Ao vivo: Crumb encanta e hipnotiza no Cine Joia, mas público deixa a desejar

texto de Alexandre Lopes
fotos de Fernando Yokota

Em uma noite de sábado que concorria com shows do quilate de Lenny Kravitz, Lianne La Havas, Liniker e Frejat no Allianz Parque e Jorge Ben Jor no Espaço Unimed, a banda norte-americana Crumb conseguiu atrair muita gente ao Cine Joia. Com a apresentação inserida nas comemorações de 13 anos do local, esta foi a segunda vez que o quarteto gringo passou pelo Brasil – a primeira foi em 2022, na edição de 10 anos do Balaclava Fest, ao lado de nomes como Alvvays e Fleet Foxes. Mas será que a Crumb teria reputação para liderar uma apresentação solo em São Paulo frente a essas outras atrações?

A noite começou com a banda paulista Pluma, formada por Diego Vargas (teclado/sintetizadores), Guilherme Cunha (baixo), Lucas Teixeira (bateria) e Marina Reis (vocal). O quarteto trouxe um set com músicas de seu álbum de estreia “Não Leve a Mal” (lançado neste ano pelo selo Rockambole), apresentando uma mistura palatável e bem groovada de jazz, neo soul e indie rock psicodélico. A performance foi muito bem recebida, especialmente após uma apresentação ligeiramente frustrada em 2023, quando o grupo foi interrompido abruptamente na mesma casa durante o show de abertura para os ingleses do Black Midi. Desta vez, sem as imponentes torres de luz que prejudicaram seu tempo no palco anteriormente, a Pluma teve espaço para apresentar um set completo, com destaque para faixas como “Quando Eu Tô Perto de Você”, “Corrida!” e “Sem Você”, que teve um final bem marcante com a bateria de Lucas Teixeira.

Pluma

Enquanto a equipe de roadies preparava o palco para a atração principal, o baixista Jesse Brotter subiu rapidamente para conferir o seu equipamento e passou quase que despercebido pela maior parte do público, que parecia mais interessado em comprar cerveja, conversar ou procurar um bom lugar para assistir ao show que começaria em breve. Não é difícil imaginar que muitos ali talvez tenham conhecido a Crumb somente por meio de playlists automáticas em streamings como Spotify ou YouTube, sem nem ao menos saber como os membros da banda são fisicamente.

Por volta das 21h30, “Shahdaroba” de Roy Orbinson surgiu nos alto-falantes e serviu como introdução para que a Crumb assumisse o palco. Lila Ramani (vocais e guitarra), Jesse Brotter (baixo e vocais), Bri Aronow (sintetizadores, teclado, saxofone) e Jonathan Gilad (bateria) iniciaram sua apresentação com “AMAMA” e a partir dali o quarteto deu início a uma névoa agradável de indie pop, jazz e psicodelia que quase fez com que o público se deixasse levar totalmente por suas composições. Quase, porque infelizmente na plateia numerosa também havia uns mal-educados que pareciam ter pouco apreço pela experiência coletiva de um show. Cheguei a trocar de lugar três vezes, sendo perseguido por conversas paralelas, manés mais altos que trocavam de lugar sem ligar se estavam cobrindo a visão de outras pessoas e gravações incessantes de vídeos com celulares para seus imperdíveis stories do Instagram. Como se não bastasse tudo isso, uma dupla de playboys achou uma ótima ideia ficar gritando “maconha” e “drogas” no meio das músicas, arruinando qualquer imersão nas composições da banda.

Crumb

Mas descontando esses inconvenientes, a Crumb foi ovacionada várias vezes desde o início, com “AMAMA” mostrando que, apesar de tudo, havia sim uma boa parte do público em sintonia com a banda. Após a segunda música, Lila tentou se conectar com a audiência e, arriscando algumas palavras em português, disse: “Estamos muito felizes de estar aqui”. Curiosamente, sempre que a vocalista falava com a plateia, seu microfone tinha um efeito que distorcia sua voz, criando um tom mais grave e até mesmo robótico. Em certo momento, Lila soltou um “como vocês está?”, mas a maioria nem reparou na falha na concordância verbal. Pelo menos ela tentou, o que foi um gesto simpático.

Crumb

A performance da Crumb se destacou pela sutileza e atenção aos detalhes – especialmente pelo trabalho de Bri Aronow, que, além de dominar os teclados e sintetizadores, também brilhou no saxofone e, provavelmente, foi responsável por algumas bases pré-gravadas. Lila Ramani chamava atenção por ser a vocalista e alternar entre guitarra e synths, mas foi Aronow quem, sem dúvida, se revelou a alma da banda no palco, sustentada pela bateria firme de Jonathan Gilad.

Crumb

O público reagia à medida que as músicas foram se desenrolando. “BNR”, “Genie” e “Side by Side” foram destaques da noite com o público respondendo com palmas e cantando junto. “Ballon” e os singles “The Bug” e “Dust Bunny” também renderam bons momentos de dança e empolgação. O clima mais trance de “Crushxd” foi outro ponto alto, provocando uma espécie de transe coletivo no público, que parecia realmente se perder na música.

Crumb

Antes de “Trophy”, Lila Ramani foi novamente ao microfone, desta vez para se despedir: “obrigada, this is our last song”. Mas é claro que o público pediu mais, e a banda logo retornou. “Mais uma? Duas?” brincou Ramani. “OK, two”, respondeu, batendo o martelo sobre o bis. Após “Part III”, a banda finalizou com o hit “Locket”, que foi cantada com um coro espontâneo da plateia acompanhando a banda. E assim o show terminou às 22h47 e a banda deixou o palco aplaudida e ovacionada.

Crumb

Em uma avaliação geral, a Crumb mais uma vez provou ser uma das bandas mais interessantes da cena indie contemporânea. Sua habilidade em criar atmosferas psicodélicas e etéreas, combinada com a riqueza de suas composições, transporta os fãs para um universo sonoro – se este mesmo público permitir. A banda entregou o que se esperava dela: uma performance coesa, envolvente, com uma técnica refinada e uma produção impecável no palco (não se ouviu nenhuma microfonia tradicionalmente problemática do Cine Joia durante o show). Contudo, é importante lembrar que uma experiência de show só se completa quando os espectadores também contribuem para ela – algo que, infelizmente, foi comprometido em boa parte pela conduta de alguns presentes.

Crumb

– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br

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