por Marcelo Costa
Entre 2008 e 2009, um grupo de jovens classe média de cidades vizinhas a Los Angeles praticou uma série de roubos incomuns: eles entravam na casa de famosos como Lindsay Lohan, Paris Hilton e Orlando Bloom para roubar… roupas. Não roupas comuns, mas peças de grifes famosas que os artistas desfilavam em premiações e festas ao redor do mundo. Além de assaltar o closet dos famosos, a trupe juvenil levou relógios Rolex, bolsas Louis Vuitton, perfumes Chanel, joias, quadros e dinheiro causando um prejuízo de cerca de 3 milhões de dólares nas contas de seus ídolos.
Escalada para cobrir o caso para a revista Vanity Fair, a jornalista Nancy Jo Sales se viu frente a um estranho e cada vez mais recorrente fenômeno de obsessão com a celebridade. Jovens não querem apenas admirar ídolos, eles querem “ser” iguais aos ídolos. Conhecida como “Bling Ring”, a gangue de Hollywood que assaltava famosos rendeu a reportagem “Os Suspeitos Usavam Louboutin”, que a diretora Sofia Coppola leu quando estava em um voo, e se empolgou em levar a história para o cinema – na sequencia, a reportagem virou livro (recém-lançado no Brasil pela Intrinseca).
No livro, Nancy Jo Sales tenta entender o que motivara sete jovens a assaltarem famosos, e acaba realizando um sensacional estudo de época. “Após hippies e punks, nos anos 80 e 90, a cultura jovem não estava desafiando o status quo. Os jovens não queriam mudar o sistema – eles queriam dominar o sistema. Eles queriam dinheiro”, aposta a jornalista em determinado trecho. E queriam da maneira mais fácil possível, que, por conseguinte, também lhes trouxesse fama (não à toa, o grupo divulgava seus feitos para amigos no Facebook) – como se a sequencia de assaltos fosse um reality-show transmitido pela TV a cabo.
“Por que a reportagem interessou tanto a Sofia Coppola?”, se perguntava a jornalista. Jo Sales reviu os filmes da filha de Francis e identificou temas paralelos como a arrogância dos jovens ricos e o vazio que cerca a fama. Sofia sempre esteve tateando estes temas: “As Virgens Suicidas” (1999) é sobre o vazio de irmãs que se suicidam e ficam “famosas no bairro”; “Encontros e Desencontros” (2003) é sobre a superexposição de Hollywood e a sensação de vazio que surge disso; “Maria Antonieta” (2006), apesar de ser quase uma estrela do rock em seu tempo, tem uma vida vazia em um castelo enquanto “Um Lugar Qualquer” (2010) é o mais direto sobre o tema: em todos eles, fama e vazio são objeto de estudo.
Tudo isso está, de alguma forma, pontuado em “Bling Ring, A Gangue de Hollywood”, quinto filme de Sofia Coppola. Porém, se o livro é o retrato de uma extensa pesquisa analítica que busca entender a juventude do século XXI enquanto a questiona, o filme tem tom acusatório. Sofia Coppola, de dedo em riste, parece ter montado “Bling Ring, A gangue de Hollywood”, fotograma a fotograma, com a intenção de mostrar o quão ridículo são os atos praticados pelos jovens assaltantes interpretados por Emma Watson, Israel Broussard, Katie Chang, Taissa Farmiga e Claire Julian (e eles mesmos).
“Bling Ring, A Gangue de Hollywood” soa como o “Goodfellas” (1990) do novo século (para o bem e para o mal). Os dois filmes tratam de adolescentes em busca de fama, da vida fácil, da fuga da escola e do mercado de trabalho. Neles, as gangues começam a usar drogas e querem mais e mais (a turma de Hollywood entrou na casa de Paris Hilton cinco vezes), e tropeçam exatamente no não saber parar. Porém, e Jo Sales filosofa no livro, a questão não era parar, mas ser pego e se transformar em notícia, ser objeto de culto dos mesmos veículos (sites e revistas) que falavam de famosos. E, então, montar um grife, ou um reality show (o que, de certa forma, traz paralelo com outro grande filme de Scorsese, “O Rei da Comédia”, de 1983).
A diferença básica entre “Goodfellas” e “Bling Ring, A Gangue de Hollywood” é que Martin Scorsese, saudoso de seus primeiros anos em Little Italy, desenha a máfia com tamanho humor e camaradagem que, antes mesmo da metade da película, o espectador deseja ser um mafioso – desejo que o trecho final do filme não diminui. Sofia Coppola, por sua vez, opta em criticar o que vê, e a escolha deixa seu filme arrastado, denso, incomodo. Ela não quer que o espectador admire os jovens que vê na tela. Ela não quer fazer o espectador rir (Scorsese, por sua vez, consegue isso até quando um dos personagens atira no pé de outro).
