Caiu do Céu
por Marcelo Costa Fotos - Site Oficial
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16/07/2005
Danny Boyle é um dos diretores mais estilosos do cinema recente inglês. Cravou duas pequenas obras-primas logo de cara, calcado no humor negro, no suspense e na ironia: os essenciais Cova Rasa (1994) e Trainspotting (1996). Este último arrebatou a crítica mundial, colocou o nome do diretor (e também o do ator Ewan McGregor) em todas as manchetes de cinema do mundo e levou Boyle a Hollywood.
Em Hollywood o diretor fez dois filmes: o deliciosamente pop Por Uma Vida Menos Ordinária (com Cameron Diaz) e o ótimo A Praia (com Leonardo DiCaprio). Após essa pequena investida nos EUA, Boyle retornou à Inglaterra para filmar Extermínio com câmera na mão, pequenas doses de terror e muito suspense. A crítica voltou a elogiar o trabalho do diretor escocês.
É do alto desse pequeno currículo cheio de acertos (de que ainda
constam Vaccuming Completely Nude in Paradise e Alien
Love Triangle, inéditos no Brasil) que surge Caiu do Céu
(Millions, 2004), uma fábula infantil sobre um menino que
acha uma sacola com milhões em dinheiro. Assim como em seus dois
principais filmes, o foco da narrativa trata de como o ser-humano
age quando há muito dinheiro envolvido na história.
Em Cova Rasa, o dinheiro corrompe a amizade. Em Trainspotting,
acontece quase o mesmo, se der para dizer que drogados têm
amigos de verdade. Em Caiu do Céu, no entanto, Boyle
situa a trama naquela fase da vida em que a pessoa não sabe
realmente o valor das coisas, cuja inocência é a marca da personalidade,
defendendo que para uma criança, ainda não influenciada pelos
males do mundo, dinheiro é apenas papel.
Apesar de ser um tiquinho óbvio, o ponto de vista interessante do diretor acaba sendo sugado por seu exercício de estilo e pelo exagero do roteiro. O que sobra é um pastelão piegas com cara de conto de fadas natalino. Escrito pelo roteirista de A Festa Nunca Termina, Frank Cottrell Boyce, Caiu do Céu conta a história de dois irmãos - Damian (Alex Etel), de 7 anos, e Anthony (Lewis McGibbon), de 9 - que, após a morte da mãe, se mudam para os subúrbios do norte da Inglaterra com seu pai (James Nesbitt).
Os dois irmãos têm personalidades completamente diferentes.
Anthony é pragmático, talvez por ser mais velho (ele já navega
pela Internet sozinho) enquanto Damian é sonhador, estuda a
vida de santos e freqüentemente recebe a vinda de um deles,
que o aconselha em momentos de dúvida. A primeira aparição de
uma santa, que enrola um baseado enquanto fala do paraiso, é
bastante hilária, escorrendo ironia. Porém, o uso constante
da piada na trama faz com que, no final, ela já esteja bastante
desgastada, e já não funcione com a mesma perfeição.
Tudo muda na vida dos irmãos quando Damian encontra uma sacola
com 300 mil libras (chutando: R$ 1.8 milhões). O irmão mais
novo mostra para o irmão mais velho, e ambos decidem não contar
ao pai, afinal o governo poderia querer taxar o montante e ficar
com 40% da soma: "Impostos", diz Anthony. Há um agravante: em
11 dias a moeda será mudada para que a Inglaterra adote o euro.
Em 11 dias a libra esterlina não terá nenhum valor. Desse ponto
em diante, Caiu do Céu flagra a aventura de dois meninos
"milionários". Um deles (Damian) quer ajudar as pessoas. O outro
(Anthony) quer torrar a grana. O roteiro e o modo frenético
de filmar acabam entornando o caldo. No final sofrível do filme
dá vontade de esganar Damian.
Na minha experiência cinematográfica de quase 20 anos admirando
filmes em uma sala escura, Caiu do Céu me proporcionou,
pela quarta vez na vida, a vontade de deixar a sala sem saber
a conclusão da história. Das quatro, apenas uma foi "positiva":
Amores Brutos. O filme é tão violento, mas tão violento,
mas tão violento (no sentido passional mesmo) que no meio da
segunda história (o roteiro amarra três) eu apertava meu estômago
na sala de cinema pensando se eu agüentaria ver aquilo tudo
até o fim. Foi uma das experiências mais intensas, doloridas
e sensacionais que o cinema me proporcionou até hoje.
Numa segunda oportunidade resisti bravamente ao início terrível
de Moulin Rouge para aproveitar a segunda metade do filme,
mais poética e "aturável". Porém, não deu para agüentar Robin Willians
em Amor Além da Vida. Com meia hora de projeção eu deixei
a sala, aliviado. Amor Além da Vida foi o único filme que
assisti em um cinema e que deixei a sala no meio da projeção. Caiu
do Céu tinha tudo para ser o segundo (os filmes guardam semelhanças
visuais), mas insisti para saber se Boyle seria mesmo capaz de fazer
algo tão ruim. Fez. A cena final é uma das coisas mais ridículas
do cinema recente. Spielberg não está mais sozinho.
O grande problema, no entanto, não é o filme ser totalmente ruim. É ser um filme de Danny Boyle totalmente ruim. No cartaz nacional, a produtora fez questão de ressaltar que estávamos diante de uma película do diretor de Trainspotting e A Praia. Alguém me enganou. Quero meu dinheiro de volta, por favor. Nem precisa ser libra esterlina...
Ps. Caiu do Céu é tão ruim, mas tão ruim, mas tão ruim que consegue tocar a integra da única música de todo o repertório do The Clash que não parece The Clash. Também, estamos falando de um filme que parece ser um filme, mas não é.
Leia também:
"A Festa Nunca
Termina", por Marcelo Costa
"Moulin Rouge", por
Marcelo Costa
"Amores Brutos",
por Miguel F. Luna
Links
Site Oficial do filme
"Caiu do Céu"
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