"Alfie"
por Drex Alvarez
Fotos - Divulgação

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25/12/2004

Se Alfie fosse uma comédia romântica clássica, como tantas outras, e fosse minimamente bem feita, como algumas poucas são, eu não teria problema nenhum em gostar do filme. Mesmo que isso me faça perder alguns amigos, eu tenho que confessar - um dos meus filmes preferidos é Um Lugar Chamado Notting Hill. Sou fraco, admito, e ainda me empolgo com essas coisas de sonhadores.

Mas, ao contrário do que pode parecer, ou do que se quis vender, Alfie não é uma comédia romântica clássica. Até cumpre esse papel básico, pois traz alguns dos clichês e fórmulas consagradas do gênero (galã carismático e mulherengo, mocinha apaixonada e decepcionada, casal de amigos acolhedores, arrependimentos posteriores). Mas Alfie é diferente, e te oferece muito mais do que isso. No final, se você deixar, o saldo é muito mais do que satisfatório.

Alfie começa promissor. Imagens cheias de cor e estilo, com a direção de arte criando um paradoxo interessante: um clima europeu dos anos 50 em plena Nova York do século XXI. A apresentação do personagem metralha um discurso sexista, descolado, amoral e cheio de ironia britânica. Não chega a ser um texto de Oscar Wilde, mas funciona. E eu adoro um sotaque britânico.

Dizem que a primeira versão do filme, protagonizada por Michael Caine, era muito mais ácida e politicamente incorreta. Não sei, pois não a vi. Mas esta versão nova também ousa e convence, principalmente se levarmos em conta o recurso, arriscadíssimo, de fazer o personagem falar diretamente para a câmera. O que poderia se tornar patético (e constrangedor) funciona muito bem. Graças, principalmente, a Jude Law.

O bonitão é o metrossexual que todos nós gostaríamos de ser. Vamos lá, caro amigo leitor, confesse. Ainda por cima, bom ator e fazendo par com a Marisa Tomei. Completamente adaptado ao papel, Jude Law, ou Alfie, nos diverte ao contar seus métodos e estratégias de como viver a vida. E os faz parecer que a filosofia "mulheres e vinho" seguirá dando certo até o final do filme.

Infelizmente, a deliciosa amoralidade não dura os 90 minutos da película. Lá pelo meio, claro, Alfie comete alguns deslizes, pisa na bola, e então lhe vêm a culpa, a decepção, a solidão, a sensação de vazio, talvez me falte mesmo alguém para amar, qual o preço da liberdade, e outras reflexões habituais que todos conhecemos. È o politicamente correto querendo cortar o tesão do homem (e principalmente das mulheres).

É nesse ponto que o filme arrisca perder-se no melado das comédias românticas mais moralistas. É um fato: a fábula de La Fontaine está toda ali retratada. A cigarra cantante, apesar de ter curtido de tudo e de todas, está agora perdida, desgarrada, doida para ter um pouco do conforto tranqüilo e aconchegante do mundo das formigas laboriosas.

Mas aqui também mora parte da diferença. Há, é claro, a inevitável conseqüência de todas as estripulias, toda a culpa e melancolia. Mas não há, no filme, a saída fácil, a mudança de comportamento artificial, o reencontro redentor. E isso, se não é inovador, pelo menos foge dos padrões da nossa tão cara comédia romântica convencional. O conquistador quebra a cara, mas isso custa para lhe fazer mudar sua atitude. Se é que um dia ainda vai mudá-la. Alfie sofre mais, mas o sofrimento não basta para lhe trazer a redenção. Há arrependimento e tristeza, mas não se ganha nenhum prêmio por isso.

No final da fábula, é claro, fica sempre a mensagem. Mas, ao menos, ela foi tratada com mais honestidade e realismo. Se após a entrada dos créditos a trama ainda lhe parecer convencional, creio que vão sobrar outras coisas para gostar do filme. A fotografia esperta, o visual cheio de capricho e estilo, o humor irônico, Marisa Tomei, Jude Law, o coadjuvante japonês hilário, a música de Mick Jagger. Excelentes desculpas para se gostar de uma excelente falsa comédia romântica.

Leia também:
Um Lugar Chamado Notting Hill, por Marcelo Costa

Site Oficial do filme Alfie