Entrevista: aos 60, Fabio Massari não cansa de fazer coisas legais — e conta várias delas nessa conversa

entrevista de Leonardo Tissot

Ao longo da entrevista que você vai ler a seguir, uma das respostas mais repetidas foi: “Essa foi uma das coisas mais legais que eu fiz”. Rara unanimidade no jornalismo cultural brasileiro, Fabio Massari completou 60 anos no dia 20 de setembro com um festival curado por ele mesmo, o MassariFest, com shows de Devotos, Patife Band e Acid Mothers Temple, e muitos amigos apaixonados por música e barulho.

Apresentador dos melhores programas da MTV Brasil e autor de livros incríveis (tem até uma história em quadrinhos), Massari conta nesta conversa qual o primeiro disco que fez sua cabeça, por que não sente saudades da MTV Brasil, quem gostaria de ter entrevistado mas não conseguiu, por que não vai a megafestivais e, por fim, ainda indica um disco gringo e um álbum nacional, à moda “prediletos da casa”, para representar cada década de sua vida.

Hora de dar play nesses bons sons e ler a entrevista — uma das coisas mais legais que EU já fiz — até o final.

Massari, parabéns pelos 60 anos de vida e de bons sons. Pra começar, me conta como surgiu a ideia de celebrar essas seis décadas na Terra com o Acid Mothers Temple, o Devotos e a Patife Band.
Não sou exatamente um cara que comemora efusivamente aniversário todo ano. Mas algumas dessas datas mais redondas acabam se tornando motivo pra celebração. Há 10 anos, eu comemorei os 50 — estava passando uma temporada em São Francisco (EUA), então rolou uma festa lá e tal. Nos 60, pensamos em fazer uns eventos ao longo do ano junto com a Terreno Estranho, a editora pela qual lanço meus livros. A gente faz uns eventos da casa e bota um carimbo “Reverendo 60” — pra celebrar, pura e simplesmente. É mais uma desculpa pra fazer festa. A gente fez uma primeira no FFFront, que teve Paulo Beto e Rodrigo Carneiro, Giallos e Inocentes, foi muito legal. Aí, fizemos uma segunda festa na Fenda 315, com o Wry e o Sky Down. E tem mais festas desse tipo programadas pra esse ano — festas em clubes, com bandas amigas. No começo dessa história, entrou meu amigo de muitos anos, André Barcinski, que, entre outras atividades, organiza shows. E ele falou: “Cara, vamos fazer uma festa, vamos fazer um show, vamos fazer um festival. Vamos fazer um MassariFest”. O nome apareceu um pouco depois. Mas, desde o começo, ele encampou a ideia de fazer algo para o meu aniversário — e no dia do aniversário. E você sabe como, logisticamente, essas coisas não são simples, né? Então, teve um esforço dele e da Maraty, a empresa dele, em fazer o evento acontecer no dia do aniversário. E aí a gente foi pensando num line-up que seria legal pra essa festa. Ele falou: “Faz o que você quiser, a festa é tua”. Mas teve uma cumplicidade muito grande dele, que teve a ver com as bandas, especialmente os headliners. Aí a gente começou a pensar em quais bandas colocar no evento. A banda internacional, o Acid Mothers Temple, está na nossa lista desde o começo, mas a gente chegou a sondar um ou outro nome. Posso citar o Violent Femmes, que foi uma banda que a gente tentou. Mas o Acid Mothers Temple estava sempre ali. Em 2014, quando eu estava morando em São Francisco, fui a Austin, no Texas, pra ver o Austin Psych Fest (que no ano seguinte passaria a se chamar Levitation). Fui com alguns amigos, incluindo o Barcinski. E a gente viu um show histórico e espetacular do Acid Mothers Temple — banda com a qual eu já estava obcecado desde que eles surgiram, na segunda metade dos anos 90. E foi um show incrível, eles tocaram fogo no palco, uma loucura. A banda esteve aqui em 2017, tocaram no Sesc Belenzinho, e foi igualmente doido, embora num ambiente bem diferente. Foi muito impactante. E aí decidimos trazê-los. O legal é que a negociação é direto com a banda, não tem empresário, não tem frescura nenhuma. Pras bandas nacionais, a Patife estava desde cedo na nossa lista. Eu também adoro o Test, queria ter eles no show, mas eles estarão na Europa com o Deaf Kids. Com o Devotos são 30 anos de brodagem. Conheci eles em 1994, na minha primeira visita a Recife. Adoro os integrantes, adoro a banda, convivo com eles há bastante tempo, contar com eles vai ser muito legal. Então, fechamos assim. São bandas bem diferentes, mas que têm em comum a vibe da independência, de terem um som muito autoral, que você reconhece rapidamente. Já vi todos ao vivo e são incríveis.

