"Em Busca da Terra
do Nunca"
por
Marcelo Costa
Fotos - Divulgação
maccosta@hotmail.com
20/02/2005
A inspiração surge das coisas mais comuns da vida. A diferença entre os grandes gênios da humanidade e pessoas comuns como eu e você, caro leitor, é que eles conseguiram perceber que a vida real é o objeto mais perfeito de inspiração que qualquer pessoa poder ter. Enquanto os grandes enxergam a beleza da vida em um grão de poeira, outros vivem os dias perdendo pequenos detalhes do mundo perfeito, enclausurados em sua própria desilusão, embebidos pelo peso do mundo, pela fé na falta de sorte e pelo prazer da reclamação. Somos todos personagens de um grande teatro, já disse outro, mas o que cada um precisa realmente saber é que pode interpretar o papel que quiser. É tudo ao seu gosto, freguês, basta acreditar.
O papel de J.M. Barrie (Johnny Depp) no começo de 1900 era contar histórias. Barrie era um autor de peças teatrais, mas não estava passando por uma boa fase, tendo arrebatado dezenas de criticas negativas em sua última montagem. Foi quando conheceu a família Davies, que era constituída pela matriarca Sylvia (Kate Winslet) e seus quatro filhos, Peter, Jack, George e Michael. A convivência do criador de fábulas Barrie com a família Davies rendeu uma obra-prima da cultura mundial: Peter Pan, a história de um garoto que se recusa a crescer e quer viver eternamente jovem.
Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland) reconta a história de J.M. Barrie e seu Peter Pan com leveza, paixão e, sobretudo, fantasia. Em bonitos 106 minutos de projeção, o diretor Marc Forster (do excelente A Última Ceia) consegue transportar o espectador para um lugar que não existe, a tal Terra do Nunca, e apresentar-lhe uma história comovente e lírica sobre um escritor que percebe a rara beleza do mundo real e a transforma, com sabedoria, em um épico universal que trata da perda da inocência e dos lugares secretos em que cada pessoa guarda seus sonhos.
Com Peter Pan, J.M. Barrie entrou para a história. E Em Busca da Terra do Nunca é a história da criação de Peter Pan sendo recontada, do ponto de vista da inspiração do escritor. O bom roteiro de David Magee foi baseado na peça The Man Who Was Peter Pan, de Allan Knee. Há pouco de verídico e muito de ficção no filme/peça, o que faz lembrar o velho ditado do tempo de nossos avós que diz que "quem conta um conto aumento um ponto". Assim como A Garota do Brinco de Pérola e o sucesso literário O Código Da Vinci, Em Busca da Terra do Nunca imagina o que teria acontecido no momento da criação do autor. O que inspirou o escritor a escrever sua obra-prima.
A verdadeira Sylvia Llewelyn Davies teve cinco filhos, e não quatro como é mostrado no filme. O último nasceu durante o período em que J.M. Barrie estava escrevendo Peter Pan, e acabou de fora da história. Mais: quando Barrie encontrou os meninos no parque, eles eram apenas dois conduzidos pela babá. Arthur, marido de Sylvia, estava vivo, e os outros dois meninos nasceram quando Barrie já rascunhava a obra. Tudo isso, no entanto, não tira o brilho mágico de Em Busca da Terra do Nunca. Mais do que uma pretensa biografia, como alguns insistem em classificar, Em Busca da Terra do Nunca é uma bela e justa homenagem ao escritor. E um conto de fadas a moda antiga.
Nos moldes da peça original, o tom do filme é de fantasia. Um escritor perdido encontra inspiração em uma família, começa a freqüentar a casa deles, se aproxima dos meninos e passa a anotar em um diário as aventuras que vive com essa turminha. Há a bruxa, há o zangado, há piratas e, sobretudo, existe o outro lado da história, com um casamento fracassado às vésperas de acabar. A maneira com que a história é contada pega o espectador no colo e o faz ninar. Se você chorar, não se assuste, com toda certeza você não foi o único. Sobretudo, o filme faz sonhar de uma maneira que raramente o cinema tem conseguido fazer atualmente. Mas, é necessário que se diga, o mundo de inspiração de Barrie é esse mundo em que você e eu vivemos. Mesmo sua Neverland é um mundo mágico, mas com objetos reais. A inspiração surge das pequenas coisas, das coisas simples.
O único defeito do filme, porém, é deixar a mensagem que para conquistar algo basta acreditar. Acreditar, infelizmente, é só começo de uma longa estrada, pois não basta acreditar, é preciso fazer acontecer. Da mesma forma, sonhar, ao contrário do que diz outro ditado, custa fé e esperança. Não basta acreditar, não basta sonhar, não basta fechar os olhos, franzir a testa e querer muito. Isso tudo ajuda, e é necessário para que passemos de um estágio a outro, mas é preciso, sobretudo, por mãos a obra e fazer. Sonhar e acreditar são o começo de uma história. E como cantou outro certa vez, "e depois do começo o que vier vai começar a ser o fim". E então inventamos outro sonho, e outro, e outro, e outro...
Leia também:
A Última Ceia, por Marcelo
Costa
Site Oficial
do filme "Em Busca da Terra do Nunca"
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