A
Festa Nunca Termina
por
Marcelo Costa
maccosta@hotmail.com
06/06/2003
Para
todos aqueles que vêem o rock and roll, esse tal mocinho
pobre de uma arte mais complexa chamada música, como
descentralizador de idéias, cafajeste, sujo e irresponsável,
A Festa Nunca Termina (24 Hour Party People –
2002) é uma obra prima pop.
Primeiro
porque é totalmente e amplamente auto-referencial.
Segundo porque abusa deslavadamente da mentira.
Terceiro porque é um passatempo divertidíssimo.
Quarto porque é uma tremenda de uma bobagem.
E, quinto, porque uma obra prima pop não necessita ser
uma obra prima. :-)
Talvez eu nem precisasse escrever esse parágrafo que
vem a seguir, mas para aqueles que ainda não leram sobre
o filme, ou desconhecem a História (com H maiúsculo,
mesmo), A Festa Nunca Termina conta as aventuras de um
tal Tony Wilson no universo pop de Manchester, Inglaterra, entre
1976 e 1992. Melhor, A Festa Nunca Termina conta sobre
a cena pop que se instalou em Manchester depois da passagem
dos Sex Pistols até o fim da acid house, estilo que nasceu
na cidade e se espalhou pelo mundo. É uma mistura de
ficção com realidade. Bonito, não?
Tsc tsc tsc. Tudo balela. A Festa Nunca Termina é
aquele típico filme em que cada um que participou daquela
História (de novo) tem a sua versão, totalmente
diferente da de outro interlocutor. Aqui, a voz é de
Tony Wilson, um tremendo de um jornalista mala que, acreditando
no potencial de algumas bandas da cidade, investiu tempo, dinheiro
e sonhos. E, como sabemos desde que começamos a tomar
conhecimento das coisas, os malas quase sempre se dão
bem (ok, há controvérsias, mas eu achei a frase
legal e, um mala é um mala, foda não elogiar sua
insistência com TUDO). O resultado da maletice de Tony
Wilson foi Joy Division, New Order, Happy Mondays, Hacyenda,
Factory Records (as três primeiras, bandas de Manchester;
a quarta, uma casa noturna, a quinta, uma gravadora). Pode até
ser que se ele não tivesse colocado a mão na massa,
outro cara o fizesse e acabaria como dono da galinha dos ovos
de ouro. Quem poderia dizer ao certo o que mudaria se o homem
não tivesse lá? Bola de cristal não existe,
lamento. Assim temos toda versão do que aconteceu...
por Tony Wilson.
Ao centrar o foco da história nos cinco objetos de estudo,
A Festa Nunca Termina exclui o resto do mundo da porção
tempo/espaço do Universo. É como se, naquele momento,
só existisse Tony Wilson e sua tchurma. Não chega
a ser demérito esta opção pelo umbiguismo,
característica pra lá de inglesa, aliás,
mas ao sentar em frente a tela e ser absorvido pelo vôo
de asa delta desastroso do jornalista/empresário, é
bom saber que esta é apenas uma versão da história.
Por outro lado, assumindo a auto-referência, Tony Wilson
entrega o jogo em uma das frases mais repetidas em resenhas
sobre o filme: "Entre a verdade e o mito, fique com o mito".
Ou seja, tem tanta mentira repetida em A Festa Nunca Termina
que, máxima do discurso nazista, acaba tornando-se verdade.
Novamente, problema nenhum no (ab)uso desse recurso. A história
pop já provou que mais vale terninhos e gravatas do que
boas melodias. Um dos caras que mais respeito nessa coisa de
jornalismo cultural disse, certa vez, que só de olhar
na capa de um CD é possível resenhá-lo.
Foda-se se Bob Dylan escreve(u) as melhores músicas do
mundo. O que importa é que ele mentiu pacas no início
de carreira (método também usado por Kurt Cobain)
e que tudo isso construiu sua figura pop. É obscurantista
ver as coisas por esse lado, eu sei, mas porque você acha
que Teenage Fanclub não é fenômeno pop e
Oasis é? (como diz o nome do blog de um amigo: pensar
enlouquece. Pense Nisso). Assim, é cool ao máximo
saber o filme que Ian Curtis assistia ao ser abraçado
pelo pescoço por uma corda. A música? Deixemos
pra lá, nós estamos falando de rock and roll.
Pausa.
E isso exatamente quer dizer o quê, pergunta o Mario?
Diversão, mala. E não é diversão
no sentido estrito da palavra "divertir". Pode ser passatempo.
Quer coisa mais linda que passar uma boa parte de suas horas
vagas trancado no quarto e ouvindo no último volume os
álbuns Unknown Pleasures e Closer do Joy
Division? Entretenimento. É a música fazendo a
vida ficar mais aceitável (yep, O Chão Que
Ela Pisa). E A Festa Nunca Termina é exatamente
isso: diversão e entretenimento. Uma leve pincelada na
História (hehehe) desse gênero odiado pelos eruditos
e amado pelos jovens: rock and roll, baby. Que como diria Renato
Russo, "é uma tremenda bobagem, mas é a minha
vida, é o meu trabalho". Tirando a segunda afirmação,
a primeira é verdadeira para muitos outros mortais.
Então, após tudo isso (e não vou ficar
aqui esmiuçando a história, vá lá,
veja você mesmo), o meu único conselho é:
assista! Se der, duas vezes. A Festa Nunca Termina é
diversão das boas, um filme que consegue transportar
você ao mundo mágico de Manchester, onde jovens
vivem isolados em uma segunda-feira azul tocando canções
country (ou envenenando pombos. Não é a mesma
coisa?). Você não vai querer voltar. Mas se voltar,
saiba que isso tudo faz parte da... HISTÓRIA. Pano rápido.
|