Acho que dá pra traçar um paralelo entre essas escolhas e a sua passagem pela MTV — especialmente o Acid Mothers Temple representando o Lado B, e o Devotos mais ligado ao teu trabalho jornalístico de cobertura de festivais como o Abril Pro Rock e o Juntatribo nos anos 90.
No caso do Acid Mothers Temple, vê-los ao vivo é uma experiência à parte. Eles têm alguns “hits”, entre aspas, que reaparecem nos shows, mas muito à moda deles. E as performances são incríveis, com muitos improvisos e, ao mesmo tempo, um entrosamento nessa loucura. Tem um método ali, nesse rock psicodélico transcendente, viajandão, meio Hendrix, meio Zappa, meio King Crimson. E no caso do Devotos, a TV e o Abril Pro Rock tiveram uma relação muito intensa. A nossa chegada ao Recife foi importante pra cena e vice-versa, eles foram muito importantes pra gente também. Comecei a cobrir a partir de 1994, e acho que fui nove vezes pra lá. Começamos a cobrir toda a cena do manguebeat e acabamos por estabelecer uma amizade com todas as bandas. E era muito legal ver eles tocando em casa — Chico Science e Nação Zumbi, toda aquela primeira geração. E as bandas eram todas muito diferentes. Uma coisa meio CBGB — faziam parte da mesma cena, mas eram diferentes entre si. Chico Science, Mundo Livre S/A, Jorge Cabeleira, Faces do Subúrbio e o Devotos — na época, Devotos do Ódio. E ver os caras ao vivo lá era muito impressionante, porque a galera entrava em sintonia total com eles. Estive lá em 94 pra fazer a cobertura e, no dia seguinte, fui visitá-los no Alto Zé do Pinho, o que foi muito importante pra comunidade e também pra gente. Estive com eles na primeira vinda a São Paulo. Inclusive, passaram uma friaca aqui. E segue até hoje essa relação com a banda, sempre vou vê-los. Avisei: olha, vocês têm que estar aqui pra comemorar meu aniversário. Vai ser demais.

Agora, gostaria de fazer uma retrospectiva da tua carreira e desses 60 anos de bons sons. Primeiro, como é que começou a tua relação com a música? Teve algum disco específico que despertou o teu interesse? Era uma coisa de família ou partiu mais de você mesmo?
A coisa de família não foi intensa, não tinha coleções de discos. Mas tinha uma vitrolinha e uns sete polegadas em casa. Tinha uns sons italianos, uns sons brasileiros. Tinha as coisas brasileiras que ouvia em rádio e TV. Secos & Molhados certamente é uma das primeiras coisas que causou impacto pra mim. O meu primeiro autógrafo é do Wilson Simonal, peguei na praia. Eu tinha uns 10 anos, era bem criança. Mas eu decidi, alguns anos atrás, que o primeiro disco da minha coleção é um do Alice Cooper, o “Muscle of Love”, de 1973. Em 1974 ele veio pra cá e eu fiquei fascinado por aquela figura, com aquelas cobras, tomando não sei quantas latas de cerveja… Não tinha idade pra ir ao show, mas ganhei o disco. E esse disco foi realmente transformador pra mim. Despertou sentimentos que eu não sabia explicar, mas eu sabia que era um treco importante. Tinha um fascínio, um certo medo, era muito emocionante ouvir algumas coisas. Eu não entendia ainda as ferramentas, era só uma coisa de sensação mesmo. E esse é um disco incrível. A capa original foi censurada na época, vinha com um envelope. Era a banda na frente de uma boate, com roupa de marinheiro, contando dinheiro, tinha umas garotas… E, na parte de trás, eles estão todos arrebentados no chão, cheios de sangue e tal. E era muito fascinante como som também. Depois, eu fui redescobrindo a carreira do Alice Cooper desde o começo, quando o Zappa o ajudou, até outros discos. Mas esse continua fascinante pra mim, porque tem um pouco de tudo — o progressivo do período, o hard rock, o psicodélico. Ele está cantando pra caramba nesse disco. A Liza Minelli faz um backing vocal que é um treco muito louco. Então, ainda que já tivesse ouvido outras coisas, esse disco foi muito impactante pra mim. Esse e o primeiro do Secos & Molhados, que também vale mais ou menos o mesmo discurso. As músicas, a imagem, ainda que eu não entendesse muito bem — repito, eu tinha 9, 10 anos. E o Elvis foi o primeiro que eu tive vários discos, principalmente o Elvis dos anos 70. Ao vivo no Havaí, aquelas coisas. Só depois que eu fui descobrir o outro Elvis.

