A ascensão do cinema documentário brasileiro
por Júlia Marina
julia@areaweb.com.br
30/07/2003

Apesar do grande sucesso de filmes ficcionais brasileiros como "Carandiru" e "Cidade de Deus", os documentários tomam conta da produção nacional e têm levado um grande público às salas de exibição. Filmes como "Janela da Alma", de João Jardim e Walter Carvalho, e "Surf Adventures", de Arthur Fontes, estão entre as dez produções nacionais mais vistas em 2002. Sem contar o impacto causado por "Ônibus 174", de José Padilha, e "Edifício Master", do experiente Eduardo Coutinho. O primeiro, tratando do desastre social que é o Brasil; e o segundo, mostrando a solidão urbana, com um incrível retrato da nossa classe média.  

Coutinho é considerado um mestre no gênero e tem em seu currículo aquele que é considerado o melhor, mais importante e influente documentário brasileiro de todos os tempos: "Cabra Marcado para Morrer". A idéia inicial de produzir um 'docudrama', contando a história do assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira, foi interrompida com o golpe militar de 1964. Dezessete anos depois, Coutinho retomou a produção e concluiu esse verdadeiro documento histórico sobre a passagem do Brasil da ditadura para a redemocratização. 

Atualmente, dezenas de documentários estão em produção ou lançamento, e prometem retratar grandes personalidades, movimentos culturais e, claro, o país dos excluídos. Entre eles temos "Glauber - Labirinto do Brasil", de Silvio Tendler, sobre o cineasta Glauber Rocha; um tratado sobre o cinema em "Um Filme de Cinema", de Walter Carvalho; "De Virgulino a Lampião", que está sendo preparado por Wolney Oliveira e Vera Ferreira (neta de Lampião e Maria Bonita) e vai contar a história do famoso cangaceiro. A temática política também está em foco, e o nosso presidente Lula, pelo que parece, será a bola da vez. Nelson Pereira dos Santos, além de estar finalizando a cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda ("Raízes do Brasil"), está cobrindo os primeiros meses do Governo Lula e focalizará o programa Fome Zero. Ainda sobre o presidente, os cineastas Eduardo Coutinho e João Moreira Salles se voltarão para a questão sindical da qual Lula foi líder, e já percorrem o ABC paulista em busca de imagens e relatos do passado. Além destes, a fotografia dos excluídos continuará em pauta, em filmes como "Universo Paralelo", de Maurício e Tereza Eça, e "Olho da Rua", de Sérgio Bloch. 

Essa grande onda documentarista tem os seus motivos. Primeiro, temos a facilidade do cinema digital, que dá oportunidade de realização de filmes com baixíssimo orçamento. Além disso, a partir de meados dos anos 90, a chegada da TV à cabo no Brasil abriu espaço para os nossos documentaristas com o surgimento de canais especializados e a possibilidade de venda das produções para canais estrangeiros. Há pouco tempo a ANCINE (Agência Nacional de Cinema, criada pela nova Lei de Incentivo ao Produto Audiovisual) estabelece que 3% do lucro dos canais de TV paga devem ser investidos na produção brasileira. 

Os festivais e as mostras também estão descobrindo e valorizando o cinema documental, o que pode ser comprovado pelo Festival Internacional de Documentários de São Paulo, o "É Tudo Verdade", que já está na sua 8ª edição e atrai pessoas de todo o mundo. Estes novos diretores defendem a idéia de que o documentário tem que ser autoral, usando uma linguagem com criatividade, como a ficção, embora com características e objetivos diversos. 

E como na época do Cinema Novo, o povo brasileiro, com suas misérias, sofrimentos e alegrias, é o grande protagonista. Se Glauber Rocha já reivindicava nos anos 60 um cinema mais conscientizador, hoje essa necessidade triplicou diante do gradual quadro alienador de nossos meios de comunicação. Devagar, o cinema documentário brasileiro vai assumindo essa postura que, além de cultural, é social e política, se estabelecendo definitivamente na cinematografia nacional.