Partindo deste pressuposto, “Bling Ring, A Gangue de Hollywood” é um filme importante que deverá soar como um balde de água fria tanto para a quantidade de jovens admiradores de moda e comportamento (que, inclusive, marcaram grande presença nas sessões fechadas para imprensa) quanto para fãs da estrela da saga Harry Potter, Emma Watson, que irão ao cinema esperando ver seus anti-heróis vestidos com as melhores roupas que a falta de dinheiro, ética e noção de valores pode roubar e deverão deixar a sala se sentindo tão culpados quanto os suspeitos que usavam Louboutin.
Retrato de uma época confusa, “Bling Ring, A Gangue de Hollywood” é tanto uma comédia trágica quanto um manifesto. Em certo momento, Nicki (Emma Watson) diz a uma repórter que não participou dos crimes para, na cena seguinte, ser mostrada em um quarto com os amigos gritando: “Eu quero roubar”. O personagem de sua mãe (Leslie Mann), uma massagista que educa as filhas em casa seguindo o método do best-seller de autoajuda “O Segredo”, é tão engraçado quanto ridículo. Na mão de outro diretor, a história dos jovens assaltantes poderia render um filme acelerado e politicamente incorreto (tal qual “Trainspotting”), mas Sofia optou por ser ferozmente crítica. Merece aplausos.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
Leia também
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– “Maria Antonieta”: os franceses sabem que a História é diferente, por Marcelo Costa (aqui)
– “Um Lugar Qualquer”: Um filme 90% ótimo é bom ou ruim?, por Marcelo Costa (aqui)
– “As Virgens Suícidas”: para (Tentar) Entender as Mulheres, por Hugo (aqui)
Sofia não adotou uma visão crítica. Nunca ela fez isso em nenhum dos seus filmes. Pelo contrário, ela não se posicionou em Bling Ring. Sofia queria que o espectador fizesse seus próprios julgamentos. E esse foram >seus< julgamentos a respeito da gangue e não da diretora. E sim, talvez por você ser mais velho ou ter uma cabeça diferente não teve esse desejo, mas vários jovens vão sair da sala querendo fazer o mesmo que a gangue Bling Ring ou ser um deles, basta procurar por opiniões de pessoas que assistiram o filme e dos comentários dos jovens nas fotos do instagram dos reais integrantes. Os filmes de Sofia não tem o principal objeto de estudo na fama em si, mas no desajustamento com o vazio e com a fama ou por não saber lidar com esta. Bom, mas essa foi sua opinão e essa é só a minha. E é isso aí!
acho que o Davi viu outro filme porque este bling ring que esta nos cinemas é descaradamente opinativo.
Não é, minha opinião é parecida com a do Davi. Basta lembrar que o único menino do grupo é descrito com uma visão quase condescendente, o rapaz tímido e de baixa auto estima que se deixa levar e, no final das contas, queria se enturmar, ser famoso e respeitado.
Sim, isso é o ponto de partida do personagem, e o filme mostra as escolhas que ele toma, mas não de uma forma: “Olha, ele se deu bem”. Os momentos em que ele tem dúvidas dentro das casas dos famosos, os momentos em que ele dança pra webcam e mesmo o acidente são reflexos da escolha, que termina na prisão. Não há glamour. O personagem da Emma Watson é o que mais sinaliza isso, através da montagem do filme, em que um fotograma desmente o anterior (no diálogo em que ela diz que não sabia de nada e, no seguinte, é mostrada no quarto dizendo que quer ir roubar) ou mesmo o personagem da Katie Chang no trecho que é mostrado no trailer, sobre a Lindsay Lohan. A temática do vazio e da fama são exploradas, mas a questão central do filme (e Sofia fala na entrevista do prefácio do livro) é o ser famoso a qualquer custo (ela cita o exemplo de que quando alguém era famoso ao redor dela, era pq tinha feito alguma coisa importante) numa época em que basta ter uma sextape, participar de um reality show ou assaltar um famoso para… ser famoso.
“Os dois filmes tratam de adolescentes em busca de fama, da vida fácil, da fuga da escola e do mercado de trabalho”. Goodfellas é sobre isso? Fiquei confuso, sem ironia. rsrs
Já fiz paralelos de Goodfellas até com Cidade de Deus (o círculo vicioso do crime, etc e tal), mas, sinceramente, não vejo nada em comum com Bling Ring. Talvez aquilo que vocês falaram aí, sobre o filme não se posicionar, sobre deixar os julgamentos para o espectador, que Goodfellas também faz.