E a coisa do jornalismo, da informação sobre música. O que te levou para esse caminho?
Desde muito cedo eu passei a curtir a coisa de mexer nos discos, de ouvir as histórias. Gostava muito de ouvir rádio. Me lembro, na TV, de rápidos flashes do Big Boy, na Globo, nos anos 70. E do Nelson Motta, também na Globo, nosso primeiro “proto-VJ”, apresentando alguns vídeos de rock progressivo: Emerson, Lake and Palmer, Sparks e tal. Então, desde cedo eu desenvolvi um interesse por esse lado da comunicação. Fazia listas de filmes, atores e atrizes. A coisa chegou mais ou menos desse jeito.

E aí você foi estudar Rádio e TV.
Antes teve um período que eu fiz Engenharia. Parei em 84, dei um tempo ali e fui pra Itália (história que conto no meu livro “83/92: Um Álbum Italiano”, que saiu pela Editora Terreno Estranho). Depois, fiz Rádio e TV. E aí, no meio do curso, em 87, o Serginho Groisman, que era meu professor na faculdade, me indicou pra 89 FM. Comecei a trabalhar lá em outubro de 1987. Foi quando começou a carreira pra valer mesmo. Primeiro como estagiário, depois na produção. Passei a fazer algumas entrevistas. E fiquei na rádio até o meio dos anos 90.

Como foi a tua entrada na MTV? Foi indicado por alguém, participou de alguma seleção? Como rolou esse processo?
Cheguei por indicação de uma pessoa com quem trabalhei na 89, a Ione Sassa, que, por muitos anos, foi chefe de programação da MTV. Comecei a trabalhar nas internas, na programação, em fevereiro de 91. Algumas pessoas já me conheciam por causa do programa Rock Report — eu já tinha uns quatro anos de rádio. Comecei a trabalhar na programação, depois no T.A.R. (relações artísticas), fui assistente da diretoria. E, aos poucos, me chamavam pra trocar uma ideia ao vivo em alguns programas — principalmente a Astrid e o Gastão. E eu fazia a programação do Clássicos, do Lado B, da madrugada, Rock Blocks… A programação mais de rock, alternativo e tal. Até que um dia, o Thunderbird, que era o apresentador do Lado B, não apareceu pra gravar — uma história já bem conhecida. Aí o Titti, Victor Civita Neto, nosso chefe, falou: “Massa, vai lá e faz essa porra aí, meu”. Fui com a roupa que eu estava mesmo, de agasalho… Mas fui bem, não tive nenhum tipo de inibição. Já conhecia as pessoas, apresentava meu programa na rádio, já tinha feito entrevistas, então não tive esse tipo de dificuldade. Aí me deram o Lado B pra fazer, o programa que fiquei mais tempo fazendo, cerca de sete ou oito anos. Depois, comecei a fazer coberturas de eventos, entrevistas, porque já tinha um pouco mais de cancha de como fazer. Claro que TV é diferente de rádio, mas a experiência do ao vivo na rádio foi muito importante nessa fase.

