Por Marcelo Costa
“Tem coisas nessa cidade que só se vê à noite”. A frase poderia ter saído de um livro de Dan Brown, mas não. Foi uma guia em uma igreja de Ouro Preto, em janeiro, que ao explicar detalhes da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, a mais rica da cidade, enveredou por citar símbolos “escondidos” de maçonaria em detalhes da obra. Ela foi além: “Quando chove é possível ver que algumas pedras da Igreja de São Francisco de Assis, de Aleijadinho, ficam mais claras mostrando um código. Ele sabia o que estava fazendo”.
Se as histórias do primeiro parágrafo permeiam o imaginário popular em Ouro Preto, imagine como será Roma, uma cidade de 2762 anos que, a partir do século III, com o fortalecimento da religião cristã na cidade, teve o Bispo de Roma (que mais tarde passaria a ser chamado de Papa) eleito a maior autoridade religiosa na Europa Ocidental. É esta cidade repleta de obras de arte (grande parte delas distribuídas em igrejas) que ambienta a história de “Anjos e Demônios”, segundo livro de Dan Brown a chegar às telas de cinema.
O anterior, você sabe, foi o best seller “O Código Da Vinci”, que também chegou às telas pelas mãos de Ron Howard (“Frost/Nixon”). Se no primeiro filme, a opção em valorizar o texto em detrimento da ação se mostrou uma escolha errada, transformando o longa em uma bocejante aula de História de quase duas horas e meia de duração, “Anjos e Demônios” acerta o ritmo do texto (inevitavelmente floreado, porém mais contido), mas tropeça no exagero de reviravoltas cujo clímax cinematográfico parece nunca ser alcançado.
“Anjos e Demônios” foi escrito antes de “O Código Da Vinci”, mas a história é ambientada no cinema posteriormente aos fatos que desencadearam na descoberta da descendente de Maria Madalena. Assim, o simbologista Robert Langdon (Tom Hanks mais seguro e até um pouco bonachão) chega ao Vaticano para auxiliar na descoberta de um enigma enfrentando o pouco caso do clero, que ainda não se esqueceu dos fatos acontecidos nos – teóricos – anos anteriores.
A trama foca em um dos momentos mais importantes da igreja católica: quando um Papa morre, um conclave é realizado. É um ritual que permanece praticamente inalterado desde 1274, instituído pelo Papa Gregório X, que tem por fim selar a reunião em clausura dos cardeais até que um novo Papa seja eleito (o romancista Morris West já escreveu ótimos romances tendo como pano de fundo acontecimentos no Vaticano). Em “Anjos e Demônios”, o trono papal está livre, e os Illuminati querem tomar o poder planejando para isso não só colocar um de seus membros no trono, mas também assassinar os candidatos preferenciais seguindo um elaborado quebra-cabeça histórico.
Para dar luz ao contexto histórico, Robert Langson precisa de uma escada, ou seja, de uma outra pessoa com quem divida os pensamentos em voz alta. A encarregada para a função é a atriz israelita Ayelet Zurer, que se perde em alguns momentos da trama, mas não compromete. Como um bom filme de ação, “Anjos e Demônios” é uma (ou duas, ou três, ou quatro, ou cinco) corrida (s) contra o relógio que favorece a fotografia esplendorosa de Roma e do Vaticano enquanto o personagem principal distribui aulas de História da Arte (como a emasculação de estátuas de Miguel Ângelo, Brarmante e Bernini feita a pedido do Papa Pio iX em 1857, que tiveram suas genitálias cobertas com folhas de parreira feitas de gesso para evitar incitações a luxuria).
Apesar de marcar um avanço em relação a “O Código Da Vinci”, “Anjos e Demônios” ainda tropeça feio na vulgarização de certos papéis, com o principal caso sendo o carmelengo canastrão metido a herói vivido por Ewan McGregor, principalmente as constrangedoras cenas finais, que se fossem evitadas poderiam dar ao filme um acabamento (e uma aceitação) muito melhor. Fica clara a opção de direção e roteiro em transformar “Anjos e Demônios” em cinema pipoca sem profundidade, daqueles que até divertem o espectador na sala, mas que só não vão ser esquecidos de uma hora para outro porque quem tem olhos vai querer ir a Roma. E vai lembrar-se do filme em um simpático caso de cinema turismo. Mais do que isso seria pedir demais.
“Anjos e Demônios”, Ron Howard – Cotação 2/5
Leia também:
– “O Código Da Vinci”, por Marcelo Costa (aqui)
– “Frost/Nixon”, de Ron Howard, por Marcelo Costa (aqui)
– Ouro Preto, Mariana, Diamantina e outras, por Marcelo Costa (aqui)
– Veja a Igreja de Nossa Senhora do Pilar em fotos 360º aqui
Li “Anjos e Demônios” depois de “O Código da Vinci” e achei o segundo uma repetição de ideias do primeiro. Ao trocar essa ordem no filme, até isso meio que se perde. Realmente é um avanço em relação ao primeiro filme, mas ainda assim não convence. Otimas imagens, igrejas bonitas, Tom Hanks bem melhor no que o trabalho anterior, mas não funciona de novo.