"007 - Cassino Royale "
por Ronaldo Gazolla
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17/12/2006

007 ' Cassino Royale é a prova de que, às vezes, recomeçar é a melhor saída. 007 – Um Novo Dia Para Morrer, longa imediatamente anterior protagonizado pelo espião britânico até era um bom exemplar recente da série. Mas esse fato era muito devido a boa interpretação de Pierce Brosnan e uma ou outra cena digna do espião, pois de resto, o longa ameaçava jogar 007 num beco sem saída: os efeitos digitais, que representavam o exato oposto do que caracterizava a série, cujo forte sempre foram os efeitos realistas e a utilização de dublês. Talvez pior era o fato de que não apenas o filme anterior, mas todos os estrelados por Brosnan vinham transformando 007 em outro herói politicamente correto dos mais desestimulantes e caretas.

Pois eis que surge Cassino Royale para mudar esse rumo. Indo ao ponto de iniciar com a seqüência pré-créditos inteiramente em preto e branco, testemunhamos como Bond recebeu seu status 00 – a famosa licença para matar. Depois dos créditos (ao som da boa, mas não tão marcante canção de Chris Cornell), acompanhamos um Bond ainda hesitante e inexperiente em sua primeira missão como 007: enfrentar Le Chiffre, financiador de uma rede terrorista, em um jogo de pôquer no Cassino Royale, acompanhado de Vesper Lynd, encarregada de supervisionar as finanças disponíveis a Bond.

Mais que um recomeço do ponto de vista cronológico, o filme marca um retorno aos tempos em que Bond era um personagem mais ambíguo, tomando atitudes um tanto questionáveis em se tratando de um herói. Ao longo do filme ele atira em oponentes desarmados (mais de uma vez) e declara que seu tipo preferido de mulher são as casadas, pois isso simplifica as coisas, além de continuar a fazer piada mesmo quando se encontra nas situações mais complicadas (a cena da tortura é instantaneamente clássica dentro da série). Também coerente com o espírito dos primeiros filmes, há espaço para reflexões sobre os atos de 007. As mortes que causa podem provocar impacto sobre ele próprio ou sobre pessoas próximas e mesmo inocentes podem morrer simplesmente por se envolverem com Bond, algo impensável nos últimos filmes.

Conduzido com firmeza por Martin Campbell, que já havia dirigido 007 Contra Goldeneye, a última ressurreição da série, a narrativa se concentra em cenas de ação menos espetaculares e sem tantos absurdos, embora ainda sejam de tirar o fôlego – uma decisão criativa aliada ao menor orçamento, talvez? Não importa. O que importa é que estão abolidos os efeitos em CGI abundantes, ainda que algumas coisas sejam evidentemente auxiliadas por um uso mais discreto do computador.

Além disso, o filme proporciona um verdadeiro deleite para os fãs. Sendo uma história de origem, somos capazes de presenciar como vários elementos clássicos da série tiveram sua gênese, entre eles, o primeiro smoking e a criação do famoso drinque preferido. Há também uma breve inclusão de um Aston Martin 1964, ano de 007 Contra Goldfinger. Uma escolha inteligente, ainda que corajosa, é com relação ao tema principal do personagem. Durante o longa é possível ouvir alguns acordes em momentos importantes da trama, mas o tema completo, como o conhecemos, só é executado na parte final do filme, quando 007 também se torna o personagem com o qual estamos habituados. Pra completar, Cassino Royale ainda possui a que talvez seja a utilização de mais impacto em toda a série da frase de apresentação do agente ‘Bond, James Bond’.

Os diálogos, aliás, são outro ponto forte do filme. O que é travado entre Bond e Vesper Lynd quando os dois se conhecem, por exemplo, supera qualquer outro em pelo menos duas décadas da série. O roteiro também ganha pontos por investir bem mais no trabalho cerebral de Bond, que nem sempre resolve as coisas no braço. A cena em que Bond é tomado por um manobrista pode ser vista como chave nesse sentido. Rapidamente o espião arruma um jeito de se vingar pela confusão ao mesmo tempo em que distrai a segurança do lugar, o que o deixa à vontade para continuar sua missão. É o tipo de coisa que costumava acontecer nos filmes estrelados por Sean Connery, além de funcionar como uma ilustração dos comentários dos fãs – e, de certa forma, um reconhecimento – de que Daniel Craig não teria porte para viver o espião.

Porém, ao longo do filme fica claro que Craig foi a escolha perfeita para o papel. Pierce Brosnan vinha desempenhando o papel muito bem nos filmes em que atuou. Mas a interpretação de Craig casa melhor com esse Bond mais tosco e com menos glamour. Além disso, Craig tem um ponto fundamental a seu favor: ele é um ator, capaz de representar certas nuances do personagem, o que nem sempre foi verdadeiro para outros intérpretes, mesmo para os que fizeram sucesso no papel. Da mesma forma, a lindíssima Eva Green (Os Sonhadores) cria uma das poucas bondgirls com algo de importante a fazer na série. Depois de Halle Berry e seu estilo de interpretação "olhem pra mim, sou uma bondgirl" no filme anterior, Eva e sua Vesper Lynd são uma evolução significativa.

Existem alguns problemas também. O excesso de vilões é um deles. Em certo momento fica difícil saber contra quem Bond está realmente lutando, o que pode tirar um pouco do foco da trama. Mas Cassino Royale representa um avanço tão grande em quase todos os aspectos que se torna difícil pensar em mais de três filmes superiores em toda a série: ‘ 007 Contra Goldfinger, Moscou Contra 007 e 007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade (apesar do péssimo 007 de George Lazenby). Resta agora torcer para que a série continue essa trilha cuja abertura, por si só, já valeu muito a pena em Cassino Royale.

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