"Histórias Fantásticas", Adolfo Bioy Casares
por
Rodrigo Damasceno
Blog
04/01/2007
Embora seja reconhecido mundialmente como um dos grandes mestres
da literatura moderna por conta da sua novela A Invenção
de Morel, é sobretudo em seus contos que o argentino Adolfo
Bioy Casares revela um domínio claro sobre a linguagem (são
estilisticamente simples), a narrativa em si (são tramas intrincadas,
cheias de desvios e dúvidas) e o tema das suas histórias (o
embate dos homens contra a morte, o tempo e um provável poder
que torna qualquer esforço - ou entusiasmo - inútil).
Histórias Fantásticas reúne contos publicados entre os
anos de 1948 e 1969 em livros e jornais; duas décadas de produção
que, condensada numa coletânea delimitada pela característica
"fantástica", já valeria a certeza do nome de Casares entre
os grandes da literatura latino-americana. A ambientação dos
seus escritos, porém, distancia-se bastante do típico caminho
percorrido por autores latinos que, quase sempre, acaba aportando
no terreno do pitoresco. Os milagres de Bioy ocorrem em aeroportos
abarrotados, ruas de grandes capitais e pensões do litoral argentino
- mesmo quando o tema é a existência paralela de diversas realidades,
como no conto A Trama Celest, cada realidade preserva
uma semelhança com o nosso mundo contemporâneo, diferindo em
detalhes (em um deles, por exemplo, Cartago não desapareceu
por completo e os galeses jamais existiram).
Muitos dos temas abordados por Casares já em 1940, em A Invenção
de Morel, e posteriormente em seus contos que não se encaixam
na faceta "fantástica" de sua obra (como, por exemplo, as suas
Histórias de Amor - esgotadas no Brasil), estão presentes
em narrativas como O Perjúrio da Neve. Verdadeira obra-prima,
o conto, armado de um tom essencialmente policialesco, revela-se,
posteriormente, de uma visão extremamente acurada e pessimista
a cerca das relações entre os homens modernos: um senhor polonês,
refugiado na Patagônia com quatro filhas, surpreende-se com
a notícia de que uma delas, já em fase terminal de uma doença,
possui pouco mais do que três meses de vida; desesperado, mas
fiel, ele decide empreender uma tentativa de tornar a sua casa,
e a sua família, imunes ao tempo impondo uma rotina fixa até
o momento em que, pela falta de variação, eles se percebem na
eternidade. A moça sobrevive já por mais de um ano além da previsão
do médico até que a casa é invadida por um estranho - e na manhã
seguinte, ela está morta. A trama nos faz perseguir o misterioso
invasor mas, tal qual no clássico O Jardim de Veredas que
se Bifurcam, do seu amigo e parceiro Jorge Luis Borges,
a resolução de um crime encobre uma gigantesca dimensão filosófica
e existencial: sabe-se, por exemplo, que a filha condenada,
ao receber o seu assassino, recebe-o como seu salvador - aquele
que a livraria da sua "laboriosa imortalidade".
Esta mesma interferência de terceiros na "eternidade" e na "paz"
alheia está presente nos contos Em Memória de Paulina
(no qual a turbulência existe até mesmo após a morte, nas lembranças)
e Moscas e Aranhas (aqui uma senhora holandesa consegue
imiscuir-se em pensamentos e sonhos alheios, minando um relacionamento
e conduzindo até mesmo ao suicídio). Há de se convir que é uma
visão pessimista e desencantada a cerca das relações humanas,
mas é no conto Os Entusiasmos que Casares expõe a total
mesquinhez do homem - que se extende até a sua eternidade. Tal
qual Morel, o protagonista de Os Entusiasmos, o cientista
Eladio Heller, é obcecado pela possibilidade da vida eterna
e desenvolve uma maneira de conservar a capacidade de pensar
dos homens após a morte, concentrando-a num pequeno bastidor
de 20cm, do qual o morto (ou o "transferido") pode comunicar-se
através da telepatia (identificando-se ou ocultando-se na própria
consciência do outro). Esta imortalidade, concentrada num pequeno
aparato de 20cm, é definida pela esposa de Eladio como "ridícula".
Eladio, seduzido por sua própria invenção, termina por utilizar-se
como cobaia. Sobrevivendo apenas como pensamento, portanto imune
aos perigos "reais", revela-se autoritário e egoísta, influenciando
as atitudes de sua família e seus amigos por meio dos seus poderes
telepáticos.
Percebe-se, em todos os contos, uma intenção clara de Bioy em
conectar homens de diferentes épocas, lugares (e mesmo realidades
paralelas), tendo como meta final não apenas os seus contemporâneos
- ele tece uma linha com aquilo que, segundo a sua visão, nos
uniria às civilizações ancestrais: o obscuro, a vontade de comunicação
com os mortos, a eternidade e a busca do controle sobre aquilo
que jamais conseguimos apreender ou moldar, o tempo e as suas
conseqüências.
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A Invenção de Morel,
de Adolfo Bioy Casares, por Rodrigo Damasceno
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