"E-mail", de Matt Beaumont
por Danilo Corci
Speculum
09/12/2005

Que existe um glamour muito grande com a publicidade, isto é fato. Imagina-se desafios mirabolantes, altíssima remuneração, muita diversão. Claro que existe um pouco disto, mas em geral são todos um bando de "zé ruelas" tentando emplacar idéias toscas para algum gerente de marketing de péssimo gosto e, assim, empurrar goela abaixo das pessoas algo que não há a menor necessidade.

Não tenho a menor dúvida que a publicidade não só é algo extremamente efêmero e desnecessário, como também sei que sem ela, várias coisas seriam um pouco mais chatas. Não há motivos para embarcar em qualquer tipo de discussão sociológica sobre método e função quando um livro como E-mail, de Matt Beaumont (Bertrand Brasil, 392 págs, R$ 39, em média) está disponível.

Filhote menos famoso da geração pop da Inglaterra, Beaumont, publicitário de formação, descreve o ambiente de uma agência durante uma semana. Irônico, o autor usa a troca de e-mail como linguagem literária, ou seja, todo o romance é feito como troca de correio eletrônico. Pode parecer novo, mas não é. Isso já era feito usando as velhas cartas como base. Não importa, Beaumont deixa bem claro que não está ali buscando o Panteão da alta literatura, mas sim dissecar um universo muito presente em nossa sociedade de consumo.

Então, o que resulta é uma hilária história que vai de comerciais imbecis sendo produzidos, detalhes sórdidos das preferências sexuais das personagens, até trapaças, enganações, intrigas. Tudo isto para conquistar a conta publicitária da Coca-Cola Reino Unido. Matt Beaumont deita e rola. Seu livro é pop, desta cultura que impregnou a literatura do final da década de 90 e início dos 00. Mas como todos os espertos autores desta geração, ele deixa nas entrelinhas algumas pitadas ácidas e críticas, ainda que esteja bem longe de suas intenções ser um filósofo da sociedade de consumo.

Se você tem alguma relação com o mundo da publicidade, E-mail será então uma obra sarcástica da melhor qualidade. Se você só vê os comerciais produzidos, então o livro serve como boa referência de como funciona aquilo que te impele a ser um consumidor voraz. Matt consegue se dar bem na literatura, afinal, a propaganda não é a alma do negócio? Com a palavra, o autor.

Aproveitando o lançamento da obra no Brasil, o S&Y conversou com o autor sobre o livro, sua vida publicitária e sobre esta onda pop na literatura inglesa. Confira a entrevista, realizada via e-mail.
(sem trocadilhos, ok?)

Você tem formação em publicidade? Como começou na área?
Fiz design gráfico na Central School of Art em Londres. Não havia nada de publicidade no curso, aliás, os professores esquerdistas viviam amaldiçoando a publicidade. Mas decidi que era publicidade que eu queria, já que os envolvidos pareciam ganhar muito mais dinheiro que os designers e também tinha um horário de almoço maior. Quando deixei a universidade, consegui um trabalho de copywriter júnior numa agência chamada WCRS. O primeiro anúncio que escrevi foi para uma companhia de carvão. Quer saber? Foi um lixo.

No Brasil, a publicidade é super-estimada e existem até grupos que defendem violentamente a idéia de que a publicidade é uma nova forma de arte. Você concorda com este ponto de vista?
Muitas pessoas aceitam que a definição de arte é pessoal. Arte tem a ver com alguém expressando algo pessoal que deseja falar através da música, pintura, escrita... Por outro lado, publicidade tem a ver com alguém querendo VENDER e contratando outra pessoa (uma agência) para vender por ele. Então, mesmo que a publicidade possa ser inteligente, brilhante e linda, não há nada de pessoal nela.

Como você acabou aportando na literatura?
De fato, por puro acidente.

