"A Invenção de Morel", Adolfo Bioy Casares por
Rodrigo Damasceno Foto: Divulgação
Blog
02/05/2006
Adolfo
Bioy Casares chegou a dizer, numa entrevista, que "trocaria
com prazer o paraíso pela vida eterna". Nascido em 1914 e falecido
em 1999, antes de completar 85 anos, Casares é agora "reapresentado"
aos leitores brasileiros por meio daquele que é considerado
o seu melhor texto: A Invenção de Morel, romance curto
que, em grande parte, deixa explícita a fixação do argentino
pelo tema da imortalidade.
Escolha da Cosac&Naify para inaugurar a coleção 'Prosa do Observatório'
- que pretende editar textos fundamentais de autores íbero-americanos
- A Invenção de Morel chega aos brasileiros com tradução
esmerada, edição cuidadosa e, como não bastasse, prólogo de
Jorge Luis Borges e posfácio de Otto Maria Carpeaux - material
suficiente para intimidar críticos e mesmo limitar as interpretações
do leitor comum. No entanto, a força do romance é mostrada justamente
por tornar os textos dos dois mestres, de certa forma, incompletos
e pouco satisfatórios diante da variedade de temas que Casares
consegue suscitar nas poucas páginas do livro. A tecnologia
e a imortalidade são apenas os mais nítidos.
Apresentado em forma de diário, A Invenção de Morel vale-se,
em parte, do narrador "não confiável" celebrizado por Henry
James (sua honestidade é confrontada por um suposto editor que
aponta contradições e, em certo momento, chega a "omitir" um
trecho do diário). Um perseguido político venezuelano refugia-se
numa ilha abandonada e temida por ter sido foco de uma terrível
doença - sua vida tornara-se tão odiosa que confrontar uma peste
que "mata de fora para dentro" pareceu-lhe uma boa saída. Após
alguns dias, depara-se com pessoas que nadam em piscinas cheias
de cobras e sapos, usam roupas pesadas em dias quentes e, sobretudo,
ignoram a sua presença. Atormentado pela sua desconfiança e
pela insinuação de uma paixão que, ao longo do romance, ganhará
ares trágicos e incontornáveis, o narrador vê-se colocado diante
de questões morais e filosóficas que, distanciando-se do terreno
simplesmente teórico, terão peso fundamental no desfecho da
sua estada na ilha.
Após observações, o fugitivo descobre que a ilha fora local
de um ambicioso projeto de Morel, um cientista fascinado pela
idéia da perpetuação da vida. Não por inteira: apenas dos momentos
plenos de felicidade e bem-estar. Cego pela sua obsessão, ele
cria uma intricada máquina que registra imagens, sons, movimentos
e tudo aquilo que pensamos como inerentes à nossa existência.
Naquela ilha, Morel expôs amigos íntimos às poderosas radiações
de seu invento (motivo da tal "peste") para que vivessem numa
hipotética felicidade eterna, registrada em disco e reproduzida
continuamente através da energia gerada pelas marés.
O estilo simples - alguns arriscariam "clássico" - de Casares
destaca-se na construção de imagens e na lógica que consegue
impor ao fantasioso (característica destacada por Carpeaux).
Bastante descritivo, o romance consegue cristalizar a ilha em
inimagináveis e geniais detalhes, como no trecho em que ficamos
sabendo que "As árvores da colina endureceram a tal ponto que
é impossível trabalhá-las; tampouco se consegue alguma coisa
com as do baixio: desfazem-se à pressão dos dedos, e resta nas
mãos uma serragem pegajosa, umas farpas brancas." Em poucas
páginas, o que o próprio narrador considera "implausível" torna-se
plenamente lógico ou, quem sabe, indispensável.
Descrita por Borges como "perfeita", a trama, clara e concisa,
não desconcerta o leitor por meio dos labirintos (como o faria
Borges), mas pela perplexidade diante daquilo que encontramos
ao centro da ilha - que, caso o leitor seja ambicioso, toma
dimensões mais amplas: a busca pela imortalidade, intríseca
ao homem (diposto a sacrificar-se por ela - sem enxergar nisso
uma contradição) e a obsessão amorosa, quase singela, que aos
poucos torna-se irremediável e exige, num âmbito mais restrito
e pessoal, igual sacrifício.
Links
Editora Cosac&Naify
|
|