Pavement, Chief Adjuah e Dinner Party fazem shows inesquecíveis no C6 Fest 2024

texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota

Não é o ideal, mas acontece muito: novos festivais sempre passam por diversas provações, seja em termos de curadoria, seja em termos de produção, até se estabelecerem encontrando tanto seu nicho quanto seu formato. Aconteceu com Planeta Terra e Popload, dois festivais específicos em curadoria, mas que foram migrando de lugar enquanto cresciam. Aconteceu com o Lolla Brasil, que sofreu duas edições no Jockey Club até firmar terreno no Autódromo de Interlagos – mas se encontra, agora, numa encruzilhada de curadoria. E está acontecendo com o C6 Fest, que apesar de ser erguido por uma turma experiente (Dueto, que fez o Free Jazz Festival e o Tim Festival, dos quais o C6 é o irmão mais novo), ainda não conseguiu imprimir uma personalidade.

Foto de Fernando Yokota

Isso ficou bastante explicito entre 17 e 19 de março (sexta a domingo), quando o festival ocupou o Parque do Ibirapuera pela segunda vez: se a primeira, em 2023, foi marcada pela confusão da venda de ingressos por espaços (uma prática que era recorrente no Tim Festival), modelo que foi parcialmente abandonado em 2024 (desta vez havia apenas dois tipos de ingressos: para os shows do Auditório, focados no jazz, e outro que servia para os dois espaços externos), a segunda enfrentou os desafios do parque, pois com o retorno da reforma da Marquise – parada desde 2019, mas autorizada em fevereiro de 2024 (ao custo de R$ 71,9 milhões) com duração de 16 meses – ficou impossibilitado o uso da mesma área de 2023, com uma praça externa chamada Village (desta vez inserida na Arena) e palcos próximos.

Foto de Fernando Yokota

O resultado foi um festival disperso, com dois palcos distantes que pareciam ser de dois festivais diferentes. Não só: isolado no Auditório, os shows de jazz também pareciam estar em outro evento. Faça o teste: procure resenhas que cobriram todo o evento e veja quantas delas citam os shows do Auditório. Sim, há a questão da variedade curatorial tanto quanto da limitação física, afinal são 800 pessoas no Auditório, 10 mil na área externa e 5 mil na tenda, mas a sensação era de que três eventos diferentes aconteciam no mesmo parque – tanto o Free Jazz Festival quanto o Tim Festival (que aconteceram no próprio Ibirapuera nos anos 00) amarravam melhor isso. Para complicar, a capacidade menor de um dos palcos fez com que ele fosse limitado até certa porcentagem de ocupação, e fechado no sábado após o set do 2ManyDJs, o que impossibilitou que muita gente – mesmo com ingresso em mãos – não pudesse ver Fausto Fawcett, que iria tocar uma hora depois, e temesse em perder os shows principais da tenda no domingo, algo que o público só descobriu na hora.

Foto de Fernando Yokota

Se a adaptação do festival ao local deixou a desejar, a curadoria, ainda buscando uniformidade, ofereceu uma série de shows inesquecíveis (notadamente um feliz Pavement e a série de shows de jazz), e muitos bons de assistir, mas que são mero passatempo (principalmente no sábado). O saldo, no final, foi positivo, pois quem estava lá e não acordou sorrindo na segunda-feira, precisa marcar um médico, mas um festival não se faz apenas de grandes shows (ainda que eles pesem algo em torno de 90%), o que nos deixa na torcida para que uma terceira edição consiga resolver a questão logística tanto quanto encontrar uma fórmula de amarrar os shows de uma maneira mais proveitosa: Noah Cyrus pós Jair Naves e Squid e pré Cat Power e Pavement deixou muita gente que queria ver Young Fathers infeliz, sendo que eles fariam total sentido no lugar dela (e ela no outro palco). Detalhes que a gente torce para que sejam resolvidos em 2025.

