por Bruno Capelas
Aos 61 anos de idade, Duke Erikson poderia muito bem estar descansando em casa, como um aposentado qualquer. Mas, munido de sua guitarra, ele prefere estar em cima de um palco, tocando ao lado da banda que fundou com os amigos Butch Vig e Steve Marker, o Garbage.
No próximo sábado (20), liderados pela vocalista Shirley Manson, que conheceram em 1993, vendo um clipe na MTV, os americanos fazem um dos principais shows do Planeta Terra, no Jóquei Clube de São Paulo.
Em março, o Garbage lançou “Not Your Kind of People”, retornando à ativa após um hiato de sete anos. “Estamos nos divertindo muito, e tocando melhor do que antes. Acho que ficamos mais sábios também, embora essa não seja lá uma coisa muito sábia de se dizer”, contou o guitarrista em um papo rápido por telefone, uma semana antes do show.
Sobre o show no Planeta Terra, que deve durar cerca de uma hora e meia, Duke adiantou que “nenhum fã nosso vai ficar desapontado, porque estamos tocando todos os hits obrigatórios do Garbage, desde os singles do nosso primeiro disco, de 1995”.
Em cerca de quinze minutos, Duke Erikson falou sobre a estranheza pop de sua banda e comentou a inserção do Garbage no revival dos anos 1990. “Não me importo que as pessoas nos coloquem nessa onda, porque nós tivemos nosso dia ao sol nos anos 1990, mas nós nunca terminamos. Só fizemos uma pequena pausa”, explica o guitarrista.
Perguntado sobre um eventual declínio do rock’n’roll nos dias de hoje, Erikson – que antes do Garbage ajudou os amigos Vig e Marker a criar o Smart Studios, onde foram gravados “Gish” e “Nevermind” – disse que faz parte da natureza do gênero ser assim. “O rock não tem de ser uma presença constante. Ele é essa força que nasce, morre e ressuscita. Nesse exato momento, tem alguém fazendo barulho em uma garagem, e logo esses caras vão colocar o mundo de ponta-cabeça de novo. Já parei de me preocupar com isso”.
E quando questionado sobre a possibilidade dessa ser a última turnê da banda norte-americana, o guitarrista responde: “Não sei. Nós nunca fomos muito bons em fazer planos, jogadas comerciais ou coisas do tipo. Mas está tudo bem até agora. Nesse ano, fomos de Calgary a São Petersburgo, e estamos indo para a América do Sul pela primeira vez. Posso gravar discos e tocar para muita gente. Quer vida melhor que essa?”.
“Not Your Kind of People” é o primeiro disco do Garbage depois de um hiato de sete anos. Por que vocês decidiram voltar?
Acho que não existe simplesmente uma única razão pela qual nós decidimos voltar. Foi a Shirley quem fez o primeiro contato com a gente, e, por alguma razão, nós todos achamos que era uma ótima ideia. Não houve nenhum tipo de planejamento ou agenda, simplesmente rolou. O Garbage nunca foi uma banda muito boa em fazer planos ou jogadas comerciais. Resolvemos voltar porque queríamos trabalhar juntos de novo, e funcionou bem como tinha sido anos atrás. Acredito que se a Shirley tivesse nos chamado um ou dois anos antes, talvez não tivesse dado certo, porque algum de nós poderia estar muito ocupado, não sei. Mas, agora, todos nós estávamos na mesma frequência.
Você acha que o Garbage de hoje é uma banda diferente do Garbage que começou a carreira com “Stupid Girl” e “Only Happy When It Rains”, há quase duas décadas?
Bem… (pensa um pouco). Gosto de dizer que hoje nós somos um pouco mais sábios, mas essa não é exatamente lá uma coisa muito sábia de se dizer (risos). Nós continuamos fazendo música da mesma maneira que nós fazíamos naquela época, com os mesmos métodos de trabalho, os mesmos sentimentos. Mas acho que nós aprendemos um pouco melhor sobre como funciona a indústria da música, e como lidar com essas engrenagens à medida que a coisa evolui. Agora nós temos nosso próprio selo! Isso é o tipo de coisa que muda muito o panorama geral – e acredito que tenha mudado para melhor. É bom: agora nós estamos mais felizes com o controle que temos sobre o nosso próprio trabalho.
As canções do Garbage são bastante pop, mas sempre contém algum elemento de estranheza, como as pausas de “Supervixen”, ou as guitarras barulhentas que permeiam versos e refrões. Existe alguma razão para isso?
Nós estamos interessados em texturas e em contrastes na nossa música. (pensa um pouco). Quando eu penso em música, sempre penso em alguma resposta visual aos sons que eu escuto, seja em imagens paradas ou em cenas de cinema. Acho que esses elementos estranhos na mossa música funcionam de maneira análoga quando vejo um artista colocando cores bem diferentes em cima de uma tela branca. É difícil de explicar, mas acho que essa e a melhor maneira que eu consigo falar sobre o que nós gostamos de fazer.
O que os fãs brasileiros podem esperar do show do Garbage?
