"A
Última Ceia"
Por Marcelo Silva Costa
A
Última Ceia é um filme difícil. Em
pouco menos de duas horas temos na tela as histórias
de Hank Grotowski e Leticia Musgrove. Histórias nada
felizes, diga-se de passagem. Para variar, a péssima
tradução do título original (Monster's
Ball - 2001) não provoca e nem diz a que veio. Não
chega a tirar o brilho do que virá pela frente, mas nada
diz sobre a genialidade deste filme.
Hank
Grotowski ganha tédio e cansaço na pele de Billy
Bob Thornton. Billy Bob é um dos nomes mais comentados
em Hollywood no momento. Três filmes com ele podem ser
encontrados nos cinema: o genial Vida Bandida, o sublime
O Homem Que Não Estava Lá, e este A
Última Ceia. Dos três filmes, é neste
que o ator consegue exibir sua melhor atuação.
Além de ser um excelente ator, Billy Bob ainda brinca,
nas horas vagas, de diretor, roteirista e músico. E tem
nos braços, toda noite, a musa Lara Croft (não,
não a heroína dos games, mas a Angelina Jolie
mesmo).
O
Hank de Billy Bob sofre com o peso de um filho que ele não
ama e de um pai que ele tem que amar. Entre estes dois parentes
pouca coisa feliz sobra para Hank, enquanto não está
trabalhando de carcereiro em uma prisão rural na Geórgia,
EUA. Talvez, felicidade mesmo só com sorvete de chocolate
e café. E olhe lá.
Leticia Musgrove ganha sofrimento no corpo de Halle Berry. Sim,
Halle Berry é a mulata que comoveu a septuagésima
quarta entrega do Oscar ao levar para casa a estatueta de melhor
atriz por este mesmo filme. Sua atuação em A
Última Ceia eletriza a película. Sua Leticia
é esposa de um presidiário a caminho da cadeira
elétrica e mãe de um garoto, negro e obeso, o
que para ela é o fim, já que se ser negro nos
Estados Unidos não é fácil, imagine gordo.
Sem contar o desemprego. Sem contar o despejo. Sem contar o
racismo.
A história destes dois personagens e suas famílias
se arrasta pela tela. O diretor Marc Forster pisa no freio e
segue todo tempo em marcha lenta perfilando tragédias
e esfacelando personagens. A lentidão das cenas é
tão bem trabalhada que uma cena de sexo é explorada
de forma tão delicadamente (e, ao mesmo tempo exagerada
transformando a passagem em uma pintura de tão linda.
Tudo que acontece desde que o espectador entra na sala de cinema
é inesperado. Não há coincidências.
Não há obviedades. Não há riso fácil.
Não há riso.
Em um mundo em que vivemos esperando pelo óbvio, em que
decoramos diálogos, em que mascaramos a verdade para,
sempre, encararmos a surpresa, improvisarmos o texto e despirmos
a verdade, chega a impressionar como A Última Ceia
é surpreendentemente real.
E
encarar a realidade é sempre traumático. Sempre
nos assustamos quando as coisas fogem ao controle. Nos deixamos
dominar pelos problemas, nos acreditamos incompetentes e destinados
a infelicidade. Mas, agora e sempre, todos podemos começar
de novo. A metáfora do amanhecer move o mundo. O dia
nasce todo dia. As cicatrizes, inevitavelmente, ficam na alma.
Mas a vida segue. E é bom que seja assim.
A dúvida fica no ar, mas o suspiro ganha forma quando
descobrimos que, nós mesmos, esperamos pelo pior. Mas
nem sempre é o pior que acontece. Passados os cem minutos,
seguidas três mortes, A Última Ceia termina
com sorvete de chocolate em um noite estrelada. Difícil,
surpreendente e belo. Como a vida.
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