Pi
por
Angélica Bito
Aos seis anos, Max Cohen (Sean Gullette)
olhou diretamente ao sol, desobedecendo aos conselhos da mãe. Era
inevitável, ele tinha de encarar o astro que rege e alimenta a vida
terrena. Mas suas asas eram de cera e chegaram perto demais do sol. Derreteram
e modificaram sua vida para sempre. Max não é Ícaro,
mas encarou demais o sol. Aproximadamente trinta anos depois, ele ainda
sente seqüelas de sua imprudência, que debilitou sua saúde
até o fim.
Max é o herói de
Pi, primeiro filme dirigido por Darren Aronofsky, em 1998. Para quem
não acha familiar o nome do diretor, Aronofsky é o que dirigiu
Réquiem para um Sonho, seu terceiro
e mais recente trabalho. Aqui, o diretor, bem conhecido no circuito independente,
segue a mesma linha de Réquiem e conta a história de pessoas
perturbadas. Especificamente uma. Pi acompanha a história
de Max, um matemático instável e de poucos amigos. Ainda
por cima, ele sofre de uma doença rara, que pode se manifestar em
qualquer hora e lugar. Caso não tome suas injeções,
Max pode ter perturbadoras alucinações.
A doença não é
a única coisa a o incomodar. Junto a seu computador, Max busca uma
seqüência de números que determine uma recorrência
lógica na bolsa de valores, o famoso número Pi. Para Max,
o mundo é, basicamente, formado por números. A lógica
de tudo é definida pela combinação dos símbolos,
pensamento nada incomum para um matemático. Mas, quando a pesquisa
vai longe demais, ele passa a ser perseguido por uma empresa de Wall Street
– querendo a tal lógica que rege as bolsas de valores - e um grupo
de judeus praticantes.
Mas o que os judeus têm a ver
com isso? Eles procuram essa mesma seqüência que determinaria
uma lógica na Torá, equivalente à Bíblia na
religião judaica. Mais uma vez, Max tenta desafiar as regras da
natureza e, como se encarasse o sol, procura uma lógica matemática
que explique o funcionamento do mundo. No fim das contas, a cobiçada
seqüência é a que define os acontecimentos, que se repetem
de forma lógica ao longo do tempo.
Max é um sujeito perturbado
e, para passar essa perturbação ao espectador, Darren Aronofsky
usa uma edição frenética, seqüências repetitivas
e uma câmera que passa longe do estático, acompanhando o protagonista
e que, em algumas horas, mais confunde do que mostra, exatamente como se
sente o protagonista. Outro recurso foi o uso do preto e branco para filmar
as cenas. A impressão é que o mundo de Max é semelhante
ao que vemos na tela, desprovido de cores, talvez pela doença ou
pelo próprio vazio do protagonista.
Este é o segundo filme de Darren
Aronofsky lançado no Brasil e a observação de ambos
já denota o estilo deste jovem cineasta. A câmera, edição
e trilha sonora são frenéticas, sempre de acordo com seus
personagens: perturbados ao extremo. A angústia segue o espectador
ao longo do filme, a mesma sentida pelos personagens principais.
Traduzir os sentimentos do roteiro
para as telas é, basicamente, função do diretor. Podemos
concluir, então, que Aronofsky é um dos poucos que conseguem
a tela e levar seus personagens àquele que assiste. Com Pi
não é diferente e, junto à trama complexa, esse clima
de tensão criado por Aronofsky faz com que este seja, definitivamente,
um grande filme para apreciadores do cinema longe do convencional.
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