"Boa Noite & Boa Sorte"
por
Marcelo Costa maccosta@hotmail.com
31/01/2006
George Clooney é um cara que merece respeito. Ator de sucesso em Hollywood, do porte galã, Clooney poderia facilmente levar uma "vida fácil" à frente das câmeras com filmes que enchessem seus bolsos de dólares, tipo Onze Homens e Um Segredo, mas optou por alternar a carreira de ator com a de diretor e filmar histórias nem um pouco fáceis para o público médio mundial. Confissões de uma Mente Perigosa (2002) foi seu filme de estréia e contava a história de um popular apresentador de TV que, nas horas vagas, era um agente da CIA e passeava pelo mundo assassinando inimigos.
Desta vez, Clooney surge com Boa Noite & Boa Sorte, um
exercício de estilo que traduz em preto & branco o polêmico
período de "caça às bruxas" nos Estados Unidos dos anos 50 em
um episódio que marcou a televisão norte-americana: o embate
entre o apresentador de TV Edward R. Murrow (David Strathairn)
e o senador caçador de comunistas Joseph McCarthy. Clooney é
coadjuvante na história do filme, atuando como Fred Friendly,
braço direito (esquerdo, e se precisar, dividindo prejuízos)
de Edward R. Murrow.
A rigor, o filme é um passeio por tudo o que acontece atrás das câmeras. Pressões de patrocinadores que não querem seus nomes associados a temas complexos, reuniões de pauta movidas a idéias e cigarros, mesas de edição, telefonemas, duelos de interesses: o submundo de um programa de audiência elevada que ousou enfrentar um político renomado, e que, por fim, conseguiu movimentar os dois maiores alicerces da história: o da poderosa e iniciante CBS, rede de televisão que abrigava o programa de Murrow, e o Senado Federal norte-americano.
Boa Noite & Boa Sorte, que ainda conta com Robert Downey Jr. e Jeff Daniels, foi concebido originalmente para ser um especial ao vivo da CBS, e abriga neste desejo seu único defeito: não contextualizar com exatidão o período de "caça às bruxas", principalmente para brasileiros, que talvez desconheçam o período político atravessado pelos EUA nos anos 50. Cine Majestic, com Jim Carrey, começa muito bem ao traduzir em imagens a perseguição que a turma de McCarthy realizou contra roteiristas de Hollywood, mas depois descamba para o melodrama patriótico. Boa Noite & Boa Sorte não. É certeiro em sua direção e seu intento, mas não aprofunda a questão do maccarthismo para neófitos.
Em um resumo rápido, o período de "caça às bruxas" aconteceu
nos anos 40 e 50, nos Estados Unidos, caracterizado pelo combate
às "atividades anti-americanas" (ou seja, o comunismo),
surgidas da crescente disputa entre EUA e URSS. Liderado pelo
senador republicano Joseph McCarthy, o senado federal investigou
milhares de pessoas que pudessem ser agentes da KGB infiltrados
na América. Roteiristas de cinema, diretores, músicos (Dylan
relembra em No Direction Home que qualquer homem numa
multidão com um violão era tachado de comunista segundo o manual
de McCarthy), jornalistas e qualquer pessoa que tivesse seu
nome ligado a soviéticos. Uma das mais famosas vítimas do maccartismo
foi Albert Einstein - que, ironicamente, emigrara para os EUA
fugindo da perseguição dos nazistas. A "caça às bruxas" perdurou
até que a própria opinião pública americana, indignada com as
flagrantes violações dos direitos individuais, condenou McCarthy
ao ostracismo.
Baseado em fatos reais, não dá para não aplaudir um filme que
defende a liberdade de imprensa e, principalmente, a exibição
dos dois lados de um fato. Se a opinião pública condenou McCarthy
ao ostracismo, a figura do jornalista Edward R. Murrow merece
reconhecimento. E Clooney foi tão enfático em sua reconstrução
que abriu mão de usar atores para o papel do senador, optando
por resgatar fitas originais da época com depoimentos do político,
como se fosse um documentário, o que revela - mais do que qualquer
outra coisa - que o McCarthy sabia muito bem atuar frente às
câmeras, exagerando gestos e atos.
Além de recontar com brilhantismo um período polêmico da história
norte-americana, Clooney se dirige ao governo atual de George
W. Bush, que tenta oficializar leis que permitam a vigilância
de seus cidadãos em nome da luta contra o terrorismo, cujo caminho
mais curto seria a manipulação da liberdade de imprensa. Desta
forma, Boa Noite & Boa Sorte é um filme artístico (a
fotografia é esplendorosa) e político que defende tanto a liberdade
de imprensa quanto a liberdade democrática. O ator/diretor,
que é filho de um jornalista, Nick Clooney, precisou entregar
uma de suas mansões como garantia para conseguir fundos para
a filmagem. Ele merece respeito e Boa Noite & Boa Sorte
merece ser visto com atenção.
Good Night and Good Luck.
Leia
também:
"Cine Majestic"
, por Marcelo Costa
Site
Oficial do filme "Boa Noite & Boa Sorte"
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