'Cidade Baixa'
por
Marcelo Costa
Fotos - Site Oficial
Email 07/11/2005
Dizem por aí que não existe algo mais belo no mundo do que o amor...
e mais cruel. O amor, esse sentimento que deixa fodões e inocentes
como bobos admirando a beleza da lua, é um brinquedo que fere, mas
não mata. Quem morre por causa do amor não morre de amor e sim de
covardia. Desde sempre, vivemos para sofrer. Via de regra, o amor
diminui esse sofrimento, mas em alguns casos até o fortalece. Porém,
como diria Nietzsche, "tudo que fazemos por amor sempre se consuma
além do bem e do mal". Que venham ao paraíso os apaixonados, mas
não todos, já que muitos cometem pecados em nome do amor.
Cidade Baixa, longa que marca a estréia do diretor Sérgio
Machado em longas de ficção,é uma pequena fábula sobre amor, amizade
e desejos, partindo do ponto de vista de um inspirado triângulo amoroso, mas esqueça Dona Flor e Seus Dois Maridos. Na
visão de Machado, quando amamos, desejamos por todas as camadas
da pele. Não há como dividir, repartir, doar a pessoa que amamos.
Mesmo que seja para o (a) nosso(a) melhor amigo(a). O amor é exigente,
exagerado e inseguro. Podemos ouvir um "eu te amo" neste minuto,
mas no minuto seguinte vamos estar borbulhando mil e uma teorias
para (sabotar ou) não acreditar no que ouvimos. O amor nos prega
peças, e nós caímos. Sempre. Muitas vezes na mesma armadilha. E
continuamos amando. Essa é a lei do amor: não existe lei. Ou você
aprende ou aceita pois se você está vivo não há como não amar. É
fato. E viver sem amar não é viver. Sorria.
Os rapazes Deco (Lázaro Ramos) e Naldinho (Wagner Moura) se conhecem
desde pequenos. São daqueles amigos que não precisam mais do que
um olhar para descobrir o que o outro está pensando. Os dois ganham
a vida fazendo fretes com um barco a vapor que compraram em parceria.
A amizade dos dois amigos inseparáveis parece inabalável até o surgimento
de Karinna, uma stripper - que deseja arranjar um gringo rico em
Salvador - a quem a dupla dá uma carona em troca de um desconto
no servicinho sexual da moça. Até ai, tudo bem, diria outro. É dinheiro
comprando sexo em troca de favores. Em um mundo fudidamente injusto,
cada qual ao seu jeito, todos saem ganhando. Mas um acaso do destino
joga um dos rapazes nos braços da moça, ensangüentado, e é nessa
hora que o cupido não percebe e atira três flechas ao invés de duas.
O que era para ser belo se torna cruel. Alguém já viu esse filme antes?
No mundo moderno, casos a três até podem parecer algo comum (eu
ainda não acho, mas vamos combinar que eu já passei dos trinta,
né), porém, na Salvador dos pobres dividir a mulher que você ama
não é lá algo muito digno. E você ainda não sabe que ama, realmente,
afinal, sempre somos os últimos a saber o que estamos sentindo.
E você não sabe se ela realmente te ama, ou ama teu amigo. Amar
os dois é algo fora de questão, mas tudo que é fora de questão também
é mais instigante. O impossível é só o possível brincando com as
possibilidades que o mundo apresenta. Um velho ditado masculino
diz que homens só fazem burrada quando pensam mais com a cabeça
de baixo do que com a de cima. Ditados são sábios. Anote, mas saiba
que mesmo assim você vai errar. É preciso errar. Faz parte, afinal,
você acredita em ditados populares? Está querendo convencer quem?
Você mesmo? Tá. Conta outra.
Cidade Baixa analisa o amor de forma exemplar e direta, como
um soco de direita na boca do estômago, ou um longo beijo
de língua em uma pista de dança. Por mais paradoxal que seja, é
preciso apanhar e dançar muito na vida para se enxergar melhor as
coisas. E o longa de Sérgio Machado é um enorme tapa na cara, ancorado
em um roteiro simples, em um tema universal, e nas atuações brilhantes
do trio central de protagonistas. Wagner Moura e Lázaro Ramos estraçalham
em suas atuações. Os dois atores criam um universo para seus personagens
e é praticamente impossível penetrar na personalidade forte
de cada um deles. Já Alice Braga, sobrinha de Sônia Braga, é uma
grata surpresa. Alice exibe desenvoltura, desinibição, carisma e
muito talento em seu papel. Sua Karinna nada têm de culpada além
de amar. Juntos, o trio de atores deixa o espectador sem respiração
na sala de cinema. Esperamos pelo final da história morrendo de
medo dela. O amor enleva, mas assusta, pois as cicatrizes de um
amor permanecem abertas para sempre.
As coincidências de Cidade Baixa com Cidade de Deus
não se resumem apenas ao primeiro nome de cada filme, closes em
galináceos e ao nome de Walter Salles na produção.
Assim como Cidade de Deus, Cidade Baixa é um filmaço
de dar orgulho do cinema feito neste País de políticos corruptos
e belas mulheres. Porém, diferença básica entre os dois filmes:
em Cidade de Deus, a classe média brasileira (e o resto do
mundo) assiste ao filme como testemunha da derrocada social de uma
comunidade, mas com uma distância cômoda e aparentemente invulnerável.
Já Cidade Baixa registra algo que pode agarrar a todos a
qualquer momento. Seja em São Paulo, Nova York, Teerã, Tóquio ou
Marte, nada nos livra dos descaminhos do amor. Então só nos resta
amar, diria um espertinho. E você acha que é fácil, mané. Você acha
mesmo que é fácil...
Links
Site Oficial do filme
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