texto por Luciano Ferreira
Formada na metade da década de 80 na cena de Los Angeles, lar de bandas como X, The Germs e Gun Club, mas à época dominada pelo glam metal de Poison e Warrant (chamadas pejorativamente de “metal farofa”), a L7 – tendo à frente as guitarristas, vocalistas e compositoras Donita Sparks e Suzi Gardner – trilhou por um caminho mais voltado para o “do it yourself” do punk rock agregando um lado mais pesado (a lá Motorhead) com direito a solos de guitarra relativamente simples. Após entradas e saídas diversas, as coisas só viriam a acontecer pras californianas após a efetivação de Jennifer Finch (baixo) e Demetra “Dee” Plakas (bateria).
Com um repertório construído de composições rápidas, curtas e agressivas, de autoria das duas guitarristas, que logo ganharia o reforço de Jen, o grupo começou a chamar a atenção no circuito independente com seu primeiro e homônimo álbum, lançado em 1988 pelo selo Epitaph. Estranhas no ninho da cena local e percebendo um “clima” mais favorável em Seattle, o L7 deslocaria sua base para a cidade que viria a se tornar o berço do grunge, sede da gravadora Sub Pop, responsável por lançar os trabalhos das bandas. Lá o grupo encontrou um ambiente mais receptivo em diversos aspectos: “Seattle estava pegando fogo. Havia uma energia especial lá. Eram muito mais progressistas que em Los Angeles. Era muito diferente… Fomos aceitas como uma banda de rock de verdade”, declararia Donita anos depois no documentário “Pretend We’re Dead” (2016) – disponível no final do texto, legendado.
As canções comandadas por riffs poderosos de guitarra aliadas a uma cozinha potente e a uma postura de palco avassaladora, despejando doses generosas de distorção em apresentações enérgicas e impressionantes, eram a combinação perfeita e necessária num momento em que a música alternativa borbulhava. A Sub Pop gostou e as convidou para participarem do clube de singles da semana. Na sequência, a proposta para o lançamento do mini álbum “Smell The Magic” (1990), produzido (como sempre) de forma bastante despojada por Jack Endino, e chave para abrir várias portas para a banda.
Quando iniciaram o ciclo para as gravações de “Bricks Are Heavy” (1992), seu terceiro álbum, as perspectivas era de a banda crescer mais ainda, pois havia assinado com a famosa Slash Records, selo com foco punk responsável por discos icônicos do Violent Femmes, Grant Lee Buffalo, X, Germs e Faith no More, que, na época, tinha sido adquirido pela London Records com distribuição na América do Norte pelas gigantes Warner / Reprise e no resto do mundo (Brasil incluso) pela major holandesa Polygram. A meta era lançar um disco que fizesse sucesso e vendesse bem. Isso explica a escolha de Butch Vig para a produção, já que ele havia trabalhado no estourado “Nevermind’ (1991), do Nirvana, e, de repente, se tornou o “produtor do momento”.
Gravado entre 91 e 92 no Smart Studios e Sound City Studios e lançado em 14 de abril de 1992, “Bricks Are Heavy” mostra uma banda com uma sonoridade menos despojada e bastante acessível se comparada com o lado mais garageiro dos trabalhos anteriores. A produção de Vig, em um padrão bem semelhante ao de “Nevermind”, dá uma limada no barulho (mantendo distorções controladas) e retira o peso da cozinha, resultando em arranjos mais clean, e uma cara mais acessível, ao mesmo tempo em que dá maior corpo ao som. Além disso, realça tanto os vocais quanto os backings (agora mais adocicados e presentes). O resultado é uma polida considerável no lado mais esporrento do grupo, e a acentuação de um lado mais pop punk.
“Bricks Are Heavy” abre com a ácida “Wargasm” que se já deixa evidente as mudanças no som, mantém a acidez lírica intocada. Cantada por Donita, a letra critica a obsessão e uma espécie de prazer do povo e dos políticos norte-americanos pelo lado bélico, daí o trocadilho com as palavras “war” e “orgasm”: “Sacos para corpos e bombas caindo / O Pentágono sabe como nos excitar / Wargasm, wargasm, um, dois, três / Pessoas, pessoas, êxtase / Agite essas bandeiras no ar / Enquanto isso acontece lá”. A faixa é só um exemplo da postura política do L7, que desde o início teve um posicionamento claro contra o machismo e a misoginia reinante na cena musical, rejeitando inclusive o termo “banda de garotas”, e lutando pela igualdade e direitos femininos – até criaram o Rock for Choice, em defesa dos direitos das mulheres, inclusive em relação ao aborto. A faixa “Fast and Frightening”, por exemplo, de “Smell the Magic”, foi a rejeição veemente ao uso corriqueiro e machista do termo “garota com culhões”, usado para definir garotas com atitude: “Ela tem tanto clitóris que não precisa de bolas / Ela é rápida, ela é magra / Ela é assustadora”.
