"Manifestos Neoístas - Greve da Arte", de Edward Bunker
por Danilo Corci
Email
04/01/2006

A20284. A partir de hoje, este é o seu nome, esta será a maneira como você será designado e conhecido. Não, não é ficção científica, por mais que uma situação desta pareça ter saído das conexões cerebrais de um Isaac Asimov. Mas, de fato, trata-se de algo real, pungente, na maior parte da juventude de uma pessoa: Edward Bunker (1933 - 2005).

O paralelismo com a ficção científica não deixa de ser válido, especialmente na leitura de Educação de um Bandido (Editora Barracuda, 384 págs, R$ 43, em média). Nesta autobiografia, Bunker narra detalhadamente a sua vida criminal que começou cedo - aos quatro anos - e aos dezessete era encarcerado numa das mais nefastas prisões norte-americanas, a de San Quentin, na Califórnia.

Bunker cumpriu dezoito anos atrás das grades, dividido em vários períodos. Como começou cedo no lado desajustado da sociedade, logo se tornou uma espécie de lenda viva, o garoto problema que ninguém queria. E no livro ele conta tudo em detalhes: os problemas com o pai, as homéricas surras que levava nas instituições correcionais e o comportamento criminal.

Mas ele não faz de sua vida um motivo de lástimas. Sua visão afiada sobre o sistema penal norte-americano e os motivos de ter desperdiçado sua juventude atrás das grades são expostos de maneira pungente. Mais. O nascimento de um escritor é detalhado em cada linha do livro - não perceba apenas a narrativa...

Ainda que um dos prisioneiros mais violentos de sua época, Bunker nunca foi encrenqueiro. Teve até sorte de ser "adotado" por Louise Fazenda Wallis, esposa de Hal Wallis, um influente produtor de Hollywood, que fez de tudo para que ele se endireitasse. A atração ao crime, porém, era mais forte.

Entretanto, Bunker se dilui em vários momentos. Sua identidade torna-se um número, sua vida um registro policial. Das amenas conversas e aprendizado de pôquer às guerras raciais declaradas, Bunker teve até tempo de fumar um baseado em uma sala de execução, fingir-se de louco, ver um "chicano" arrancar os olhos para tentar evitar voltar à prisão e lia, lia, lia para escrever em seguida.

Esqueça os tais manuais de redação ou cursos criativos. Bunker aprendeu na raça e mostra isso em Educação de um Bandido: "Perseverei porque tinha consciência de que a escrita era a minha única chance de criar algo, de escalar as paredes do poço escuro, alcançar o sonho e repousar ao sol.

E, tendo lido até aqui, você deve ter percebido que a perseverança é um traço fundamental da minha natureza. Levanto-me de cada golpe tantas vezes quantas meu corpo obedecer à minha vontade. Ganhei muitas lutas porque não desisti, e também levei algumas porradas memoráveis por não saber quando desistir". Esqueça lições de vida aqui, ainda que elas insistam em aparecer. Bunker virou número, mas agora é palavra pura. Seu livro transpira esta transformação. E a literatura ganhou uma obra-prima.

Leia também:
"Cão Come Cão", de Edward Bunker, por Mariângela Carvalho

Links:
Editora Barracuda


Texto cedido pelo site Speculum