, no Reino Unido.

O resultado pode ser analisado em Manifestos Neoístas - Greve da Arte, de Stewart Home (Conrad Editora, 211 págs, R$ 22, em média). A cuidadosa edição traz, de um lado, os textos publicados na revista Smile, que foi a fomentadora do movimento. Do outro, invertido, estão as conclusões, discussões favoráveis e contrárias ao movimento e uma entrevista com Home.

Mas o que, de fato, pregava a Greve da Arte? A idéia de Home era que de 1 de janeiro de 1990 a 1 de janeiro de 1993 nenhum artista produzisse. A negação absoluta da arte durante três longos anos. Sem produção, o mercado entraria em colapso por falta de mercadoria. Assim, os artistas poderiam retomar o controle sobre a criatividade, tirando das "elites" a decisão sobre o que é ou não arte, como o exemplo citado no livro em que John Cage é colocado como "artista" e Madonna "apenas lixo cultural". Segundo os grevistas, esta definição é empurrada goela abaixo de todos. Com a greve, tudo seria destruído e assim uma reconstrução livre seria feita.

O caráter da Greve da Arte é extremamente dualista. Se por um lado a idéia, não exatamente original (já havia sido tentada em 1978 por Gustav Metzger), tinha lá seu caráter anárquico e libertário, apesar das colorações marxistas que a permeavam, por outro é extremamente curioso observar que o panfletarismo do movimento - que, em lógica, era o caminho correto para a liberdade artística - tem lá o seu quê de autopromoção do grupo, em especial de Home. Ou seja, seria, no final, a Greve da Arte a grande obra da vida de Home, sem o desejo de revolução, mas sim da composição de um trabalho artístico?

A leitura do livro deixa a questão totalmente aberta, de maneira ambígua. O resultado da proposta da greve foi esparso, ainda que toda a argumentação seja explosiva, cheia de provocações. Independente da posição a se tomar diante das idéias da Greve da Arte, alguns detalhes ficam evidentes. Stewart Home foi direto ao ponto, repleto de ironia, dando destaque ao Neoísmo como uma vanguarda cínica. Não à toa, hoje ele delicia-se ao se intitular mentor dos revivals sonoros do chamado "novo rock" ao citar suas idéias de plagiarismos. E se você quiser ter um olhar mais conservador e mimético sobre a coisa toda, a Greve da Arte, que pode ser dissecada neste livro, é um exemplo cabal de Arte, com A maiúsculo. Afinal, o que foi ela? Um fracasso, marketing, especulação e contraditória. Igualzinho nosso mundo de hoje...



Leia também:
"Assalto à Cultura", de Stewart Home, por Leonardo Vinhas

Links:
Conrad Editora


Texto cedido pelo site Speculum