“Pretend We’re Dead”, primeiro single do disco e o grande hit do L7 (com rotação gigante na MTV e posição número 8 na parada de rock alternativo da Billboard), evidencia a busca pelo lado mais acessível e mostra as mãos de Vig direcionando nesse sentido. As apostas na canção foram enormes. Para o videoclipe, foi feita uma superprodução como nunca antes na história da banda, algo que desagradou Donita, que sentiu “perder o controle sobre o processo criativo”. Além disso, houve um incidente bem assustador com Suzi, com a queda de um globo que atingiu a cabeça de raspão. Trata-se de uma canção com riff e refrão grudentos, a produção usa de alguns artifícios, como o efeito de trêmolo na guitarra e os vocais de Donita em primeiro plano, além de apostar na repetição. A faixa explora recursos de estúdio que viriam a ser utilizados na futura banda de Vig, o Garbage. Donita pretendia compor uma canção de amor, acabou falando sobre a apatia que se abateu sobre a população na era Reagan/Bush, daí a frase “finja que estamos mortos”: “Quando fingimos que estamos mortos / Quando fingimos que estamos mortos / Eles não podem ouvir uma palavra que dissemos / Quando fingimos que estamos mortos”.
“Scrap” mostra o lado mais pesado do quarteto, com riffs gravíssimos e bem próximos do metal relativamente suavizados pela opção em “botar para dormir” o monstro sonoro que a banda traz dentro de si, além de usar um efeito estilo rádio FM no vocal. Esse lado mais pesado até dá uma acordada na arrastada e densa “Diet Pill”, que traz uma letra repleta de ironia crítica a busca pelo “corpo perfeito” ou a ditadura da beleza. Diferente da densidade lírica presente em muitas das bandas enquadradas como grunge, as letras do L7 (principalmente de Donita) são uma mistura de crítica ácida, ironia, humor negro e certo sarcasmo. “Diet Pill” tem um pouco disso tudo: “Eu acho que o inchaço está passando / Eu disse que eu acho que o inchaço está passando / Duzentos dólares para deixar esta cidade”.
Com as composições seguindo o padrão de divisão dos outros discos, entre o trio Donita, Suzi e Jen, o álbum mostra uma maior diversidade de estilos, sendo possível encontrar, para além das influências usuais, elementos de rockabilly em “Mr. Integrity”, onde a banda acrescenta uma percussão e certo balanço, enquanto na letra Donita pede que “O senhor Integridade não pregue para ela”. “This Ain’t Pleasure” tem pegada próxima da surf music e é uma das quatro faixas cantada por Suzi, com seu característico vocal rascante e agressivo. Ela também canta em “Slide” e “Monster”, outro dos singles retirados do disco, junto com “Everglade”, das melhores faixas do álbum – em que Jen assume os vocais -, juntamente com “Shitlist”, declaração “carinhosa” para aqueles que se quer ver bem longe: “Quando eu fico louca e perco a cabeça / Eu pego meu lápis e escrevo uma lista / De todas as pessoas que eu não sinto falta / Você faz parte da minha lista de merda”.
Com 30 anos desde o seu lançamento, “Bricks Are Heavy” continua soando um álbum bastante atual tanto nos aspectos técnicos de produção quanto nas mensagens das letras e na sonoridade. Não vendeu tanto quanto banda e gravadora esperavam (bateu apenas na posição 160 dos charts da Billboard) apesar da repercussão provocada ao redor do mundo.
Graças ao disco, o L7 conseguiu romper as barreiras para além do continente. A apresentação poderosa no Hollywood Rock 1993 (na integra no final do texto), em São Paulo e no Rio de Janeiro, na mesma noite do Nirvana, tocando para um público de milhares e o assédio dos fãs no país (e em países como Japão, México e outros), demonstram o quanto a banda conseguiu admiradores de sua música e atitude, marcada pela convicção firme em sua postura dentro e fora do palco e sem fazer concessões. Embora seja comum a associação com o grunge e com o movimento riot girl, o grupo nunca se associou a nenhum dos dois. Mais importante que isso é que deram seu recado musicalmente e em termos de posicionamento e luta pelos direitos femininos numa indústria marcadamente machista e sexista.
Após dar uma pausa na carreira em 2001, o grupo voltou a se reunir em 2014 e, desde então, está na estrada, tendo vindo ao Brasil em 2018 e lançado um álbum de inéditas, “Scatter the Rats”, o primeiro em 20 anos, em 2019. Se “Bricks Are Heavy” não é o álbum que “berra” mais alto numa discografia de sete discos, é o que conseguiu levar a banda mais longe e com mais canções memoráveis. Segue como um dos grandes e influentes álbuns da década de 90, conciso e preciso em suas 11 canções.
– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.