'O Cheiro do Ralo'
por
Paula Dume
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19/04/2007
"O Cheiro do Ralo" lança mão de uma trama que ultrapassa as barreiras
olfativas impostas pela grande tela. A ânsia de vida vem do ralo,
do buraco sujo e obscuro localizado no banheiro. Lourenço, o personagem
central, se desfaz de tudo e de todos por alguns trocados, e segue
na contramão do que o espectador espera. Egoísta, sarcástico, oportunista
e solitário, revê suas ações a partir do mundo do submundo.
Protagonista, coadjuvantes, quinquilharias e falta de alegrias. Uma miscelânea moral e imoral daquilo que se cria e se recria. Moral porque Heitor Dhalia faz com que a amoralidade do personagem exacerbe a imoralidade de todos que o cercam. Como exemplo, seu fascínio pela bunda da garçonete. Toma a parte pelo todo em um jogo tão ridículo quanto ele próprio. Imoral por beirar o romanesco e atingir a falsa comoção por tabela.
Troca-se, vende-se e compra-se matéria-prima conforme a apatia social que aflige cada cliente. Na primeira parte do filme, há uma sucessão de esquetes que retratam as relações comerciais de Lourenço. Sua loja de penhores revela a animosidade de cada personagem, desfeita diante da pílula irônica do dono.
Se for com a cara do vendedor e de sua proposta ele aceita a compra, caso contrário, humilha-o e renega a tímida oferta. "A vida é dura", e não dá tréguas a ninguém. A secretária submissa que almeja o troco a cavalar para o chefe e o segurança escamoteador compõem o cenário que tenta mas não consegue ser mais maldito do que aquilo que se passa nele. O ralo, justificado como o gerador do mau cheiro no ambiente, faz as vezes de coro do elenco: o que fede são as relações humanas não a existência do buraco. Pelo contrário, o escape do cheiro se dá por ele e não a partir dele.
O filme quer expelir Lourenço, mas não sabe como fazê-lo. Delineia certos conceitos, peca no número de sacadas seqüenciais, e navega por águas muito calmas. O diretor, pela segunda vez, aposta em um protagonista esquizofrênico. Selton Mello tonifica as nuances daquele que revolta e cativa o público. O ator esvazia-se para ser preenchido pela matéria insignificante que é Lourenço.
Ao tentar cimentar o ralo, desconstrói-se por inteiro. Perde seu objeto cobiçado, a bunda, e tenta a reestruturação do próprio objeto, o corpo. Firmado pela tragédia, sofre revezes do destino por tentar se desvincular de sua sina, a dura vida, alocada entre quatro paredes sujas, mofadas e entupidas por doses diárias de cretinice.
Dhalia utiliza-se de uma câmera dura e imparcial. Estática, focada, dando de ombros, não importa a cena, a tomada assume um posicionamento sóbrio - revela o que quer, sem maiores justificativas. É mais profunda que o ralo, mais mau cheirosa também, porém menos afunilada do que em "Nina", primeiro longa do diretor.
Adaptado da obra original de Lourenço Mutarelli, que atua bem como o segurança, "O Cheiro do Ralo" tenta aprofundar-se em um tipo de submundo tão batido que não causa impacto, apenas fagulha e não acende. É superficial no mergulho no vazio. Até que ponto o ralo transborda e a vida submerge?
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Ensaio sobre "O Cheiro do
Ralo", por Ricardo Manini
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