Daniel Santiago e Pedro Martins / Foto de Fernando Yokota

No quesito shows, a maratona – para alguns – começou na sexta no Auditório com a dupla formada pelo violonista Daniel Santiago e pelo guitarrista Pedro Martins num show delicado e intimista com muitos ecos de Clube da Esquina. Na sequência, o melhor show do primeiro dia: de volta ao Brasil, agora aos 86 anos, o saxofonista e flautista Charles Lloyd ofereceu uma daquelas apresentações que a gente gostaria que nunca terminasse, mas que quando termina lava a alma e nos faz perceber as coisas boas da vida. Após seus solos, emocionantes, Lloyd se sentava ao lado do piano e seu trio partia pra farra. Poucas vezes vi um quarteto se divertir tanto tocando junto. Por exemplo: no solo de Gerald Clayton ao piano, o baixista Reuben Rogers e o batera Eric Harland ficaram de olhos fechados, sorrindo e viajando. Que momento! Que show!

Charles Lloyd / Foto de Fernando Yokota

Jihye Lee foi a grata surpresa da noite. A maestrina sul-coreana regeu sua orquestra (e até cantou um tema!) que une 13 músicos nos metais (5 deles brasileiros acompanhando-a nessa noite especial) com um quarteto de jazz (Jared Schonig é outro batera fenomenal e tanto o guitarrista Alex Goodman quanto Matt Clohesy no baixo merecem destaque) tocando composições autorais, que flertam com o jazz tradicional, com a bossa nova, mas também trazem um pouco da música coreana num resultado que coloca um sorriso no rosto do espectador (“Infinite Connections”, seu recém-lançado novo disco, é uma delícia).

Jihye Lee Orchestra / Foto de Fernando Yokota

Para fechar a primeira noite, quem amou “Music for Black Pigeons” já sabia que um show de Jakob Bro não seria “normal”. Brilhante documentário (exibido no In-Edit Brasil em 2023) de dois diretores dinamarqueses que, durante 14 anos, testemunharam os encontros musicais de Jakob Bro no mundo do jazz conversando com várias lendas, “Music for Black Pigeons” foi honrado no palco com Jakob praticamente como um mestre de cerimônias criando ambiências com a pedaleira da guitarra enquanto o trompetista Arve Henriksen e o baterista Jorge Rossy desconstruíam sonoridades. Arve, que entrou de muletas, manipulava um fraseado do trompete em looping e, sobre a base, entortava tudo enquanto Rossy, de escovinhas, parecia tanto brincar quanto consertar seu kit de bateria num show de ambiências. Lírico e torto.

Jakob Bro, Arve Henriksen e Jorge Rossy / Foto de Fernando Yokota

O sábado de sol no Ibira começou com Cimafunk honrado o epiteto de James Brown cubano num show de muito suingue, dança, soul, funk e hip hop executado ao vivo por uma banda que não fica prostrada no fundo de palco, muito pelo contrário, divide por igual com o MC a tarefa de fazer o público – ainda não muito numeroso, mas facilmente disposto a – dançar no lado externo do Auditório, com uma sombra convidativa e aquele clima de parque ao ar livre que é uma delícia, ingrediente que só fez o show melhorar ainda mais.

Cimafunk / Foto de Fernando Yokota

Pouco depois, na tenda, Jaloo fez uma apresentação climática, com um público fiel cantado tudo. Mesmo quando Gaby Amarantos entrou em cena, a dupla apostou mais nos climas do que no sacolejo do tecnobrega e o show resultou bonito. E sobrou um delicado tapa com luva de pelica na cara daquele festival que acha que artistas nortistas não fazem parte do país: “Nada como o Norte no palco, né galera”, disse Jaloo. “Porque se não tem Norte no palco não dá pra dizer que é um festival de música brasileira”, emendou Gaby Amarantos, maravilhosa!

Gaby Amarantos e Jaloo / Foto de Marcelo Costa

Falando na nação, vestida de bandeira do Brasil, com os 26 estados mais o Distrito Federal abrigados nas nádegas, a nigeriana Ayra Starr mostrou seu corpo de baile, muita dança e um sotaque afro levemente soterrado em remixes e beats rápidos que, muitas vezes, soaram mais do mesmo sabor pop de sempre. Não convenceu, ainda que alguns tenham se jogado na “pista” de grama. Ok, ela ainda tem 22 anos e muita estrada pela frente, e o show reflete tanto essa inexperiência quanto essa falta de personalidade musical, algo que facilmente pode se resolver no futuro, mas que no C6 passou batido.