E-mail é seu primeiro livro. Poderíamos dizer que você o escreveu como uma forma de exorcizar seus demônios, já que ele aparenta ser extremamente autobiográfico?
Só é autobiográfico no sentido que eu queria escrever uma história sobre o mundo do trabalho e a publicidade era o único tipo que eu conhecia. Logo, escrevi sobre isso. O universo londrino da publicidade presumiu que as personagens que criei eram baseadas em pessoas com quem trabalhei. Os tipos que aparecem no livro estão em cada agência publicitária - talvez em cada escritório dos mais variados tipos de negócio no mundo todo - então era fácil para os publicitários londrinos colocarem nomes de pessoas reais nas minhas personagens. Inclusive, ouvi uma história sobre um CEO de uma grande agência de Londres que queria me processar pois imaginou que eu o havia colocado no livro. Ele chegou até a acionar advogados e tudo mais. Mas, de fato, eu nunca tinha visto este cara antes, nem conhecia seu nome!

O que te levou a formatar o livro como uma seqüência de e-mails? Uma procura pelo diferencial ou era simplesmente o único jeito de contar esta história?
Por que usei e-mail? Bom, a idéia era tirar proveito da maior ferramenta de comunicação na vida de um escritório. Isto capturou minha imaginação. As pessoas, eu incluso, eram obsessivas com esta nova maneira de conversar. Então, eu imaginava se seria viável contar uma história toda em e-mails. De verdade, comecei a escrever o romance para me entreter. Foi somente depois de umas 50 páginas que resolvi levar a sério. Pensava: "Que diabos, eu poderia mesmo escrever um livro inteiro aqui". Nunca havia tentado escrever um romance antes e descobrir que eu realmente levava jeito foi realmente chocante. Mas, de fato, eu não estava procurando um estilo pois não tinha a intenção de escrever um livro. Simplesmente aconteceu, porém depois que começou com a história de e-mails, eu tinha que terminá-lo daquele jeito, não? Acredito que se as pessoas gostarem do livro será pelas mesmas razões de outros livros: porque tem uma boa história e bons personagens, não porque foi escrito no formato de e-mails.

Quais são as suas principais influências literárias? Há algo delas em seus textos?
Os que mais aprecio não escrevem sátiras, onde julgo que meu livro está. Gosto de James Ellroy, Gore Vidal, Herman Wouk e John le Carré, entre tantos outros. O melhor escritor cômico do momento é Ted Heller, apesar de não produzir muito. A maioria das sátiras britânicas que li é merda - vazias, enfadonhas e nem um pouco engraçadas. Se meu livro foi influenciado por alguma coisa, eu diria que é mais por filmes e TV do que livros. Escrever e-mails é a mesma coisa que escrever diálogos - sem passagens descritivas, sem flashbacks. São pessoas conversando e ponto final. Muita coisa na TV e em dramas cinematográficos são pessoas conversando.

No que a publicidade te ajudou em sua literatura?
A publicidade é uma maneira bem enxuta de se comunicar. Mensagens de 30 segundos em um comercial de TV ou cinco palavras em um pôster de rua. Trabalhar no negócio ensina a pensar concisamente, não perder tempo com firulas - manter tudo simples, basicamente. Como trabalhei mais tempo com publicidade do que com literatura, eu acho que ela está impregnada em meus livros. Quando releio E-mail com o distanciamento de seis anos (eu o escrevi em 1999), me parece um comercial de 300 páginas.

Seu livro é permeado pelo humor tipicamente britânico, ou seja, muita ironia, bem diferente do humor brasileiro que valoriza mais o ataque direto. Você diria que a ironia é seu recurso literário mais importante?
O humor e as situações que aprecio - as que me fazem rir - quase sempre são irônicas. Eu realmente gosto de preencher o que escrevo com ironia, mas não acho que seja minha marca. Você verá que todos os bons humoristas sempre usam a ironia, o que a torna, então, a marca de todos.