Pois é, você ficou marcado justamente por muitos anos apresentando o Lado B. O quanto do programa foi inspirado no 120 Minutes da MTV americana e o quanto surgiu como algo original aqui do Brasil?
Esses programas de gênero existiam na matriz. O Headbanger’s Ball virou o Fúria Metal, tinha o Yo! e alguns outros. Depois também tivemos um programa chamado 121, apresentado pelo Thunder em externas e com uma programação estilo Lado B. Não tenho certeza se o nome veio também do 120 Minutes, mas a programação era similar. E o Lado B, sim, era o 120 Minutes, mas com outro nome. Tanto que usamos muita coisa do 120 Minutes: as performances ao vivo, muitas entrevistas feitas lá. Foi bem importante, era uma missão mesmo. O programa foi se desenvolvendo e a ideia era apresentar o maior número possível de bandas. E tinha a questão dos videoclipes, precisava ter a licença pra transmitir. Tinha um procedimento que às vezes emperrava um pouco, mas também deu pra passar bastante coisa.

Ao mesmo tempo que você fazia parte da MTV, sinto que você também tinha um lado crítico à emissora. Por exemplo, tocou o clipe de “MTV Get Off the Air”, dos Dead Kennedys. E em entrevistas, como a que você fez com o Buddy Guy, você perguntava sobre o perigo que o poder da MTV trazia… No papo com o Lou Reed também se falou um pouco sobre isso, e ele até faz uma crítica a respeito de como gravar um videoclipe custava o dobro do que custava fazer um disco etc. Fale um pouco sobre como você via esse poder da MTV na indústria. Isso te incomodava de alguma forma? Com o distanciamento de alguns anos, acha que a MTV fez mais bem ou mais mal pra música?
A MTV, principalmente aqui no Brasil, foi muito importante em muitos vetores. O desenvolvimento da indústria de videoclipes, obviamente. O relacionamento com gravadoras e com artistas. A MTV brasileira foi superimportante, não desmereceria de maneira alguma esse impacto. Ao mesmo tempo, no Lado B podíamos fazer algumas coisas diferentes. Virou quase um carimbo: “Lado B”. Eu trabalhava lá e tinha consciência disso, mas, ao mesmo tempo, tinha uma espécie de guerrilha interna. Eu podia fazer alguns questionamentos sobre a MTV para os artistas e colocar no ar. Pode parecer até uma besteira hoje em dia, mas colocar os Dead Kennedys tocando “MTV Get Off the Air” é algo que as outras MTVs do mundo não fariam na época. E pra gente era, tipo, “faz aí”. Tinha essa coisa de que a MTV era “o inimigo”, “a grande corporação”, mas estamos aqui pra subverter a máquina por dentro e tal. Ao mesmo tempo, eu e mais algumas pessoas ali tínhamos uma coisa de “vocês podem fazer o que quiserem”. “Ah, consegui o clipe proibido do Nine Inch Nails”. Aí era, tipo: “Tá, põe no ar, mas não avisa”. A gente tinha essa liberdade mesmo, inclusive de poder questionar a MTV no ar com os artistas. E era louco, porque você via que os artistas ficavam impactados ao perceberem essa possibilidade, e aí falavam abertamente. Então, a MTV Brasil sempre foi bacana nesse sentido de deixar a gente criticá-la, se fosse o caso, muito antes do Caetano pedir pra “botar essa porra pra funcionar” [Nota do editor: episódio famoso em que o compositor baiano reclamou do mau funcionamento do som durante apresentação do Video Music Brasil, em 2004].

