'Coisa Mais Linda'
por André Azenha
Fotos - Site Oficial
Email
12/12/2005

Será que o brasileiro tem dimensão do que foi a Bossa Nova e as mudanças musicais surgidas a partir de então? Bossa Nova é um estilo musical ou foi um movimento? O que veio antes: o ovo ou a galinha? Para quem quer tentar compreender o que aconteceu entre os anos 50 e os 60 - e que serviu para colocar o Brasil no mapa musical do planeta - o documentário Coisa Mais Linda (nome em homenagem à música homônima de Carlos Lyra e Vinícius de Morais) pode abrir os olhos. Dirigido e roteirizado por Paulo Thiago, o filme busca retratar fielmente os acontecimentos que levaram ao surgimento da Bossa Nova até seu auge.

A maior parte da película é narrada pela dupla Carlos Lyra e Roberto Menescal, que contam como os dois se conheceram no colégio, como surgiram as batidas (sim, na bossa nova existem vários "tipos de batida", sendo que cada músico possui seu "estilo") e que também ainda apresentam algumas músicas. O filme é um verdadeiro bálsamo visual e auditivo para quem gosta de Tom Jobim, João Gilberto e seus companheiros, mostrando fotos de arquivos e imagens de apresentações antológicas, desde os bares do Rio de Janeiro até a grande aparição no Carnegie Hall (quando a Bossa Nova ganhou os Estados Unidos).

É possível notar o brilho no olhar em depoimentos marcantes de feras da época como os próprios Lyra e Menescal, Johnny Alf, Billy Blanco, João Donato, Oscar Castro Neves, Bebeto, Leny Andrade, Wanda Sá, entre outros, e ainda a opinião de gente como Nélson Motta, o cineasta Cacá Diegues, o jornalista Tárik de Souza e até de Miele (que organizava shows). Os ambientes escolhidos para as declarações são casas noturnas da época (que resistiram ao tempo) e residências e apartamentos onde ocorreram os encontros que ajudaram a forjar o movimento (sempre no Rio de Janeiro).

Os fatos são narrados passo a passo, explicando como os personagens foram apresentados uns aos outros, como nasceram inúmeras canções, a revolução dos diminutivos de João Gilberto (que abusava nos "inhos" nas canções) e de onde vieram as influências. Destaque para o emocionante depoimento de Paulo Jobim (filho de Tom), que retrata a figura paterna de maneira simples, gentil e emocionada. E também quando Roberto Menescal recorda o dia que conheceu João Gilberto, que invadiu uma festa de aniversário em sua casa, e Roberto, ao ficar sabendo de quem se tratava, passou dias e dias pelo Rio de Janeiro ao lado do compositor baiano.

Entre as afirmações, todos garantem que a Bossa Nova não é uma imitação do jazz e há reverência às figuras de Tom Jobim e João Gilberto. Ambos aparecem tocando em um verdadeiro deleite para o espectador. Só faltou alguma entrevista gravada com os próprios para ajudar na documentação dos fatos e o som às vezes destoa dos gestos labiais. Mas nada imperdoável, já que o mais importante é a música e como esse cenário surgiu e cresceu, e isso o documentário transmite com exatidão.

Ainda sobra tempo para homenagens merecidas para Nara Leão e Vinícius de Moraes (que já foi reverenciado em Vinícius) e não faltam shows e cenas antológicas. Tudo bem enquadrado e com a trilha sonora mais do que espetacular. E dá-lhe Garota de Ipanema, Chega de Saudade, Corcovado, Ah! Se Eu Pudesse, Influência do Jazz e muitas outras. Para não ficar só nas gravações de época, alguns músicos se apresentam exclusivamente para o filme.

Além de tudo, Coisa Mais Linda mostra como surgiu a idéia do violão mais o "banquinho", mas que não era só isso. Em alguns casos havia um bom piano acompanhando contrabaixo e bateria. Para quem não entende nada do assunto, essa obra consegue ensinar o que foi esse movimento. Para quem já gosta e manja, se torna uma diversão garantida, já que os antigos ídolos reaparecem (no cinema são vários os comentários do tipo: "Olha como ele está!") e a nostalgia abraça os corações que viveram essa época.

Para aqueles que acham que a Bossa Nova é "coisa de velho" ou uma "coisa chata" e para os roqueiros que adoram esculhambar a música brasileira, vale lembrar que gente como os caras da já extinta banda Stones Templo Pilots, os Beastie Boys e até mesmo o ex-Nirvana Dave Grohl (In Hour Honor, último álbum do Foo Fighters, traz uma baladinha chamada Still que lembra beeeem a nossa bossa) curtem a música tupiniquim e tiveram influência desta música em algum momento de suas carreiras.

Adoraria ter escrito esse texto de uma maneira mais poética, já que depois de conferir esse filme é impossível não reverenciar essa fase do cancioneiro nacional. E mesmo sabendo que alguns desses artistas já criticaram o rock de maneira um pouco rancorosa e que nem tudo feito nesse período é algo digno de reverência, fica clara a importância da Bossa Nova para a música brasileira e, acima de tudo, serve para mostrar (apesar da influência de um estilo musical estrangeiro, o jazz) que esse País já fez a cabeça de gente lá fora. Coisa Mais Linda em seus 126 minutos se mostra mais do que recomendável e merece ser conferido. E a poesia fica para os mestres.


Leia Também:
"Vinicius", por Marcelo Costa