Ayra Starr / Foto de Fernando Yokota

Daria para ter usado o termo “derivativo” no parágrafo anterior? Daria, mas seu uso cabe muito mais bem atrelado ao show de Romy, que, celebrando sua liberdade fora do The XX, empilhou um monte de clichês eletrônicos e os jogou na pista para que todos, inclusive ela, se divirtissem. E funcionou! O show foi quente, dançante, alegre, festeiro, mas esquecível, aquele tipo de apresentação que você se joga por uma hora como se ela fosse durar a eternidade, e que quando acaba você sorri e parte pra outra sem olhar pra trás. No caso da Romy, melhor olhar pra frente: estamos esperando disco novo do XX, viu.

Romy / Foto de Fernando Yokota

Surpresa, surpresa mesmo foi acompanhar Raye, a jovem cantora britânica de 26 anos e sotaque delicioso desfilar histórias sobre corações despedaçados, ostras, vômitos, vinho tinto e maconha – não necessariamente nessa ordem – enquanto introduzia algum r&b e new soul grudentos. A marca de Amy Winhouse é inevitável e existem 193 artistas iguais no Reino Unido querendo o posto vago, mas Raye parece mesmo uma rara artista “de verdade” (ô termo batido) num monte de tantas wannabe. A primeira parte do show, mais focada nas canções, foi excelente – aparentemente, a segunda parte, que trouxe os hits de streaming com batidas programadas, foi celebrada pelo público, mas era hora de dançar em outro palco.

Raye / Foto de Fernando Yokota

Um termo que quase todo mundo usou para definir o show do Soft Cell foi… “datado”, como se isso fosse problemático. Bem, quase sempre é, mas no caso do projeto do vocalista Marc Almond com o instrumentalista Dave Ball ninguém espera atualidade (se nem Ayra Starr e Raye primam por isso) e a coisa toda funciona – se você estiver a fim que funcione, claro. Para isso é preciso que você tenha dançado singles como “Torch”, “Say Hello, Wave Goodbye” e, mama mia, “Tainted Love” alguma vez em algum inferninho para ser transportado para a época e vivenciar, novamente, aquela memória. Foi uma festa 40+ datada sim, mas bem divertida, com Marc Almond exibindo uma voz cristalina.

Soft Cell / Foto de Fernando Yokota

Você gosta de Black Pumas, certo? Humm… Os caras arrastaram uma multidão para a arena do Auditório, e o público parece ter tanto amado o show quanto ignorado as pescadas que o jornalista dava entre uma música e outra – segundo o Data Scream & Yell, seis pessoas acharam que o ronco do profissional fosse um solo do baixista. Sabe aquelas bandas que existem para quem gosta de ouvir música fazendo outra coisa? O Black Pumas soa ter sido criado buscando esse nicho. O show foi chato, mas a galera saiu amarradona: 5 mil pessoas contra 1, escolha seu lado (Ps: quantos ali conhecem a versão original de “Fast Car”, one hit wonder de Tracy Chapman?).

Black Pumas / Foto de Fernando Yokota

Para acordar, nada como a injeção de adrenalina de um set do 2ManyDjs, dois caras que fizeram uma tenda inteira pular quase as quatro da manhã num Tim Festival do começo do século – quando suas mixtapes, inclusive, eram ainda mais interessantes que o material novo – e repetiram a audácia, só que às 21h de um sábado e com projeções divertidíssimas. Quer uma ideia do que foi o set? Os caras começaram remixando “Roots Bloody Roots”, do Sepultura, passaram por Technotronic (“Pump Up the Jam”, óbvio) e New Order (os bumbos de “Blue Monday” foram comemorados como quase um gol na tenda) e mostraram quase uma dezena de remixes próprios (para nomes como Wet Leg e Rosalia). Melhor show (no conceito de apresentação mesmo) do sábado. E te dizer que o de 2004 foi ainda melhor… Resume o sábado.

