"Abraço Partido",
Daniel Burman
por
Marcelo Costa
Fotos - Divulgação
maccosta@hotmail.com
19/11/2004
É
incrível como somos o maior país da América do Sul e como somos
tão excluídos de nosso próprio continente. O Tratado de Tordesilhas
(lembra?) nos separou de nossos vizinhos e nós nunca conseguimos
reatar as raízes. Isso já havia sido explicitado em Diários
de Motocicleta, uma viagem de um jovem pela América do Sul
que não passa pelo Brasil, e ganha novo destaque com o filme
argentino Abraço Partido, do cineasta Daniel Burman.
Muita gente está esperançosa quando a indicação de Olga
ao Oscar, alardeando que a citação judaica presente
nas telas poderia encurtar nosso caminho a tão sonhada estatueta.
Quer saber: Abraço Partido, concorrente argentino, também
se ampara em uma história de judeus e é muito melhor que o novelão
nacional. É incrível como o cinema argentino conseguiu destaque
mundial nos últimos anos. E é estranho,
no mínimo,
que as histórias passadas em terras portenhas sejam mais emocionais
e falem sobre pessoas comuns (como nós) do que as retratadas
aqui.
Enquanto no Brasil é comum retratar a violência, o tráfico e
a pobreza, na Argentina se faz um cinema que retrata a face
de um povo. Os portenhos fazem, na atualidade, um dos cinemas
humanistas e universais mais fortes do mundo. O resultado disso
é o sucesso de obras como Nove Rainhas (sobre uma briga
de família) e o O Filho da Noiva (sobre encontros e desencontros
familiares). Daria, ainda, para colocar no pacote o tocante
Kamchatka, sobre a destruição da família.
Abraço Partido é outro filme de ordem familiar. Ariel
(Daniel Hendler) tem vinte e poucos anos, largou a faculdade
e vive às custas da mãe (Adriana Aizemberg). O rapaz quebra
o galho como ajudante na loja de lingeries da família, enquanto
sonha em mudar de vida, planejando se tornar cidadão polonês
(por descendência dos avós) e fazer uma viagem para o exterior
a procura de emprego. A loja de lingeries fica em uma galeria
cuja principal característica e ser multicultural: coreanos,
italianos, americanos, espanhóis, polacos, chilenos e muitos
outros (brasileiros excluídos, claro) convivem harmoniosamente
enquanto tentam levar adiante seus negócios frente à derrocada
do sistema econômico do país.
Ao mesmo tempo em que batalha para mudar de vida, Ariel tenta
entender porque seu pai decidiu abandonar a esposa e os dois
filhos para ir combater em uma guerra em Israel. Mais: quer
entender também de que vale a cidadania polonesa que tanto almeja,
já que seus avós foram obrigados a deixar a Polônia por serem
judeus. Porque voltar a um lugar de que sua família foi expulsa?
Temas universais? Sim, caro leitor. Em O Abraço Partido,
Daniel Burman retrata os segredos de uma família e as dúvidas
de um jovem sem perspectivas e que quer fugir do país, da família
e de si mesmo. Isso deve acontecer em todo o mundo. A história
ganha reforço com a aparição de vários personagens secundários
que surgem na tela (fazendo rir e comover) para logo desaparecerem
sem, com isso, atrapalharem o roteiro. São pessoas comuns, com
dramas comuns, e muita sabedoria popular.
O Abraço Partido é o segundo filme de uma trilogia iniciada
pelo cineasta Daniel Burman e o ator Daniel Hendler com Esperando
o Messias (2000). No primeiro filme, Ariel está em crise
com a identidade judia. Em O Abraço Partido a crise se
estende à família, com a figura paterna pesando sobre os ombros
do jovem como uma grande interrogação. O grande destaque do
cinema de Burman é que as crises de seu personagem principal
não são alimentadas por lágrimas, dramalhões e closes
no rosto, mas sim por esperança, ironia e sarcasmo, todos na
medida exata, servidos sem exagero, sendo capaz de divertir
e emocionar.
Para piorar o humor dos nacionalistas, O Abraço Partido
ganhou o Grande Prêmio do Júri e o Urso de Prata de Melhor Ator
(Daniel Hendler), no Festival de Berlim. É um belo filme, mas
não chega ao nível emocional de O Filho da Noiva. Neste
ponto, o novelão Olga não chega nem aos pés do comovente
Central do Brasil. Em comparação direta, o filme de Daniel
Burman é bem melhor que o concorrente brasileiro. Com O Abraço
Partido, o cineasta exibe as faces de seu povo (a cena de
abertura, em off, que apresenta as pessoas da galeria, é marcante)
e consegue ultrapassar fronteiras, impressionando, inclusive,
brasileiros. Será que vivemos no mesmo continente?
Leia também:
Kamchatka, por Marcelo
Costa
|