"Réquiem For a Dream"
por Ana Cecília Del Mônaco
Fotos: Site Oficial /Divulgação
24/05/2002

Você tem controle sobre sua vida? Você é tudo o que sempre imaginou, ou o que imaginaram para você?

Réquiem para um Sonho começa com Harry (Jared Leto), um bonito jovem, tentando pegar a TV da casa da mãe, a simplória Sara Goldfarb (Ellen Burstyn), para vender e alimentar sua dependência química. Logo em seguida a vemos comprando a mesma TV de volta e a colocando numa corrente presa à parede, lugar onde ela sempre esteve. Senta-se no sofá, liga a TV, e come o último bombom de uma caixa num ritual orgástico.

Em seguida acompanhamos quatro personagens e seus vícios. São eles: a mãe, Sara Goldfarb (Ellen Burstin), o filho Harry (Jared Leto), a namorada Marion (Jennifer Connelly) e o amigo traficante (Marlon Wayams). O programa que Sara tem como única companhia é um misto de culto, auto-ajuda e promoção dos ‘vencedores’. Prega o que somos obrigados a acreditar, que na vida temos duas escolhas: somos perdedores ou vencedores.

Um dia, do nada, ela recebe um telefonema onde supostamente teria sido escolhida a participar deste mesmo espetáculo de TV. Uma aflição toma conta da senhora quando percebe que não cabe mais no seu lindo vestido vermelho. Sua determinação é de perder peso, ficar linda, à altura do show.

Obsessão. Compulsão. Sucumbindo à fome ela decide procurar um 'especialista' que a receita inúmeras anfetaminas, estimulantes e tranqüilizantes. Em pouco tempo ela alcança o objetivo, está magra, é adorada pelas vizinhas, quase chegando lá, o suficiente para aparecer na TV. Mas os efeitos do remédio começam a afetar seu ponto de vista e comportamento.

Enquanto isso, o filho Harry vem conseguindo êxitos no tráfico de heroína. Ele, Marion e Tyrone juntam muito dinheiro. Seu sonho é abrir uma confecção para Marion que mostra talento como figurinista. Mas esse sucesso dura pouco, logo são obrigados a gastar tudo para alimentar a necessidade pelas drogas que não pára de aumentar. A gênese do vício desfila aos nossos olhos. O enfoque apaixonado do diretor pelos seus personagens e o amor que vemos que nutrem uns pelos outros, nos impedem de fazer julgamentos, nos permitem mergulhar nessa profunda investigação da dor, da vulnerabilidade e da busca pelo prazer.

O que faz de um vício pior do que o outro? O seu grau de destruição? Uns tomam café, outros cheiram cocaína, alguns atacam a geladeira. Muitos passam a tarde em frente à TV, outros dentro do cinema, outros dentro de algum templo religioso. Muitos lêem livros de auto-ajuda... Mas todos, esses indivíduos têm em comum a vulnerabilidade.

Esse poderia ser um dramalhão sobre viciados tentando sair do 'fundo do poço', grupos de anônimos servindo de apoio mútuo, mas não. O diretor abraçou os personagens e suas sensações. E querendo livrar de culpa ou rótulos, fez quatro pessoas iludidas em sua inocente futilidade. Os recursos são vários, ele usa muito a lente grande-angular, de forma opressora. A fraca pessoa e seu mundo distorcido pelo efeito químico. Experimentamos sortimento de sensações quando a tela é partida ao meio em montagens paralelas. É lindo! Aterrorizante, quando as pessoas do lado de lá do vídeo saem para o mundo de Sara, numa versão Rosa Púrpura do Cairo macabra.

A rápida montagem nos rituais de uso das drogas, faz de todas equivalentes. O auge da confusão e do mundo virado de cabeça-para-baixo são expressos pela a câmera fixa à altura do pescoço dos atores mostrando o que está acima deles totalmente desordenado. Lamento de violino cortante. Falta de chão.

Ellen Burstyn concorreu ao Oscar por este papel, ela é magnífica. Todos os atores estão em atuações brilhantes. Não é muito dizer que são as melhores de suas carreiras. Jennyfer Connely, como Marion, quem diria, a menininha de Labirinto envolta em sombras e disfarces, olhar vago e triste, pronta para cumprir um papel que nunca quis para si. Imagens fortíssimas e em 'close'. E Marlon Wayans (Tyrone), que só havia feito comédias teen, literalmente buscando o colo da mãe...

Em meio a riqueza de detalhes e variedade visual, o diretor conseguiu passar sua mensagem anti-drogas, mas mais do que isso, conseguiu fazer um filme inesquecível.