2ManyDjs / Foto de Fernando Yokota

Já o domingo nasceu com jeitão de dia imperdível tanto para o fã de música quanto para aqueles que gostam do Ibirapuera. Solzão a pino, 32 graus de temperatura nos relógios, muita gente se exercitando nas áreas do parque e muita família passeando que, provavelmente, não tinha a mínima ideia do que era e oferecia o festival – e assim como o C6 esgotou os ingressos dos shows no Auditório tanto na sexta quanto domingo (mas não os da Arena), o Planetário (quase ao lado de onde foi colocada a Tenda do festival) estava sold out em suas apresentações para ver estrelas no domingão a tarde.

Foto de Fernando Yokota

Jair Naves foi escalado para abrir o dia na tenda e, quem conhece sabe, ele não é de desperdiçar oportunidades: seja em um pequeno estúdio paulistano, seja solo num festival indie alagoano ou rondoniense, ou mesmo num evento badalado como o C6, a entrega de Jair é sempre a mesma, é sempre intensa. Mas dá pra cravar que o sarrafo subiu mais um pouco, pois com um som potente e cristalino oferecido para sua banda, Jair fez uma das melhores apresentações de sua carreira passeando por sua discografia com um peso impecável deixando um pouco de lado a sonoridade oitentista e se aproximando do noise em vários momentos, para delírio geral, como na letrada “Pronto Pra Morrer (O Poder De Uma Mentira Dita Mil Vezes)”. Foda.

Jair Naves / Foto de Fernando Yokota

Na sequência, e no mesmo palco, surgiram os ingleses do Squid. O show começou meio caótico, meio dançante, com o single “Swing (in a Dream)”, do bom álbum “O Monolith” (2023), e a banda emendou a cadenciada “Undergrowth”. Quando o público estava entrando na vibe do quinteto, porém, veio a inédita “Leccy Jam”, uma jam session psicodélica que poderia até funcionar no lugar certo e no horário certo (um local pequeno, escuro e enfumaçado), mas que no começo de uma tarde de sol serviu para desconectar parte dos presentes (alguém lembra quando o Phoenix, com o show na mão, fez a mesma coisa num Planeta Terra?). Eles não se deram por vencidos, e correram atrás do prejuízo após o gol contra, com a tríade “Paddling”, “Pamphlets” e “The Blades” fechando um bom show – que poderia ter sido ainda melhor caso a banda não tivesse desperdiçado quase 10 minutos preciosos de uma apresentação de 50…

Squid / Foto de Fernando Yokota

Na Arena do Auditório tinha o interessante projeto de hip hop Paris Texas e, na sequência, o Baile do Cassiano, com o produtor Daniel Ganjaman regendo Preta Gil, Liniker, Luccas Carlos e Negra Li num show em homenagem a um dos grande soulmans da música brasileira, mas o fantasma da lotação da tenda assombrou muita gente – se você saísse para ir à Arena e, quando voltasse, a tenda estivesse lotada, iria ficar de fora dos shows seguintes – que preferiu encarar Noah Cyrus, irmã de Miley, garantindo lugar para os shows disputados de Cat Power e Pavement na sequência. Noah fez um show “simpático”, mas deixou a sensação de que poderia ter vindo pra qualquer outro festival sem graça (tipo um Lolla ou Rock in Rio) a ocupar espaço disputado num line-up de “curadoria atenta” – em teoria – como o C6. Muito sobrenome, pouca verdade.

Noah Cyrus / Foto de Fernando Yokota

Verdade é, aliás, algo que Cat Power transpira. A cantora outrora arredia em cena deu lugar a uma performer elegante e carismática que, acompanhada por uma banda poderosa, só tem a oferecer grandes shows. E de posse de um grande disco/show do gênio Bob Dylan em mãos (você já leu a história toda aqui), não tinha como não ser especial. A única questão, porém, é que para adequar a apresentação de 98 minutos aos 60 minutos concedidos a ela pelo festival (chega a soar bizarro contratar uma obra artística e expor só parte dela), Cat precisou cortar canções e esse foi o único defeito do show, que começou com as sublimes “It’s All Over Now, Baby Blue” e “Tambourine Man” na parte acústica e trouxe as poderosas “Ballad of a Thin Man” e “Like a Rolling Stone” (sem grito de Judas) no trecho elétrico. Um show para ser visto completo num lugar adequado: sentado em um teatro como o Royal Albert Hall, mas que encheu de beleza a tarde azul de São Paulo.