Estamos tocando todos os hits do Garbage. Acho que nenhum fã nosso vai ficar desapontado com o nosso repertório, porque cobrimos quase tudo que as pessoas querem muito ouvir. Mas devo dizer que a gente está tocando algumas faixas obscuras dos nossos primeiros discos, e também fazemos três ou quatro músicas do disco novo. Acho que é uma boa seleção. Mas a melhor parte do show é que nós estamos tocando como nunca tocamos antes. Sei que parece difícil acreditar quando digo isso, mas nós realmente estamos melhores como banda agora. Talvez isso tenha a ver com o fato de que não sentimos mais pressão de fora da banda para fazer o que mais gostamos. Estamos só no divertindo, cada noite é uma celebração.
Shirley é um dos ícones femininos mais poderosos dos anos 1990. Você consegue ver alguma herdeira dela na música de hoje?
Não faço a mínima ideia, cara. Normalmente, ela menciona algumas cantoras das quais gosta muito. Ela é uma fã da Rihanna, por exemplo, mas a Rihanna não é exatamente do rock’n roll. (ri) Mas eu particularmente gosto muito de Marissa Paternoster, vocalista e guitarrista do Screaming Females. Nós costumamos chamá-los para abrir os nossos shows, e é uma pena que eles não vão ao Brasil. Para mim, Marissa tem tudo o que uma roqueira precisa ter. As herdeiras de Shirley estão por aí, em algum lugar. Elas devem estar tocando em algum porão ou garagem sujo nesse instante, mas tenho certeza de que elas estão por aí.
Em entrevista a um site brasileiro, Butch Vig disse que essa pode ser a última turnê do Garbage. Você concorda com ele?
Pode ser, embora nós já tenhamos planos de ir até a Austrália em 2013. Tudo depende de quanta diversão nós estejamos tendo, se vamos estar a fim de gravar mais um disco. É muito cedo ainda para ficarmos previsões sobre o que vai ou não acontecer com a banda. Está tudo muito legal por enquanto: fomos de Calgary a São Petersburgo em menos de um ano, estamos indo para a América do Sul pela primeira vez agora… Tudo o que eu consigo dizer é que ainda vamos ficar juntos por mais um tempo.
Você já parou pra pensar como seria a sua vida se não vocês não tivessem visto Shirley na MTV naquela noite específica?
Com certeza as coisas iam ser bastante diferentes, né? (risos). O que eu sei de verdade é que nós todos nos sentimos muito sortudos de termos encontrado uns aos outros. Às vezes, nós conversamos sobre isso, e é sempre essa sensação que temos. Mas não acho que foi algo completamente ao acaso. Nós [Duke, Butch e Steve] estávamos procurando por alguém. Estávamos com os olhos e os ouvidos abertos, e quando você procura, você acaba encontrando o que quer. Essa é uma lição que levei comigo pra vida. Mas, voltando… se a gente não tivesse encontrado a Shirley, sei que eu ainda estaria fazendo música hoje em dia. Porque é algo que eu amo, e é por esse amor que nós começamos tudo há tanto tempo.
Nos dias de hoje, é difícil ver uma canção de rock nas paradas da Billboard, é comum ouvir por aí que já não existe mais rockstars, e há até quem diga que o hip-hop tomou o lugar do rock nos dias de hoje. O que você pensa sobre isso?
O rock’n roll já foi declarado morto muitas vezes desde que nasceu. E acho que é isso o que deve acontecer com ele. Faz parte da essência do rock morrer e nascer de novo. O rock não foi feito para ser essa presença constante, é de sua natureza própria ir e voltar, nascer e morrer e ressuscitar. Não é um estilo para aquele senhor velho sentado na esquina esperando ficar ainda mais velho, são canções para pessoas que estão à margem, jovens, esperando algo acontecer. E isso vai rolar: ele vai nascer de novo, em algum lugar que eu não sei qual. Como eu te disse antes: nesse exato momento tem alguém fazendo barulho em uma garagem, e logo esses caras vão colocar o mundo de ponta cabeça de novo. Eu já parei de me preocupar com a morte do rock, porque sei que assim que as coisas devem acontecer.
Muito tem se falado também sobre um revival dos anos 1990, com direito à volta de diversas bandas, como o Blur, o Pulp e o Suede, por exemplo, além da volta de vocês. Como você se sente fazendo parte desse ‘retorno’?
Não sei se olho para o Garbage como “estando de volta à cena”, porque acho que nós só pedimos uma pequena pausa. Nós nunca terminamos com a banda, nós nunca falamos que não queríamos nos ver mais, só quisemos um tempo de descanso. Por outro lado, entendo porque as pessoas estão falando em um revival, porque nós conquistamos o nosso lugar ao sol durante os anos 1990. Mas repito: nós só estamos fazendo música da maneira como fazíamos naquela época, estou sempre compondo coisas novas, seja sozinho ou com outras pessoas. Não me importa que nos coloquem junto com todas essas bandas, é OK, mas não é assim que nós nos sentimos.
Para encerrar, quero saber: como você se sente pegando a sua guitarra em cima de um palco sendo um sessentão?
Vou te dizer: não me sinto muito diferente de como eu me sentia quando eu tinha 21 anos de idade (risos). Para falar mais uma vez em sorte, sinto que é uma benção eu ainda ter saúde e oportunidades para subir num palco, gravar discos e até ir ao Brasil para tocar pra vocês! Quão melhor a vida pode ser do que isso? É uma honra enorme poder tocar para tanta gente depois de tanto tempo.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista, escreve para o Scream & Yell desde 2010 e assina o blog Pergunte ao Pop.
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