Mas é uma referência muito pesada para a Sofia. Todos os filmes dela juntos não alcançam metade do impacto, da crueza de Goodfellas. Aliás, só a cena do Joe Pesci espancando o cara no bar já vale a carreira da Sofia.
Bling Ring me incomodou demais e na metade do filme eu estava bem puto.
O motivo? Não ser algo verossímil.
“Pára cara, é uma história real!”. Primeiro: é baseado em fatos reais. Mas vamos primeiro à razão do meu incômodo.
Na minha adolescência se eu entrasse em casa com um Nike Air Jordan que meus pais não compraram eu seria imediatamente questionado. Se entrasse em casa com uma camiseta da O.P. idem. Se aparece com um brinquedo novo lá vinha o questionamento: De quem é? O pai dele sabe que fulano te emprestou? etc etc etc.
Então temos no filme 5 jovens que roubam roupas de grife, jóias e acessórios, frequentam baladas caríssimas e NENHUM dos DEZ adultos envolvidos (cinco casais) percebe?
Vou procurar o artigo original e vou procurar saber se o livro aborda esse ponto. Alguém que leu sabe se citam algo sobre os pais?
Há pais relapsos? Há. Mas todos eles não perceberam nada? Pouco provável.
Um pequeno toque que poderia dar credibilidade a trama (agora me refiro ao filme): que guardassem as peças em algum local e se trocassem lá antes de ir pra balada. Um quarto de um amigo mais velho que morasse sozinho, um porão, um storage alugado por alguém… Mas porra, todo produto do roubo fica NOS QUARTOS da galera.
Então fica assim:
* O filme me incomodou tanto que acabei odiando a experiência. Parte se salvou no final com a entrevista do garoto citando o absurdo daquilo e citando Bonnie & Clyde.
* Se na vida real os pais realmente deixaram passar batido e o filme apenas retratou de maneira fiel pra mim a maior crítica (ainda que subliminar) do filme é exatamente apontar pais que não fazem a menor idéia do que acontece com os filhos simplesmente por não observar o mínimo. Não estamos falando de um moleque que fuma um cigarrinho ou maconha escondido no final de semana. Estamos falando de TODO um estilo de vida impossível de ser sustentado por filhos que não trabalham.
Bling Ring: pra quem é (bom) pai, pouquíssimo crível.
(esse deve ter sido meu comentário mais tiozão de todos os tempos)
Abraço,
Vinicius (@vinimzo)
Ah… me esqueci do mais importante sobre The Bling Ring:
Emma Watson: Pisa em mim
Fabio, o personagem central de “Goodfellas” poderia ser um dos jovens da Bling Ring. Ele também tem problemas na escola, tanto que apanha do pai, e se junta a uma gangue, no caso, a máfia, e a partir dai conquista fama e ascende renegando o mercado de trabalho, as opções tradicionais da vida. A comparação entre os dois filmes diz muito mais sobre cada época do que, necessariamente, sobra cada filme. O fato de “Bling Ring” ser o “Goodfellas” do novo século é um retrato de uma geração preocupada com fama e moda.
Vinimzo, acho extremamente verossímil e vou muito no que tu falou. Uma das questões alié a distância entre pais e filhos mesmo. O jantar em que as duas meninas falam pros pais que estão indo encontrar um possível empresário, e eles se mostram felizmente surpresos, é bizarro. No caso do personagem da Emma, que Sofia Coppola (e o livro) crucifica, fica claro até pelo jeito em que a atriz interpreta a mãe. No caso do Marc, Sofia tenta mais entender o motivo.
E é bom lembrar que aquilo ali é Los Angeles, né. Aquele estilo de vida é meio que básico pra boa parte de quem vive em Calabasas. No livro fica muito mais claro, porque a jornalista começa a elencar as prisões por porte de drogas ou bebedeira de cada um, e como os pais não acompanham isso? A escola que eles estudam é tipo um último refúgio para os alunos problemáticos que foram expulsos de outras. Ou seja, é quase um retrato de uma geração abandonada pelos pais, que preferem medicar os filhos com Adderall (na primeira cena da Emma com a mãe, em que elas levantam da cama e descem pra tomar café, a mãe “medica” as duas meninas com Adderall) do que entende-los, acompanha-los. Pra tu que é (um bom) pai, recomendo muito o livro. 🙂