Cat Power / Foto de Fernando Yokota

Fechando os trabalhos na tenda, um Pavement feliz entrou em cena dedicando o show para a produtora mineira (e fã da banda) Fernanda Azevedo, que faleceu horas antes de embarcar para São Paulo e ver a banda ao vivo. Com esse recado emocional para uma plateia que trazia dezenas de amigos de Fernanda (a comunidade indie brasileira é uma kitnet: todo mundo se conhece e se esbarra andando nesse diminuto espaço de amor por música “estranha” – posso usar música “de verdade” novamente?), o Pavement fez um daqueles shows absolutamente perfeitos no quesito Pavement de perfeição: desengonçado, deslocado, sarcástico e guitarreiro, com o guitarrista e vocalista Stephen Malkmus não contendo sorrisos desde o primeiro coro do público e o percussionista Bob Nastanovich divertindo a todos com seu jeito bonachão.

Pavement / Foto de Fernando Yokota

Pavement só não foi perfeito porque foi curto demais, uma sensação de coito interrompido que ganhou ares de decepção devido ao desencontro entre a expectativa do público e a falta de informação de começo e término dos shows pela produção do festival. Explico: no sábado começou a circular a fofoca de que o Pavement faria em São Paulo seu show de despedida, encerrando a turnê com um show de 150 minutos de duração (duas horas e meia). O público, avido para cantar tudo, se revoltou quando a banda saiu de cena com 20 músicas e menos de 90 minutos de apresentação, muito provavelmente respeitando a agenda de horários do festival (que já havia mutilado o show de Cat Power). De alma lavada, o público queria mais e mais e mais. Mas ninguém pode negar: o Pavement fez um showzaço e tem gente vivenciando aquele tipo de felicidade rock and roll que pode atravessar meses, quiça anos. Obrigado, Malkmus e amigos, obrigado.

Acabou? Que nada. Algumas lendas do jazz iriam pisar no palco do Auditório Ibirapuera para cerca de 800 sortudos (apesar de sold out, o auditório não ficou plenamente ocupado no domingo, com vários espaços vagos) e a noite inesquecível seguiu com a jovem trupe do trompetista e multi-instrumentista Chief Xian aTunde Adjuah entregando uma apresentação absolutamente catártica do que Adjuah não chama de jazz, mas sim de “stretch music” (nome de seu disco de 2015), um estilo que parte do jazz para tentar abraçar o maior número possível de formas musicais e linguagens culturais do mundo. “A ideia não é resumir, mas ampliar”, explica Chief, que abre o show tocando, em duas músicas, um instrumento com arco e n’goni que ele próprio criou inspirado na cultura africana de New Orleans. É de arrepiar.

Chief Adjuah / Foto de Marcelo Costa

Na sequência, ele se reveza entre o flugelhorn reverso e o trompete acompanhado de uma banda de músicos jovens extremamente talentosos. O baixista Ryoma Takenaga tem apenas 19 anos… e é um monstro. Cecil Alexander é um guitar hero da escola Jimi Hendrix. Sobre o baterista californiano Ele Howell, uma história: “Quando ele tinha seis anos, me disse: ‘Quero tocar na sua banda!’. E eu respondi: ‘Então vá estudar e, quem sabe um dia, eu deixe você tocar numa passagem de som’”, conta Chief no Auditório. “Ele passou os 10 anos seguintes estudando 8 horas por dia… e hoje está aqui, aos 25 anos, e é um mestre”. E Chief não exagerou. O show foi denso, tenso, deliciosamente barulhento com Chief emocionando nos sopros.

