O
Invasor por Marcelo Silva Costa
24/04/2002
"Roqueiro
brasileiro sempre teve cara de bandido".
A frase cunhada por Rita Lee simbolizava um período em
que o rock no Brasil vivia nos subterrâneos da indústria,
brigando por espaço e reconhecimento. Os dois itens foram
conquistados nos anos 80, em que uma geração alcançou
as paradas de sucesso, fez história, loucuras e deixou
um espaço para os mais jovens, que ainda não descobriram
o que fazer com o território herdado. Mas o papo aqui
não é sobre rock brasileiro. É sobre cinema,
cinema brasileiro dos bons.
Por
que a introdução? Oras, porque a frase acima soa
perfeitamente adaptável ao bravo cinema brasileiro. Já
faz um tempo que as telas de cinema tem recebido obras geniais
assinadas por diretores brazucas. Mesmo assim, tirando um ou
outro título que consegue chegar a grande massa, o cinema
brasileiro parece caminhar nos subterrâneos da indústria,
como um patinho feio rejeitado pela própria família.
O velho ditado "santo de casa não faz milagre".
Ok,
se o santo não faz milagre em nossa casa, ele ilumina
a casa dos outros e volta feliz, sorrindo, aos nossos braços.
Bonito? Não. As coisas tinham que começar a ferver
aqui. Falta um reconhecimento para uma leva de filmes que nada
deve a muito cinemão hollywodiano porque vence no quesito
"inteligência". Mas é inegável que enche
os olhos ver o cinema brasileiro sendo reconhecido no exterior.
Um
dos últimos reconhecimentos do cinema brasileiro foi
conquistado por este O Invasor. O filme foi o vencedor
do prêmio de Cinema Latino-Americano da 20.ª edição
do Festival de Sundance (Amores
Possíveis havia trazido o mesmo prêmio
para o Brasil em 2001), um dos principais festivais independentes
do mundo. E, depois do sucesso de critica, agora é a
vez do público encarar essa excelente produção
de Beto Brant.
Brant
traz outros dois excelentes filmes no bolso: Os Matadores e
Ação entre Amigos. Nada de surpresas aqui,
ok. O Invasor conta a história de três amigos
de faculdade que, mais de quinze anos depois, dividem a sociedade
de uma construtora de sucesso. Os negócios seguem bem
até que Estevão (George Freire) desentende-se
com Ivan (Marco Ricca) e Gilberto (Alexandre Borges). Como a
grana envolvida é grande, o egoismo real dos dois últimos
planeja um plano fatal para o primeiro. Para o servicinho é
contratado um matador de aluguel. E aqui entra o titã
Paulo Miklos.
Estreando
na frente das telas, Miklos incorpora toda malandragem necessária
e constrói a perfeição o personagem Anísio.
Desde a primeira cena, em que só ouvimos a sua voz, até
a última, em que, de cara feia, ele encara um dos sócios,
Anísio é todo assustador. Suas falas, escritas
pelo rapper Sabotage, são a voz das bibocas de São
Paulo cobrando um lugar ao sol. O som, claro, só poderia
ser o rap pesado de bandas como o Pavilhão 9 e Tolerância
Zero.
Mas,
crescer os olhos em Miklos é desmerecer a atuação
magnifica de praticamente todo o elenco. Um dos grandes méritos
do filme é centrar-se em um time de primeirissima qualidade
que, além dos citados, ainda inclui Malu Mader, Chris
Couto e Mariana Ximenes, além do próprio rapper
Sabotage fazendo uma ponta.
O
resultado é claustrofóbico. Ao apropriar-se da
violência dos centros urbanos em que a máxima é
sempre passar a perna no próximo antes que ele passe
em você, Brant cria uma espécie de cinema verdade
que bate forte no estômago, azeda a boca e assusta tanto
quanto um moleque de 10 anos parado com uma pedra no sinal,
pronto para quebrar o vidro do seu carro, ou perceber que a
violência está tão próxima de nós
quanto de um dos jornalistas mais famosos do país que
se livra das estatisticas de morte por pura e suprema sorte.
A prisão é enorme e ninguém está
livre.
Por
mais que italianos, norte-americanos, franceses e outros tentassem
contar essa mesma história, provalvelmente poucos chegassem
a crueza e verossimilidade de Brant. E esse é um mérito
inegável que qualifica e engrandece O Invasor,
desde já um dos grandes filmes de 2002.
Com
Abril Despedaçado, de Walter Salles, que estréia
ainda em abril, o público tem dois grandes motivos para
prestigiar o cinema nacional. Beto e equipe fizeram o seu trabalho.
O filme é excelente. Agora cabe a você, caro leitor,
cumprir o seu papel. Já está mais do que na hora
do cinema brasileiro alcançar as paradas de sucesso,
fazer história, loucuras e abrir a porta para os mais
jovens e, sem trocadilhos, invadir todo o país. O momento
é esse. E é bom estar aqui presenciando o agora.
Assista,
sem susto. E cuidado nos sinais. :)
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