Julia
Roberts, Maggie Carpenter, Anna Scott e Anna Julia
por
Marcelo Costa
setembro de 1999
Segunda-feira
feriado. O domingo foi tedioso e solitário. Black Love do Afghan
Whigs e Maladjusted de
Morrissey se revezaram e se repetiram no cd player, os melhores cds do mundo
naquele instante frio de domingo cinza em que os ponteiros do
relógio pareciam carregar toneladas sobre si, e a hora não
passava. Hoje é segunda, feriado municipal em Taubaté. Decidi trocar
as paredes do quarto pelas de um cinema. Fui de ônibus até São
José dos Campos já que os cinemas de Taubaté estão
horríveis. Encontrei um conhecido e é bom saber que não
estamos sozinhos em uma cidade estranha mas, cinema quase vazio. Segunda
feira e no roteiro, dois filmes com Julia Roberts: Noiva em Fuga
(Runaway Bride) e Um lugar chamado Notting Hill (Notting
Hill).
Você pode reclamar, falar o
que quiser sobre comédias românticas mas não vai tirar
o meu tesão e gosto por elas. Se são tolas? Recorro a Shakespeare
que diz que "o amor faz tolo todos os mortais". Talvez Shakespeare
seja tolo. Talvez eu também. Talvez você. Talvez.
O que dizer de Julia Roberts? Julia é a beldade mais simples que já estampou
uma tela de cinema. Sempre parece conhecida, uma paquera, uma prima, sempre é um
rosto conhecido. E que lábios. Quando eu tinha tempo livre e acesso
gratuito ao cinema (sim, já aconteceu, mas faz tempo) cheguei
ao cúmulo
de ver 14 vezes Adoro problemas com Julia e Nick Nolte. Um
filminho bobo que expõe o rosto de Julia em toda tela, várias
vezes, uma pintura. Além, Nick Nolte é ok e o roteiro é joinha,
diversão garantida.
Noiva em Fuga traz Julia e,
a tiracolo, Richard Gere (não vou falar de Uma Linda Mulher,
não vou). A fórmula filminho bobo/roteiro joinha é testada
novamente, e passa com louvor. Julia é Maggie Carpenter, a garota
que abandona noivos no altar. Gere é Graham, repórter em
busca de furos. Notícia e noticiador se encontram e, como diz a
vovó do filme, "tô farejando confusão".
O começo, por si só, é genial. Ao som de Still
Haven't Found For a Looking For do U2 (bela sacada), Julia, ou
melhor, Maggie, foge de mais um casamento, a cavalo. A trilha é muito
bem cuidada e ganha mais inspiração quando se utiliza de
Miles Davis. Poeticamente a citação é Yeats. Legal.
Pássaros voam, flores tremulam e ela vestida de noiva é
um deslumbre de tirar o fôlego. Shakespeare está certo. As
luzes se acendem. E eu nem terminei a pipoca...
Vamos agora à Notting Hill,
mas antes, dois parágrafos especiais: um para Elvis Costelo e outro
para Hugh Grant. Elvis Costelo, assim como Neil Young,
faz parte daquele seletíssimo grupo de roqueiros acima de qualquer
suspeita. Uma carreira que vem dos idos punk até hoje, sempre construindo
pequenos clássicos da música pop. É dele a versão
de She, original de Charles Aznavour, que abre e fecha Notting Hill.
Um amigo (alô Kbla) disse que Costelo também precisa de dinheiro,
mas, ah se todos que precisassem fizessem como ele. Sua She é
bela, linda. Um passo a mais do trabalho que Costelo desenvolveu com Burt
Bacharah. Muitos se queimariam mexendo nessa canção. Elvis
Costelo não. Ele pode. Ele sabe.
E Hugh Grant? Bem, Hugh Grant é
o par de Julia no filme. Seu papel é, como sempre, quase mudo. Uma
alegria para os roteiristas. Mas ele compensa o pouco texto de seu personagem
com seu excesso de charme. Grant é cool ao máximo. Não
precisa dizer nada pois seus gestos, seu olhar, suas mãos, tudo
fala por ele. Me lembrou Ian McCulloch, vocalista poeta e líder
do Echo & the Bunnymen, uma das melhores bandas inglesas de todos os
tempos. Ian, assim como Grant, magnetiza o público, e sabe disso.
Eles sabem. Ah, esses ingleses...
No filme, Hugh tem uma livraria que fica no
bairro de Notting Hill, meio afastado do centro de Londres. Dá pra
se imaginar que em alguma esquina perdida se encontre a loja de discos
de Rob Fleming, do romance Alta Fidelidade. Ambos, quase a falência,
levam suas vidas. Bem, Julia aqui é Anna Scott, atriz famosa que
se apaixona pelo tal dono de livraria, meio Zé Ninguém (Grant).
O filme discute, a partir dai, a mídia
e tudo aquilo que cerca uma celebridade. Chega a ser uma crítica
direta ao sensacionalismo dos tabloides ingleses. Parece banal, mas é
real. E coloca em xeque tudo aquilo que eu disse linhas atrás sobre
Julia Roberts. Por que ela está ali representando um papel. Não
é ela e sim apenas um rosto, um personagem. É meio Dorian
Gray: a fama que aumenta o nome diminui a alma.
A certa altura do filme alguém
diz que celebridades são deuses e que mortais que se metem com eles
se dão mal, sempre. Não sei se é assim que funciona
e talvez eu esteja errado, até devo, mas gosto de pensar de outro
jeito. Quando "vivo" um filme (e vivo sempre), aquela personagem é
a garota dos meus sonhos. A garota dos meus sonhos poderia ser Julia Roberts,
mas acho bastante improvável esbarrar com ela em alguma esquina
de Taubaté. Então, essa tal garota é a minha
garota, aquela que eu não vejo a mais de ano, e não troco
e-mail a semanas. Aquela que mesmo distante parece sempre presente, mas
que, sobretudo, parece impossível, assim como a própria Anna,
Maggie e Julia.
Mas nada é impossível
em uma comédia romântica, ainda mais quando se tem uma trilha
sonora de partir corações, atores secundários que
roubam certas cenas (Spike, o ótimo Rhys Ifans é sensacional)
e deusas. E, você sabe, não é sempre que deusas invadem
nosso espaço geográfico. Ainda mais em uma segunda-feira.
Ainda mais em um feriado. Ainda mais em um cinema quase vazio. Greg Dulli,
cante. Preciso sonhar essa noite.
Marcelo,
29, é um dos editores do Scream & Yell, é apaixonado
por Julia Roberts e é mais um que viciou na Anna Julia dos
Los Hermanos. Texto escrito especialmente para o finado site Antenet.
|
|