Para fechar a maratona do fim de semana, uma celebração: Dinner Party, congregação que une o pianista e tecladista Robert Glasper, o saxofonista Kamasi Washington e o multi-instrumentista Terrace Martin. O som é suave, leve, uma celebração desencanada da amizade como foco em r&b e jazz. Não à toa, Terrace circula por todo o ambiente brincando com todos os músicos, apresenta o guitarrista brasileiro, radicado em Los Angeles, Carlinhos Rocha, que tocou o Hino Nacional na guitarra, convida o amigo James Fauntleroy sarreando na apresentação: “Ele já fez uns trabalhos ae com umas pessoas que talvez vocês conheçam… Bruno Mars, já ouviram ele?” Glasper entra na onda: “Justin Timberlake?” A lista segue citando Rihanna, Grammys e muito blá blá blá para pouca música. Porém, no momento que o grupo engata a sexta marcha, como no número abaixo, se faz necessário agradecer por estar vivo diante dessas lendas. Um show tão incrível que acabar a 1h20 da madrugada de domingo para segunda-feira foi só um detalhe…

Encerrada sua segunda edição com três shows inesquecíveis seguidos, o C6 Fest demonstra que tem cacife para se fixar no calendário como um dos grandes eventos musicais do ano no país (como foram Free Jazz e Tim Festival). Para isso, a curadoria para pop e rock e afins precisa ser tão cuidadosa quanto a de jazz, focando na música e não na tentativa de seguir modismos – já tem muita gente oferecendo esse (des)serviço no mercado. Num momento em que a bolha de shows parece ter estourado e que o futuro de festivais queridos pelo público indie (Popload e Primavera Sound) parece incerto, o que a gente pode desejar agora é: C6 Fest, vamos nos encontrar em 2025 novamente? É um “date” que realmente vale a pena.

TOP 5 – SHOWS – C6 FEST

Anderson Foca (Do Sol)
01) Squid
02) Pavement
03) Raye
04) CimaFunk
05) Paris Texas

Bruno Capelas (Scream & Yell / Programa de Indie)
01) Pavement
02) 2manydjs
03) Jair Naves
04) Squid
05) Raye

Fernando Yokota (Scream & Yell / Whiplash)
01) Squid
02) Pavement
03) Jair Naves
04) 2manydjs
05) Romy

Marcelo Costa (Scream & Yell)
01) Chief Adjuah
02) Pavement
03) Dinner Party
04) 2manydjs
05) Jair Naves

Marco Antonio Barbosa (Borealis / Telhado de Vidro)
01) Pavement
02) Cat Power
03) Soft Cell
04) 2ManyDJs
05) Jair Naves


– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br

3 thoughts on “Pavement, Chief Adjuah e Dinner Party fazem shows inesquecíveis no C6 Fest 2024

  1. O show foi chato, mas cinco mil pessoas pensam totalmente o contrário. Talvez essa seja a grande questão das resenhas críticas: deixar o gosto pessoal se sobrepujar a realidade ao redor. É como se eu, por não gostar de João Gilberto, dissesse “esse cara não presta”.

    1. Lógico, Ismael, o fato de 5 mil moscas comerem merda torna a merda palatável. Críticas não são assinadas à toa, caro sábio. Elas são assinadas para mostrar que por trás daquele texto tem alguém refletindo aquele tempo/espaço que está em discussão. Não importa se 72 mil pessoas acharam o show do Coldplay impecável: a função do crítico é olhar aquele espetáculo e, com seu universo de referências, tentar traduzi-lo de uma maneira isenta. Não importa se 5 mil pessoas gostaram do show do Black Pumas. Era uma anedota, sarcasmo para contrapor esse pensamento tacanho silencioso que você fez o favor de expor, pois o fato da Jovem Pan ter milhões de ouvintes não torna a rádio melhor, o fato de centenas de best sellers de auto-ajuda venderem muito não o tornam melhores, o fato de 5 mil pessoas gostarem de algo não torna esse algo melhor. Mas isso, claro, vai das referências, da bagagem que cada pessoa tem. Tem gente que gosta da Jovem Pan, de livros de auto-ajuda e do show do Black Pumas. Eu não.

      Que João Gilberto não se revire no túmulo.

  2. Primo texto, no dia 03 do festival comentei com minha esposa que a Noah Cyrus ñ deveria estar naquele palco, Young Fathers ficaria bem melhor ali.
    Gostei bastante do show da Pavement, também achei ele curto assim como a da Cat Power.
    Fiquei mto feliz de ver que a primeira foto da matéria são minha esposa e eu assistindo ao show do Jair Naves que até tive oportunidade de conversar ao final do show da Pavement.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.