Outro programa que marcou tua passagem pela MTV foi o Todos os Festivais do Mundo. Conta um pouco sobre como surgiu a ideia desse programa.
Esse programa foi provavelmente a coisa mais legal que eu fiz lá. Era um projeto que eu fiquei um tempo buzinando no ouvido das pessoas lá dentro. Até que chegou uma hora que acabou rolando. E, se não me engano, tinha um negócio de “precisamos de quatro cotas de patrocínio”, porque era uma equipe grande, de seis pessoas viajando… Quando conseguimos a primeira cota, que bancava tudo, “ah, tá beleza, para de encher o saco, vai lá e faz”. Então, a gente desenhou esse programa maluco de ir pros festivais. Equipe grande, com câmera pesada, áudio, produtor… Uma coisa impensável hoje em dia, mandar seis pessoas pra Dinamarca, depois pra Suíça, depois pra Califórnia, duas vezes pra Inglaterra… Foi um projeto incrível, a gente fez seis festivais. Sex Pistols no Finsbury Park, que foi a volta dos Pistols num pequeno festival. Depois Reading, Phoenix [ambos na Inglaterra], Paléo na Suíça, Roskilde na Dinamarca e Lollapalooza em San Jose. Foram seis pernas, e era uma loucura, porque a gente gravava os shows, entrevistava as bandas, corria de um lado pra outro. E foi interessante ver como as outras TVs trabalhavam. A gente trabalhava muito mais do que todo mundo. A MTV Europa gravava dois shows e duas entrevistas. A gente gravava nove shows e 10 entrevistas num dia. E foi legal ver esse trabalho reconhecido ali, muitas vezes em conversa com bandas, com empresários. O empresário da Patti Smith chegou pra gente e falou: “O que vocês quiserem fazer com a gente, é só chamar que a gente vai”. Pra mim foi uma das coisas mais legais mesmo, não só por poder ir a todos esses festivais, mas também por ver todo o funcionamento. Tinha acesso ao Vince Power, organizador dos festivais de Reading e Phoenix, oportunidade de trocar ideia com a Patti Smith, conhecer bandas… A gente estava no Roskilde, e o Nick Cave não ia dar entrevista pra ninguém naquele festival. Aí uma das produtoras do evento falou que a gente estava lá e ele veio na hora falar — a gente já tinha se cruzado antes. Passou o Warren Ellis, parceiro musical do Cave, na época com a banda dele, o Dirty Three. Aí o Nick Cave fala: “Pô, você devia estar entrevistando um cara como ele”. Aí falei: “Pô, já entrevistei” [risos].

E você ainda frequenta festivais de música, tanto no Brasil quanto fora? Qual sua visão sobre os festivais de música hoje? Ainda gosta do formato? Não acha que a coisa ficou comercial demais, com muitas ativações de marcas, preços exorbitantes etc.? O que te faz sair de casa pra encarar horas de shows?
Eu vou em alguns, de vez em quando. Não vou mais nesses megafestivais… Eu vou, eventualmente, no festival do Lúcio [Ribeiro], o Popload. O último festival legal que eu fui, e certamente um dos mais legais que eu fui na vida, é o Levitation, no Texas. Apesar de ser um festival do século XXI, é muito diferente dessa coisa das marcas. É bem low-profile, nesse sentido — numa fazenda, outro tipo de vibe mesmo. Eu sempre gostei mais de shows em clubes, lugares pequenos, teatros. Do Marquee ao Fillmore, da Funhouse à Fenda, ao FFFront e até o Audio. Eu prefiro ver show assim. Festival é uma outra experiência, então, hoje em dia eu prefiro um festival com essa vibe mais relaxada, ou ver show em clube. Tenho ido bastante nos clubinhos aqui de São Paulo, toda semana vou ver alguma coisa. Show pra 60, 80 pessoas. Vai ser difícil achar uma banda hoje em dia pra me tirar de casa e ir longe pra ver, num festival muito mega. E o primeiro festival que eu fui foi o Monsters of Rock, lá na Inglaterra, em 84, Castle Donington. Foi tão louco que eu pensei: “vou só de vez em quando”. Me concentro mais nos shows em clube e teatro, porque é outro tipo de apreciação.

