"O Ano Em Que Meus Pais Sairam de Férias""
por
André Azenha Blog
27/11/2006
O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias é o filme que estava faltando no cinema nacional e a comissão que escolhe o representante brasileiro na briga por uma indicação ao Oscar Estrangeiro deve ficar de olhos abertos. Afinal, o segundo longa (o anterior foi Castelo Rá-Tim-Bum - O Filme) na carreira do diretor Cao Hamburguer (que dividiu o roteiro com Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani e Anna Muylaert) consegue transitar com extrema leveza entre o drama e a comédia de costumes, focando sua narrativa em eventos marcantes da recente história brasileira - a ditadura e o tri mundial no México - e dirigindo com competência o elenco mirim, herança dos anos em que esteve à frente da série infantil.
Sabe aquele jargão: "futebol, religião e política não se discutem?". Pois é, o filme aborda todos esses assuntos sem tomar partido, soar chato ou panfletário. Não é um longa-metragem exatamente sobre nenhum desses temas e - apesar do grande número de crianças - também não é infantil. E ainda assim agrada marmanjos e pequeninos. Há quem venha o comparando ao cinema feito na Argentina nos últimos tempos. Pode ser, pois as crianças lembram de certo modo a turminha de Buenos Aires 300 KM e a mistura dos assuntos citados acima com a simplicidade de conversas do cotidiano possui um quê de Juan José Campanella (O Filho da Noiva e Clube da Lua).
A trama se passa em 1970, auge do regime militar e ano de Copa
do Mundo. O povo vê com desconfiança a seleção dirigida por
Zagallo ("Pelé e Tostão não podem jogar juntos", dizia-se a
época) e estudantes sofrem com a perseguição de soldados. Mauro
tem 12 anos, gosta de jogo de botão e sabe que ser goleiro é
a posição mais solitária de um time. Ele vê seus pais, militantes
contra a ditadura, "partirem de férias" o deixando com o avô
(Paulo Autran, em pequena ponta), no Bom Retiro, em São Paulo.
O que a família não esperava é que um acontecimento acabasse,
por fim, deixando o menino sozinho, tal qual um arqueiro, em
um grande prédio habitado basicamente por judeus. Além de ter
que lidar com a diferença religiosa (Mauro é um gói), o menino
se vê vivendo um interessante conflito de gerações ao se relacionar
com Shlomo, (Germano Haiut), um senhor judeu ferrenho. A saída
é esperar que os pais voltem de férias... e a Copa.
Levemente autobiográfico - o diretor assistiu a prisão do pai
judeu e da mãe católica pela ditadura e atuou como goleiro na
infância - Cao Hamburguer impressiona ao juntar várias referências
e criar uma obra sensível, redonda, e com grandes momentos.
Não precisou cair no clichê de cenas de tortura para mostrar
o clima de insegurança da sociedade (o momento em que os soldados
perseguem estudantes dá o recado sem apelação e a cena em que
Mauro comemora um gol do Brasil no apartamento com janela fechada,
sem se ouvir o som do grito é esplêndida). A ambientação também
merece elogios.
Os cuidados da produção com a escolha do elenco surtiram resultado. Desde os novatos Michel Joelsas (Mauro) e Daniela Piepszyk (Hanna) até atores mais experientes como Simone Spoladore, Caio Blat e Paulo Autran brilham na tela. A participação de profissionais experientes como Bráulio Mantovani e Daniel Rezende (roteiro e edição - ambos de Cidade de Deus) também deu melhor acabamento ao produto final, e credencia o filme desde já ao posto de representante brasileiro em 2008. Independente de premiações, O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias é um filme que precisa ser conferido, seja você judeu, católico, idoso, criança, vidrado ou não em futebol, homem ou mulher. Ele traz lágrimas aos olhos e emociona.
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