"Cão Come Cão" - Edward Bunker
por
Mariângela Carvalho
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03/05/2005
A contemplação da sordidez inserida na Califórnia oitentista e decadente surge embalada por uma das melhores narrativas sobre o submundo criminoso, que enforca os brilhantes Estados Unidos em panos de seda, em Cão Come Cão, de Edward Bunker, um fantástico
relato das agruras vividas por personagens contemplativos, loucos e infratores.
Bunker, que passou muito tempo de sua vida inserido no Sistema Prisional norte americano, detalha em minúcias o mundo do consumo hedonista e inóspito presenciado por aqueles que, como ele, se dividiram em tempos de liberdade e reclusão forçada.
O livro gira em seu próprio eixo através de três personagens: Troy Cameron, Mad Dog McCain e Diesel Carson, homens que se conheceram durante a trajetória pelo mundo das cadeias e reformatórios, por diversos crimes e atos contra leis. Eles se matam, eles se condenam, eles se aconselham e se ajudam – exatamente como sugere o título. O mundo é dos mais espertos, não dos mais durões.
A temática narra como é ser um criminoso até o fim e o tempo todo. Tira-se por baixo uma linha tênue de humanismo, presente em poucos momentos, e que permeiam a sugestiva personalidade de cada pessoa em relação ao tema central: o crime. Enriquecido por detalhes, e caracterizado pelo tom rápido e rasteiro da narrativa, Bunker faz de seu livro um impermeável emaranhado de informações, que somente alguém que vivenciou a sordidez humana em seu ponto mais profundo poderia descrever com tanta precisão, se desfazendo de qualquer sigilo ou pudor: é tudo drástico, limpo, direto e funcional.
Os subversivos personagens de Bunker surpreendem dirigindo Jaguares, empunhando armas de fogo a torto e direito, fugindo de cadeias e hospitais, burlando constituições e enaltecendo o superego antijurídico. O dever em praticar o politicamente incorreto e mesmo assim manter o tênue limiar entre prestações de contas e prazer próprio dão sagacidade e momentos de epopéia ao texto.
Edward Bunker traduz e inspira milhões com sua sagacidade dolosa e mundana. A imundície extrema, adicionada aos pecados que levam qualquer um diretamente ao inferno, são a soma perfeita para um retrato abjeto dos degradantes e baixos truques dos homens para colidir e explodir as verdades de uma América que um dia foi exemplo de funcionalidade.
O autor também é Mr. Blue, em Cães de Aluguel, de Quentin Tarantino – outro retrato do mundo enegrecido pelos crimes de homens tão astutos. Pulp Fiction é o filme que Troy Cameron vai assistir para um merecido descanso após dias de heroísmo às avessas. O livro e seu autor são, claramente, do mundo da literatura pulp quando o que você vê é o que você leva. Cão Come Cão chega ao Brasil com tradução de Francisco R. S. Innocêncio pela Editora Barrucada, que também já colocou nas livrarias do País Nem os Mais Ferozes, primeiro romance de Edward Bunker, obrigatório, lançado em 1973.
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