Recentemente você e o Gastão lançaram um programa especial no YouTube, O Lado B da MTVê. Vocês contaram várias histórias incríveis ali, inclusive uma engraçadíssima sobre a esposa do Duff McKagan… Como foi resgatar essas memórias?
Ao longo dos anos, a única coisa que eu não curto muito quando o assunto é os tempos de MTV é a coisa saudosa. “Ai, como era legal, era tão bom”… As coisas são assim. Fiquei 12 anos lá, tive um milhão de experiências positivas. Mas era um ambiente de trabalho, então é óbvio que tinha problemas e coisas negativas também. Eu adoro contar as histórias mas, ao mesmo tempo, não tenho essa coisa chorosa. De vez em quando, vejo umas entrevistas e fico meio assim… “Eu estava lá e vi outra coisa” [risos]. Mas tudo bem. E o lance do programa com o Gastão foi um pouco isso também. Entre nós, sempre contamos histórias um pro outro. E chegou uma hora em que pensamos em jogar na mesa. Fazia 20 anos que eu tinha saído da TV, e ele havia saído há 25 anos. Então, decidimos juntar histórias, memorabilia que a gente foi guardando ao longo do tempo, e fomos contar nos programas. Foi muito divertido de fazer. E o resultado impactou muitas pessoas, de maneiras diferentes. Muita gente se identificou com algo naquelas histórias. Até eu acabei redescobrindo coisas com mais intensidade. Esse episódio do Guns N’ Roses a gente sempre lembrava, porque era algo muito peculiar. A gente no banheiro, com a mulher do cara… Mas não encontrávamos registros disso, até que o Gastão conseguiu num site gringo. E é o que as imagens mostram, aquela mesa comprida com a galera da banda num restaurante. E o bom de a gente relembrar disso juntos é que eu lembrava de algumas coisas, e o Gastão de outras. Eu mesmo não lembrava do Matt Sorum estar lá. Eu lembrava mais do Duff, que estava perto de mim. E aí tem esse episódio do banheiro… Como é que a gente falou? Um “chá de ervas daninhas”, “defumar o ambiente”, alguma coisa assim, pra não deixar tão escancarado [Na verdade, na série Massari se refere a uma “celebração em ritmo de Bob Marley”]. E aí ele aparece: “Hey, guys…”. E a gente lá, no banheiro com a esposa do cara [risos].

E como ficou a segunda temporada do programa? Ainda pode rolar?
A gente está de boa no momento. A gente curtiu muito fazer, o resultado foi muito legal de ver. E a gente chegou a rabiscar algumas histórias, daria pra fazer uma segunda temporada. Mas sem previsão e sem pressa também. O legal foi recuperar alguns materiais que eu nunca tinha visto, como uma entrevista que fiz com o Mark Knopfler, outra com o Marilyn Manson. E teve uma coisa que eu pedi e a gente não conseguiu, que foi a ida do Neil Gaiman à MTV. Isso foi em 94, 95, na primeira vez que ele veio pra cá, fazendo um lançamento pela Conrad. Falei com o Rogério [de Campos, fundador da editora Conrad]: “Dá pra mandar ele aí?”. Ele passou a tarde com a gente lá, apresentou clipe e tal. Mas era um programa desses diários, acho que era o Clássicos. Não era um programa especial. Então, acho que não deve ter ficado nada nos arquivos. Pra achar, só se alguém gravou em VHS em casa.

Já que você puxou o papo de quadrinhos, conta como surgiu o projeto da HQ “Malcolm” (Edições Ideal), na qual você e o quadrinista Luciano Thomé transformaram uma entrevista que você fez com o eterno empresário dos Sex Pistols, Malcolm McLaren, em uma graphic novel.
Essa também é uma das coisas mais legais que eu fiz. Foi logo depois da morte dele. Uma das entrevistas que eu tinha guardado — o registro bruto mesmo, em VHS — foi essa. E também a do David Gilmour e algumas outras, que na hora eu fui lá e gravei — até porque a TV apagava e reaproveitava as fitas. Você fazia uma entrevista de 50 minutos, usava só 10, e o resto era apagado. Mas eu sempre tive essa coisa dos registros, dos meus arquivos e tal. E por uma dessas maluquices, eu tinha ela transcrita no papel. Não sei como aconteceu um negócio desses. Depois que ele morreu, revisitei o material e falei: “Nossa, que entrevista louca, quanta informação tem aqui”. Pensei em fazer o quadrinho e chamei o Luciano Thomé, que fez uma pesquisa muito, muito profunda. Toda resposta que o Malcolm McLaren dá, ele foi atrás da imagem oficial. E é o tipo de entrevista que precisava virar um documentário ou um quadrinho, porque daria muito pra ilustrar a partir dos comentários dele. Gosto demais desse quadrinho.

E já pensou em alguma outra entrevista que poderia render uma HQ?
Pensei, mas não posso adiantar porque ela já foi e já veio algumas vezes. Mas é uma desse porte, gente grande e entrevista longa. Quase que rolou esse ano. Mas 2024 está muita loucura já.

