Virtual vencedor do Oscar 2006, O Segredo de Brokeback
Mountain - apresentado à boca pequena como o filme dos
caubóis gays - destaca uma reunião corajosa de vários acertos:
da ótima adaptação do conto original de Annie Proulx, que
rendeu um roteiro que ficou sete anos pulando de mesa em mesa
em Hollywood esperando que alguém o tomasse como projeto,
da simples e soberba direção de Ang Lee, da fotografia encantadora
de Rodrigo Prieto, das destacadas atuações de Heath Ledger,
Jake Gyllenhaal e Michelle Williams (Dawson's Creek,
quem diria), e, sobretudo, da maneira de se contar uma história
sem apelar para pieguices, defesas de causas ou panfletarismo.
Esqueça todo o blá blá blá da mídia: Brokeback Mountain
é apenas uma bela história de amor como outra qualquer.
No começo dos anos 60, época difícil para se arranjar trabalho
em qualquer canto dos Estados Unidos (e possivelmente do mundo
todo), dois homens se encontram na porta do trailer de um
fazendeiro local, Joe Aguirre (Randy Quaid), para pedir emprego.
O fazendeiro lhes incumbe a função de pastorar um grande rebanho
de ovelhas no alto da montanha Brokeback. O serviço é simples:
enquanto um fixa residência em uma cabana mais afastada do
rebanho, outro dormirá praticamente ao lado das ovelhas, as
protegendo de lobos durante a madrugada. Ennis Del Mar (Heath
Ledger em atuação consagradora) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal)
só se vêem, a principio, nos horários de almoço e jantar.
Os dois estão sozinhos no alto da montanha e assim o ficarão
por meses até o rebanho poder voltar para a fazenda.
Dos dois homens, Ennis é o mais bronco, no quesito real do
termo. Com sotaque texano carregado, falando com se tivesse
uma batata na boca, Ennis fala pouco e planeja juntar dinheiro,
comprar uma fazenda e se casar com a namorada Alma (Michelle
Williams). Jack, que é vaqueiro e participa de rodeios, é
mais... hummm... feminino, embora nenhum dos dois escancare
o estereotipo gay. Lembre-se: estamos nos anos 60 no Estado
mais machista/racista da federação. Se o cara quer viver bem
e em paz, é melhor seguir a tradição. No entanto, sempre vão
existir sentimentos que nos façam quebrar regras. No caso
de Jack e Ennis é "o amor que não ousa dizer o nome". Sozinhos
em Brokeback Mountain, os dois rapazes criam um forte laço
de amizade, se apaixonam e vão ter toda sua passagem por esta
bolota azul sem sentido marcada por este encontro de almas.
É interessante observar que mais do que um filme gay, Brokeback
Mountain é um romance de primeiríssima grandeza, praticamente
cerceado pelos dogmas hollywoodianos que delimitam uma história
de amor comovente. Remete diretamente a As Pontes de Madison,
drama clássico de Clint Eastwood que flagrava o amor na idade
adulta, quando, mesmo encontrando o amor tardiamente, o casal
não pode ficar junto porque a vida já seguia seu curso, e
a sociedade da época iria cobrar um preço alto demais por
algo tão inexplicável quanto uma mulher abandonar o marido
e dois filhos para viver uma grande paixão. Em Brokeback,
o preço é ainda maior. E a dor também. Dois homens apaixonados
em pleno's 60, no Texas. Impossível de se conceber, mas o
amor prega peças que ninguém um dia poderá explicar.
Tanto Jack quanto Ennis tentam levar uma vida normal com suas
respectivas esposas. Jack se casa com uma vaqueira filha de
um milionário e tem um filho. Ennis com a namorada Alma, que
dá à luz a duas meninas. E nem mesmo a família consegue separar
os dois apaixonados, que criam uma rotina de sair para "pescar"
uma vez ao ano, e reviver as lembranças de Brokeback. A esta
altura os personagens já estão devidamente aprofundados. Ennis
não cede um milímetro que seja na convicção de que o amor
dos dois não poderia dar certo. Jack insiste para que o amante
largue a família, os filhos e vá morar com ele em uma fazenda.
Entre as duas almas, a insegurança e o desejo de ficar juntos
em uma sociedade que não os acolhe, não os abriga, apenas
os renega.
A espiral de declínio que surge deste romance - nem improvável
e muito menos impossível - é o espelho da sociedade norte-americana
da época. A repressão ao homossexual era apenas uma faceta
do racismo exercido pelos tradicionalistas, e que também encontrava
nos negros, hispânicos, índios, mulheres e pobres motivos
de diminuição de personalidade. E quando se fala em sociedade
da época não quer dizer que o mundo de hoje ainda esteja livre
do racismo - e Crash, que também concorre ao Oscar,
disserta brilhantemente sobre o tema. Porém, por mais que
se queria panfletar, Brokeback Mountain nada tem a
ver com um levante de bandeiras de sete cores. Não é um filme
para defender a causa gay ou algo assim (embora muita gente
o usará para isso).
No entanto, não há como negar que a possível vitória de Brokeback
Mountain no Oscar será um passo à frente para os gays,
e isso não tem nada a ver com o filme em si. O fato da premiação
destacar um filme cujo tema central exibe dois homens apaixonados
deverá dar uma boa chacoalhada na opinião pública mundial.
As oito indicações que o filme ganhou da Academia, mais os
prêmios no Globo de Ouro, em Veneza e no Bafta (entre tantos
outros) coroam os vários acertos da produção e lançam luz
sobre um tema que muita gente - ainda hoje em dia - ousa aceitar/discutir.
Mesmo assim, Brokeback Mountain é simplesmente a história
de um amor impossível contada de forma arrebatadora. Romeu
& Julieta também contava a história de um amor proibido.
E os dois morreram por este amor. Não procure diferenças.
Não existe.
Leia também:
"Crash - No Limite",
por Marcelo Costa
"As Pontes de Madison",
por Marcelo Costa
Dawson's Creek, 1ª Temporada,
por Gabriela Froes
Site
Nacional do filme "Brokeback Mountain"