"Hora de Voltar"
por Drex Alvarez
Fotos - Divulgação

drex2004@bol.com.br
17/03/2004

Quatro anos atrás, eu passava por dias negros. Pouco a pouco, havia me dado conta de que o passado já tinha perdido todo o sentido e o futuro, bem, eu simplesmente não tinha a menor idéia de como seria meu futuro. E isso me matava de medo.

Minha sorte é que, apesar de ser um melancólico nato, eu sempre guardo comigo, escondido bem lá no fundo do bolso, um tantinho de esperança inexplicável. Naqueles dias, por piores que meus pensamentos estivessem, por mais desinterressante que a vida me parecesse, algo ainda me fazia andar em frente. Não se tratava de nenhum livro de auto-ajuda, mas de algum mecanismo que, escondido dentro da minha psicologia perturbada, me provocava e me fazia pensar, com certo revanchismo, que eu ainda conseguiria recuperar o gosto antigo que costumava ter pelas coisas da vida.

Sorte minha também foi que, naquela mesma época, estreava na Sony uma das séries mais criativas dos últimos tempos - Scrubs. As estórias do jovem Dr. J.D.Dorian, interpretado por um tal de Zach Braff, e de todos aqueles médicos, loucos e afins, me faziam rir sem culpa e, mais do que isso, ver que o mundo ainda podia me oferecer coisas boas, prazer e inteligência.

Não deixa de ser ridículo buscar a salvação num enlatado de televisão, mas nessas horas, creio que todos somos um tanto ridículos. E cada um arranja muletas do tamanho que lhe servem. Enfim, junto com várias outras pílulas que a música, os livros e o cinema também me ofereciam, Scrubs transformou-se no meu Prozac semanal.

Os meses passaram, depois alguns anos, e sem perceber fui naturalmente abandonando alguns medicamentos. Já fazia tempo que não acompanhava Scrubs. Pelo menos não com a mesma disciplina. No último fim de semana, porém, Dr. J.D. veio me visitar novamente. Fui assistir a Hora de Voltar e foi impossível não retomar as velhas lembranças. O reencontro, devo dizer, foi ótimo.

Zach Braff, que segue ainda hoje protagonizando Scrubs, não deve ter mais de trinta anos de idade. Depois do relativo sucesso na TV (a série não é um sucesso de massas, mas, como se pode perceber, tem seus seguidores fiéis e permanece no ar desde 2001), Zach decidiu dar novos passos. Entretanto, não se contentou em arriscar-se no mundo cinematográfico apenas por um único caminho. Em Hora de Voltar, ele escreveu o roteiro, dirigiu e atuou. Fez ainda mais – produziu a trilha sonora, um dos pontos altos do filme. É portanto, em todos os sentidos, o seu filme de estréia.

A julgar por este primeiro filme, Zach Braff inicia uma trajetória bastante promissora. Hora de Voltar é, antes de tudo, gostoso de ver. Um filme leve e divertido, mas que está muito longe de ser descartável. Retrata a vida com ironia e inteligência, mas é sensível e trata as emoções com honestidade.

Zach Braff conseguiu alcançar um equilíbrio difícil e interessante. Por um lado, fez um filme que se encaixa na melhor tradição das chamadas "comédias dramáticas", a categoria de locadora recentemente evidenciada pelo ótimo e oscarizado Sideways. O conceito “comédia dramática” pode parecer um tanto esquizofrênico mas, de certa forma, este é talvez o jeito mais honesto de contar-se uma estória. A vida como uma grande sucessão de tragédias, das quais só nos resta o humor para enfrentar.

Por outro lado, Hora de Voltar possui a honestidade e a leveza dos discos de estréia. E deve seus melhores e piores momentos a esse fator. Fica muito claro a vontade de experimentar e isso, se algumas vezes resulta em momentos de verdadeira criatividade, em outras gera trucagens sem muito sentido. É inevitável, no entanto, não se alegrar ao sentir o frescor e a novidade exalando da tela, ao presenciar o descomprometimento de arriscar uma piada inusitada, uma tomada diferente ou um diálogo nonsense. Zach Braff, um diretor de trinta anos, "smells like a teen spirit".

A tragédia (ou comédia) em questão em Hora de Voltar é a estória de Andrew Longeman, um rapaz passou a vida inteira anestesiado por pílulas psicotrópicas e outras substâncias farmacêuticas, completamente livre de grandes tristezas, frustrações ou qualquer outra emoção mais arrebatadora. Andrew saiu de casa para ser ator (ironia?) e acabou conquistando a cidade grande servindo mesas num restaurante vietnamita.

As mudanças chegam a cavalo, é claro, seguindo os velhos motes das estórias clássicas. Sua mãe morre. Andrew volta para sua cidadezinha natal. Reencontra o pai, os amigos, as velhas estórias. Conhece alguém especial. E pouco a pouco vai descobrindo o que é sentir novamente. Como em Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, talvez a grande pergunta do filme seja essa – vale a pena viver sem sentir?

Quem diz que não, que não vale a mínima pena, é Natalie Portman. E, ela, sinceramente, não precisa de maiores argumentos. Natalie é maravilhosa, um capítulo à parte. Me permito chamá-la pelo primeiro nome, pois tenho uma estória pessoal com ela. Também ela já foi meu próprio psicotrópico, em outros momentos da minha vida. Já me fez sentir um mísero pedófilo em Leon e recuperou a esperança na vida em Brincando de Seduzir (Beautiful Girls). Eis aqui mais um ponto de admiração ao promissor Zach Braff – conseguir fazer com que Natalie, entre um Star Wars e outro, participasse de seu filme independente.

Depois que os dias negros passam, as nuvens se espalham e fica de novo possível enxergar algumas coisas interessantes. Principalmente perceber que não se curam emoções fugindo-se delas. Aliás, muito pelo contrário. Eventualmente, quando os altos transformam-se em baixos, quando é inevitável procurar por alguma anestesia (e existem momentos que é inevitável), é bom se refugiar em terapias alternativas. Chico Buarque já recomendou certa vez: "fume Ari, cheire Vinícius". Me satisfaço com Natalie Portman e um pouco de bom cinema. E funciona que é uma beleza.


Site Oficial do filme Hora de Voltar

Leia também:

Brincando de Seduzir, por Marcelo Costa
Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, por Marcelo Costa