Por aqui dizem que seu livro faz parte da "onda pop" britânica, ou seja, que compartilha algumas semelhanças de estilo com gente como Nick Hornby, Irvine Welsh, em especial quando trata da contemporaneidade de maneira direta, mas sem grandes filosofias nas entrelinhas. Você concorda com este ponto de vista? Há algum tipo de preocupação crítica em seus escritos?
Na Grã-Bretanha, ninguém me colocaria no mesmo patamar com Hornby ou Welsh. Os dois são geniais e fico lisonjeado de, no Brasil, alguém sugerir uma comparação. Que bom! Mas você está certo, nenhum dos meus livros se preocupa com filosofias - como você coloca. Eu acho que isso acontece simplesmente porque não me preocupo com filosofias. Porém, prefiro achar que sou tão esperto que consigo colocar minha filosofia em ação (risos, foi apenas ironia, ok?)

Aliás, críticos sempre tem a tendência de procurar detalhes onde nem sempre existem e por conta disso, às vezes, os escritores ficam reféns das observações. Conversando com alguns críticos brasileiros, muitos viram uma espécie de crítica à sociedade de consumo enquanto para mim, seu livro ataca diretamente um estilo de profissão e não promove uma reflexão sobre o consumo. O que você pensa sobre isto?
Quando comecei a escrever E-mail, eu apenas queria uma história engraçada. Não tinha intenção de julgar o consumismo. Entretanto, como é sobre um grupo de pessoas cujo trabalho envolve vender sonhos de consumo, então é pertinente fazer alguns comentários sobre isso. Mas por favor, não procure nada profundo! E eu gosto da sociedade de consumo.

Você é casado com Maria Beaumont, outra escritora de sucesso. Vocês compartilham idéias sobre o que estão escrevendo, servem de críticos um para o outro ou rola uma pequena competição?
Quando Maria escreveu Marsha Mellow & Eu - lançado no Brasil também pela Bertrand - ela estava cansada dos meus roubos de suas melhores idéias. Então, teve que escrever um livro para ter crédito próprio. Isso é verdade! Um monte de suas idéias foram para E-mail e vão para muitos dos meus livros. Mas algumas minhas também aparecem na dela. Apesar de nossos romances serem bem diferentes, dividimos muito. E sim, ela é a minha maior crítica mas não competimos.

Quais são seus planos literários futuros?
Até agora tive quatro livros publicados, mas somente E-mail no Brasil. O quinto será publicado no próximo verão aqui na Inglaterra - talvez se chame Good Fella, mas ainda não sei. Não tem nada a ver com publicidade e tem zero de e-mails, mas é bem engraçado. Você pode saber mais sobre meus livros e de Maria em www.LetsTalkAboutMe.com.

De resto, acabei de escrever um reality show alternativo para a BBC. É sobre um pop star que desaparece, talvez esteja morto, e é bem, bem diferente de tudo o que já foi feito. Chama-se Jamie Kane e você pode conferir (ver, inclusive) em www.bbc.co.uk/jamiekane.

Por fim, o que você conhece do Brasil e da literatura brasileira?
Se você perguntar para qualquer um na fria e cinzenta Inglaterra o nome do país mais sexy do planeta, todos dirão "Brasil". Pensamos em futebol, pessoas bonitas, cores vivas, vibração, paixão... Entretanto, se você perguntar algo sobre a cultura atual do país - literatura, cinema, arte - não sabemos nada. A "idéia" de Brasil foi exportada pelo mundo todo de maneira brilhante e isto aconteceu, de alguma maneira, sem o anexo de seus melhores artistas - apesar de todo mundo conhecer seus jogadores de futebol e automobilistas. Tenho vergonha em admitir que nunca li um livro brasileiro - talvez alguém possa me mandar um e-mail com títulos e autores e prometo que vou dar uma checada. Mas vi Cidade de Deus e foi sensacional, me tirou o fôlego.

Leia também:
"Como Ser Legal", de Nick Hornby, por Marcelo Costa


Texto cedido pelo site Speculum