'Assalto
à Cultura', de Stewart Home
por
Leonardo Vinhas
Contracultura
é
um termo freqüentemente empregado de maneira equivocada.
Assalto à Cultura, do inglês Stewart Home,
lança uma nova visão do termo que pode ajudar
a esclarecer esse conceito.
O
livro é uma tentativa de mapear uma tradição
de "anti-arte", como nomeia o autor, a partir do século
XX, sem esquecer de mencionar tentativas anteriores ocorridas
em séculos passados. Porém, em vez de repetir
análises prontas sobre hippies, beatniks, punks e hip-hoppers,
Home centra seu estudo em obscuros movimentos europeus e americanos,
como a Internacional Situacionista, a Fluxus, o Provo Dinamarquês,
os Yippies e outros pouco conhecidos.
Analisando
teorias e práticas desses movimentos, o autor, de maneira
muito parcial, exibe as contradições e resultados
de grupos supostamente subversivos. Dessa forma, Home obtém
dois importantes tentos com seu estudo, ainda que de forma não
intencional: expõe a virtual inocuidade da maioria desses
"revolucionários" e desvenda o mecanismo que atrai uns
e repele outros em agremiações dessa natureza.
No
primeiro caso, não houve real intenção
de perscrutar esse aspecto, mas uma breve leitura não-apaixonada
basta para perceber que todos os movimentos listados foram efêmeros
e de alcance bastante restrito, limitando-se a pequenas notas
em jornais e burburinhos junto à intelligentzia local.
A maioria dos artistas e movimentos listados portam-se como
aquelas crianças de quatro anos de idade que entram em
uma sala repleta de adultos, gritam "xixi" e "cocô" no
afã de chocar a "autoridade constituída" e saem
correndo rindo. Percebe-se que a mudança social decorrente
das ações dos grupos contraculturais é
zero na maioria dos casos. Em dado momento, o autor menciona
que essas ações "são rigorosamente intelectuais
para agradar o estudante de faculdade médio". Ou seja,
têm impacto tão "grande" quanto aquelas bandas
reggae bicho-grilo das faculdades de comunicação.
No
segundo ponto, Home é mais intencional. Segundo ele,
"todo mundo gosta de entretenimento que compactue com suas próprias
crenças ideológicas, assim, o samizdat (N: palavra
russa que designa publicação independente de caráter
coletivo e vagamente socialista) comunica-se com aqueles que
o desejam e é rejeitado por aqueles que não o
desejam". Logo, enquanto "a sociedade atual persistir, haverá
oposição a ela", justamente por sempre haver um
grupo de descontentes que tentará criar uma alternativa
à situação vigente, nem que apenas por
mera diversão.
Contudo
- e aí reside o maior mérito do livro - tais movimentos
não conseguem se ver livres da lógica de mercado,
tampouco conseguem se sustentar caso se prolonguem por muito
tempo. Assim, para que sejam realmente subversivos e produzam
alguma mudança, eles devem funcionar como uma blitzkrieg,
um "ataque-relâmpago" às normas sócio-culturais
vigentes (por isso o título do livro). Caso ultrapassem
essa efeméride, acabam por ser assimilados e desacreditados
pelo sistema, como aconteceu com o punk.
O
punk, aliás, ganha um dos capítulos mais interessantes
do livro. Fugindo da análise normalmente repetida no
jornalismo cultural, Home abandona o blábláblá
sobre Sex Pistols e Stooges para expor radicalismos, contradições
e ações concretas dos punks na sociedade. E, ainda
segundo o autor, apenas o punk em sua forma mais radical e o
movimento britânico ultradireitista Class War conseguiram
deixar uma marca impactante na sociedade. Em parte, pela glorificação
da violência e do anarquismo primitivo que eles adotaram,
e que muito agradam ao autor.
Além
dessa louvação à violência, dois
outros pontos negativos incomodam a leitura desse livro: primeiro,
o estilo literário de Stewart Home, ou melhor, a falta
dele. Usando terminologia altamente rebuscada em contraste com
trechos altamente parciais, apaixonados e informais, o autor
às vezes cansa e confunde o leitor. Segundo, seu eurocentrismo.
Home simplesmente ignora o que quer que tenha acontecido fora
da Europa, a não ser por eventuais menções
aos Estados Unidos. Ainda que sirva como uma delimitação
de estudo, Home reconhece em seu texto que a restrição
à Europa deve-se a seu total desconhecimento do tema
fora dela e ao seu desinteresse por ele.
Apesar
dessas questões, Assalto à Cultura vai
além do que a maioria das análises eruditas sobre
o tema já foi e desmistifica várias lendas, além
de levar ao questionamento dos conceitos de "arte", "alternativo"
e "subversão". Só isso já torna o livro
suficientemente subversivo...
Leonardo
Vinhas, 23, é professor de inglês e autor do livro
"As Pérolas que Enriquecem os Porcos".
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Conrad
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