Como é a tua relação com quadrinhos? Consome, coleciona?
Gosto, gosto bastante. Longe de ser um especialista. Gosto de coisas pontuais, específicas. Gosto muito do Bilal. Gosto de uns quadrinhos alternativos. Daquela galera do Nordeste lá, o Amaral, da revista Hipocampo. Moebius, Dionnet, essa turma. As grifes italianas, Crepax, Liberatore, Mattotti, Pazienza. E, claro, personagem de cabeceira, o bom e velho Dylan Dog!

Tem alguém que você gostaria de ter entrevistado, mas não rolou? Pode ser alguma história de entrevista que quase rolou mas foi cancelada em cima da hora, ou até mesmo alguém que nunca esteve perto de acontecer, mas você gostaria que tivesse acontecido…
Durante muito tempo queria ter entrevistado o Jerry Garcia, enquanto ele estava vivo. Mas a lista seria muito grande. No caso de entrevista que quase rolou, a primeira que me ocorre é a Debbie Harry, do Blondie. Sou muito fã da primeira fase da banda. Uma das minhas maiores coleções individuais de um artista é do Blondie — tenho muitos piratas, compactos, raridades. Sempre fui um entusiasta da banda. Em 96, a Debbie ainda não tinha voltado com o Blondie, e estava se apresentando em alguns festivais com uma banda chamada Jazz Passengers. Ela cantava alguns standards do jazz e algumas do Blondie, acompanhada por uma banda de jazz muito saxofonística, ou algo parecido. E era muito legal. Eles se apresentaram no Phoenix 96, que foi organizado pelo pessoal do Reading Festival. Os headliners eram Bowie, Björk, Neil Young, Sex Pistols… Mas apesar do gigantismo e da qualidade, esse festival não deu muito certo. No segundo palco, justamente, apresentavam-se os Jazz Passengers com a Debbie Harry. Estávamos lá por ocasião do Todos os Festivais do Mundo. A gente tentou, de qualquer maneira, fazer a entrevista. E, num primeiro momento, a assessora liberou. Eu já estava superanimado que ia conhecer a Debbie Harry, que eu acompanhava há tanto tempo. Mas aí começou o papo de “daqui a pouco vem”, deram uma enrolada. Até que falaram que seria melhor entrevistar outra pessoa da banda. E a gente ficou, “como assim?”, mas não teve jeito. Acabamos não fazendo a entrevista. E não foi de birra, e sim porque não teria interesse nesse material sem a Debbie falando.

E como foi a tua saída da MTV? Ficou algum sabor amargo nesse processo?
Minha saída foi muito redonda, no sentido de que eu pedi a conta, né? Eu entrei em fevereiro de 1991 e, em fevereiro de 2003, numa reunião para ver o que iria rolar no ano, acabei pedindo a conta. Estava um pouco cansado e me sentindo um pouco sozinho ali. Se a gente pensar nos primeiros anos de guerrilha interna e de acreditar na missão, era um período já de mudança de cabeça, digamos assim, da TV. A música era um pouco menos importante do que já tinha sido. Eu estava sem interlocutores, nesse sentido, lá. Eu era muito bem tratado, tinha o respeito da galera, fazia o Jornal da MTV, que era um programa muito bacana de fazer. Foi a última coisa que eu fiz. Depois do Lado B, veio o Mondo Massari, que foi um programa muito importante pra mim, porque levava meu nome e tal. E explorava a oportunidade de ter acesso às MTVs do mundo inteiro, passar clipe da Rússia, do Japão… Parecia muito fácil, no papel. Só que era difícil conseguir as licenças e tal. Mas foi muito legal de fazer, foram dois anos. Entrevistei Molotov, Control Machete… Às vezes vinha alguém tipo a Marianne Faithfull, John Cale. E aí, depois, fui fazer o Jornal, que foi legal também, porque durante muito tempo eu tinha a imagem mais ligada ao Lado B — apesar de ter feito entrevistas grandes, como Rolling Stones, Metallica, Cranberries, que abriam um pouco mais o leque. Então, entrevistei de Celly Campello e Itamar Assumpção a Sabotage e MV Bill. Foi muito legal fazer o Jornal por conta disso, ter a oportunidade de trocar ideia com artistas que, durante muito tempo, não que eu tenha evitado, mas que, em muitos casos, eu achava que outros apresentadores poderiam fazer entrevistas melhores. Pô, fui na casa do Itamar Assumpção, né, meu? Isso é uma coisa que me toca profundamente até hoje. Ele já estava doente. Foi sensacional estar perto dele. E eu não me considerava nem preparado pra trocar ideia com ele no mesmo nível, saca? Ele me tratou superbem. “Pô, Massarão, que bom que você veio aí”. Então, fechei ali com o Jornal. Mas já estava com 12 anos de casa, já tinha feito o rolê completo. A TV estava mudando um pouco de cabeça, pensando em outro tipo de programa, os musicais estavam perdendo um pouco a força. Acho que a TV não soube muito bem acompanhar a mudança de paradigmas, com a internet. A MTV tinha que ter chamado o jogo e falado: “Música? Deixa com a gente, a gente toma conta disso”. Mas aí, preferiram não fazer isso e fazer outro tipo de programa. Isso não é nem uma crítica. É fato, né? E, de lá pra cá, estou me dedicando aos livros. Também trabalhei na Oi FM e fiz um programa com o Lúcio Ribeiro no iG.

