"Syriana"
por Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
07/02/2006

Hollywood parece não temer as grandes corporações. Nos últimos anos, o submundo das grandes indústrias, movido a fortunas incalculáveis, têm rendido ótimos filmes. O Informante (1999) escancarou a indústria do tabaco numa das raras atuações impecáveis de Russell Crowe. Erin Brockovich (2000) focou-se na indústria química, rendeu um Oscar para Julia Roberts e, apesar do sentimentalismo, se provou um bom filme. O Júri (2003) apontou sua câmera para a indústria de armas, contando com ótimas atuações de John Cusack, Gene Hackman e Rachel Weisz. E a própria Rachel Weisz brilha em O Jardineiro Fiel (2005), bastante cotada para o Oscar de Atriz Coadjuvante num filme que exibe as mazelas da indústria farmacêutica. Syriana, por sua vez, joga fósforos em barris de gasolina e "enfrenta" a indústria do petróleo.

O roteirista Stephen Gaghan entende bem de assuntos espinhosos. Gaghan já tinha cutucado as grandes corporações no inspirado Traffic, em que assinou o roteiro adaptado e saiu do Oscar com uma das quatro estatuetas delegadas ao filme. Em Syriana, Gaghan assume o posto de diretor (que havia ficado nas mãos de Steven Soderbergh em Traffic), adapta livremente o livro See No Evil, em que o ex-agente da CIA Robert Baer reunira suas memórias de anos e anos dedicados ao serviço secreto em trabalhos no Oriente Médio, e constrói um thriller literalmente explosivo, que assim como todos os citados no parágrafo anterior defende que (quase) "tudo tem o seu preço".

Como um bom filme de ação, Syriana se vale de vários pequenos núcleos de personagens que vão se intercalando conforme a história é apresentada. Bob Barnes (atuação que deve render um Oscar para George Clooney) é um agente veterano da CIA que trabalha no Oriente Médio. É tido como o homem certo para desenvolver tarefas no local, já que conhece os tramites políticos da região, é respeitado por todas as facções e representa os interesses do governo norte-americano em um solo que é uma mina de ouro negro. Bob está perto de uma aposentadoria, e recebe uma última tarefa, nem tão complicada, antes de pendurar o terno: assassinar um príncipe.

Bryan Woodman (Matt Damon) é analista de energia, tem um casamento feliz com Julie (Amanda Peet) e dois filhos. O rapaz enfrenta uma enorme reviravolta quando, convidado por um príncipe para um coquetel, sofre uma imensa perda. Anestesiado pela dor, Woodman acaba se envolvendo nos negócios do príncipe, e vislumbrando um futuro melhor para a região (e para o mundo). O analista acaba se tornando conselheiro do príncipe ao mesmo tempo em que vê seu casamento desmoronar como castelos de areia em uma tempestade no deserto. Por sua vez, o Príncipe Nasir (Alexander Siddig) é um poço de ideologias que planeja mudar todo o curso da história reformulando a maneira de se negociar petróleo e gás natural com o mundo.

Nesse pequeno microcosmo ainda convivem um advogado (Jeffrey Wright) que investiga a fusão entre duas mega-empresas que ganharam os direitos de extração de gás natural no Golfo Pérsico, os líderes das duas companhias e dois jovens trabalhadores paquistaneses que trabalham nos campos de extração de petróleo. Um dos grandes méritos do roteiro de Gaghan é não deixar vácuos na história. A edição frenética poderia confundir o espectador se a história não estivesse tão bem amarrada, mas Gaghan tratou de encaixar seus personagens na história de maneira exemplar, fazendo com que as diversas tramas paralelas caminhassem juntas até o final apoteótico. Traições, subornos, corrupção: está tudo aqui. Quando um dos personagens vira e diz para o outro que "a corrupção é a razão de nossa vitória", um pequeno vislumbre dos mecanismos da grande máquina ganha imagem a olho nu. O povo, entretido na luta diária pelo pão de cada dia, se transforma em brinquedo cujo único direito é aceitar o que lhe é dado de bom grado, sem reclamar. Em um mundo capitalista que valoriza o papel moeda, o preço da ignorância é o consumo sem questionamento.

Syriana mapeia de forma brilhante os meandros da indústria petrolífera jogando no caldeirão grandes governos, grandes empresas e alguns poucos mortais. Feliz ironia que a região mais rica do mundo esteja fora do alcance dos Estados Unidos, que precisa de muito jogo de cintura, explosão de carros e invasão a países para se fazer sentir forte. Ao final, fica a impressão do quão pequenos (fracos e dominados) somos nessa grande engrenagem chamada capitalismo. Os escândalos do mensalão no Brasil permitiram que o povo vislumbrasse a imensa fortuna que circula pelos corredores de um governo. Aliás, o mensalão seria um tema bastante interessante para Gaghan. Enquanto o roteirista e (agora) diretor não descobre o mundo das falcatruas brasileiras (em que tudo também têm seu preço), descubra Syriana. E seja bem-vindo ao submundo sujo das grandes corporações.

Site Oficial de "Syriana"

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