Voando Alto
por Ronaldo Gazolla
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01/09/2003

Não existe nada pior para um filme do que quando este possui vários trechos que parecem saídos de uma outra produção completamente diferente. É como se o filme seguisse o tempo todo numa certa direção e, de repente, mudasse de ritmo durante alguns trechos específicos, quebrando por completo o clima construído até ali. Da mesma forma, é péssimo para uma comédia quando justamente esses trechos que parecem alheios ao filme são os mais engraçados. Isso causa a impressão, errônea, de que os tais trechos estão nos lugares certos, enquanto todo o resto é que está no lugar errado. É exatamente o que acontece com "Voando Alto" (View From the Top, EUA, 2003). 

A trama se inicia mostrando a personagem de Gwyneth Paltrow, ainda na infância, aparentemente presa à sua família simples e ao cotidiano da pequena cidade do interior. Já adulta, Donna Jensen vê num programa de TV um anúncio do best-seller 'Minha Vida nos Céus' e decide perseguir seu grande sonho: tornar-se uma comissária de bordo de vôos internacionais. O início não é exatamente o que Donna esperava. Ela consegue emprego em uma companhia aérea menor, bastante distante da vida glamourosa e das grandes viagens com que sonhava. 

Mas Donna não desiste tão fácil. Ao longo do caminho, ela ainda encontrará várias pessoas que podem ajudar ou atrapalhar sua busca: Sherry (Kelly Preston), a amiga que lhe ensina as primeiras lições na profissão; Christine (Christina Applegate), a amiga com quem faz testes em uma grande companhia aérea; o instrutor John Whitney (Mike Myers), que possui um elevado grau de estrabismo, fato que o impediu de ir além na profissão; Sally Weston (Candice Bergen), a própria autora do livro que motivou sua carreira; além de Tim (Mark Ruffalo), rapaz por quem Donna se apaixona, mas precisa se decidir entre o amor e a carreira. 

É a velha história da garota sonhadora do interior que ultrapassa todas as dificuldades para conseguir se estabelecer da maneira como sempre quis. O filme, na sua maior parte, parece se passar em um mundo à parte da realidade. Quase como se fosse um mundo exclusivo da protagonista. Nesse mundo, o máximo em glamour é ser comissária de bordo e, coerentemente, uma ex-comissária pode ser uma autora de um best-seller contando detalhes de sua carreira e aceita ajudar mocinhas do interior em dificuldades com suas carreiras, um mero instrutor da companhia aérea é 'lendário' e as intenções das pessoas de boa índole são reconhecidas sem maiores questionamentos, resolvendo-se qualquer problema sério sem que seja necessário nenhuma providência adicional que prove que a pessoa possui, de fato, uma boa índole. 

Essa ambientação em um mundo de sonhos, que possui suas limitações e seus exageros por si só, se complica ainda mais quando o brasileiro Bruno Barreto resolve romper drasticamente com o clima adotado, inserindo situações radicalmente diversas a este. Mike Myers resume bem essas contradições. Dependendo do ponto de vista, o ator pode ser o melhor e o pior de "Voando Alto". Sua atuação não se encaixa no tratamento inicialmente dado à história por Barreto. Abusando das piadas envolvendo seu estrabismo, o personagem parece diretamente saído de outros filmes do comediante de "Quanto Mais Idiota Melhor", e talvez pudesse se juntar aos outros quase incontáveis que interpreta na série "Austin Powers". Isso sem contar os créditos finais, que contêm cenas excluídas nas quais ele atua de forma ainda mais exagerada. Porém Myers é um sujeito sempre engraçado ainda que seu humor não possa ser chamado de sofisticado e, aqui, consegue provocar as únicas risadas do filme. Ou seja, é um personagem que deveria ser abordado de outra forma ou mesmo estar fora da trama, mas diante de tudo o que não funciona, ele se transforma no destaque do filme. 

Parecendo influenciado por esse tipo de humor, Barreto inclui ainda outras cenas no mesmo estilo mesmo sem a participação de Myers. Há uma briga entre duas comissárias de bordo, por exemplo, absolutamente constrangedora. O cineasta conseguiu, de fato, deixar Gwyneth Paltrow mais sexy, utilizando para isso, um estilo de figurino parecido com os de Julia Roberts em "Erin Brockovich". Porém transformá-la em uma atriz melhor é um trabalho bem mais difícil. Sua atuação é irregular como o próprio filme e em algumas cenas ela parece apática em relação à sua própria personagem e aos rumos da trama. Salvam-se no elenco Mark Ruffalo, como o pretendente da protagonista, e Candice Bergen, como sua inspiradora e modelo, ainda que seus personagens não escapem da falta de profundidade habitual em produções do gênero. 

O roteiro, que além de adicionar como agora é moda, um amigo gay (bem estereotipado) para a personagem principal, inclui várias soluções fáceis – em especial a resolução final do dilema da protagonista entre carreira e amor, apressada e nem um pouco convincente, além de praticamente qualquer situação envolvendo a personagem de Candice Bergen – e outras tantas situações criadas e abandonadas pouco depois – como a família da personagem de Paltrow e a amiga interpretada por Kelly Preston, que desaparecem depois de algum tempo em cena – é igualmente irregular em seu desenvolvimento. 

Com tantos defeitos, "Voando Alto" só poderia ter resultado no fracasso que se tornou e é sintomático que o elemento que teoricamente seria o mais insatisfatório em todo o material seja o que causa a melhor impressão final. Só mesmo em um filme tão insatisfatório quanto este.