Recentemente foi lançado o filme “Aumenta que é Rock n’ Roll”, que conta a história da rádio Fluminense FM, “A Maldita”, no Rio de Janeiro. Acha que a história da MTV Brasil renderia um filme?
Um livro da MTV seria muito legal. Mas é uma tarefa complicadíssima. Pra você fazer um livro decente, escola Ruy Castro de biografia, você necessariamente teria que falar com um monte de gente e tal. Eu acho uma tarefa hercúlea e não vejo ninguém encarando isso no momento. Você pode fazer o seu livro, né? O Thunder fez o dele, o Zico Góes fez o dele. Agora, pra fazer um livro contando a história de 20 e poucos anos de uma TV como a MTV, com tudo que aconteceu, com as pessoas que passaram e as relações e tal, eu acho complicado. Mas adoraria ler. Um filme? É possível. Faz um corte ali… Mas, como entusiasta do formato, eu adoraria ler um livro. Seria muito bacana, mas acho difícil.

Está desenvolvendo algum projeto agora? O que podemos esperar do Massari nos próximos 60 anos?
Pros próximos 60 anos… [risos] Os últimos projetos que eu lancei foram o “Álbum Inglês” e o “Álbum Italiano”. Fiquei muito feliz de ter feito esses livros, adoro o resultado, também estão dentro das coisas mais legais que eu fiz. Eu tinha a ideia de continuar esse projeto dos álbuns, mas também tenho vontade de fazer outras coisas, quase sempre pensando em projeto de livro mesmo, que é o que eu acho mais legal. Queria publicar algumas coisas que não tem muito a ver com esse universo mais imediato de música e tal. Nesse universo dos bons sons também teria vários projetos, claro, mas nesse ano dos 60, estou deixando o barco correr por conta dos eventos e das festas, até pra poder pensar o que fazer aí pros próximos 60 anos. Os livros têm um ritmo particular, é difícil de ganhar dinheiro, mas é uma satisfação fazê-los. Então, a gente continua tentando.

Pra fechar, queria propor uma brincadeira. Você poderia recomendar um disco para cada década de vida? Pode ser o mais ouvido em cada década, o que mais curtiu, o que mais te marcou ou outra razão…
Até quando posso desistir e querer trocar tudo? No caso, são discos prediletos, gosto muito, ouço sempre e tal. Duas listas, então, nacional e internacional, pra facilitar.

Nacional – Playlist
– Gal Costa — “Gal Costa” (1969)
– Walter Franco — “Revolver” (1975)
– Vzyadoq Moe — “O Ápice” (1988)
– Júpiter Maçã — “A Sétima Efervescência” (1997)
– Os The Darma Lóvers — “Básico” (2002)
– Supercordas — “Terceira Terra” (2015)

Internacional – Playlist
– 13th Floor Elevators — “The Psychedelic Sounds of…” (1966)
– The Sensational Alex Harvey Band — “The Impossible Dream” (1974)
– The Fall — “Perverted by Language” (1983)
– Massive Attack — “Mezzanine” (1998)
– Mars Volta — “Frances the Mute” (2005)
– Baxter Dury — “Happy Soup” (2011)

– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo. Leia outros textos de Leonardo!.



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