Entrevista: Mark Arm promete clássicos e novidades na primeira turnê do Mudhoney no Brasil em 11 anos

entrevista de Leonardo Tissot

O Mudhoney desembarcou no Brasil pela primeira vez em 2001 para uma turnê que passou por quase todas as regiões do país. Foram 13 anos de espera desde o início da banda, em 1988. Mas depois disso, o quarteto formado por Mark Arm (guitarra e vocal), Steve Turner (guitarra), Guy Maddison (baixo) e Dan Peters (bateria) se tornou habitué em terras tupiniquins. “Cheguei a me matricular em uma aula de português”, disse Turner a este escriba em 2021.

O grupo veio novamente ao país em 2005, abrindo os shows da turnê do Pearl Jam em quatro capitais. Em 2010, a banda veio em gira solo restrita ao estado de São Paulo — com direito a apresentações gratuitas na Virada Cultural, tanto na capital quanto em Mogi das Cruzes e São José do Rio Preto. Já em 2014 foi a vez de apresentações em Uberlândia, no Festival Bananada, em Goiânia, e no Sub Pop Festival, na capital paulista. Duas outras turnês ocorreram nos anos de 2007 e 2008 (relembre).

Pode ser até estranho pensar que já se passaram 11 anos desde a última passagem da banda grunge original pelo Brasil (que, inclusive, já ganhou um tributo brasileiro em sua homenagem). Mas, como se sabe, o grupo não é a atividade principal de seus integrantes. Arm, por exemplo, trabalha há muitos anos na gravadora Sub Pop. Já o baixista Guy Maddison é enfermeiro — e, além disso, voltou a morar no seu país natal, a Austrália, em 2021, o que dificulta a rotina de ensaios, gravações e apresentações ao vivo.

Mas 2025 chegou e, em março, o Mudhoney consegue uma brecha na agenda para shows em Curitiba (20/03, no Tork and Roll), São Paulo (21/03, no Cine Joia), Rio de Janeiro (22/03, no Circo Voador) e Belo Horizonte (23/03, na Autêntica) — e ainda apresentações na Argentina, Chile e México. Na bagagem, além de guitarras e de pedais Super Fuzz e Big Muff, estão dois álbuns ainda não apresentados por aqui: “Digital Garbage” (2018) e “Plastic Eternity” (2023). Ingressos à venda.

Scream & Yell bateu um papo com Mark Arm sobre a preparação para a turnê, a necessidade de equilibrar hits como “Touch Me I’m Sick” e “Suck You Dry” com novas composições no setlist, a vez em que foi apresentado a discos de Os Brazões e Gal Costa, e como tem percebido o segundo mandato de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos. Entre risadinhas sacanas, ele ainda conta se toparia fazer um show no Cristo Redentor.

Como estão as expectativas da banda para a turnê na América do Sul? E como tem sido a preparação de vocês, considerando que o Guy está vivendo na Austrália? Vocês precisam ensaiar muito ou conseguem dominar as canções rapidamente após tanto tempo sem tocarem juntos?
Baseado em nossas experiências passadas, espero que o público seja incrível! Então, por favor, não nos decepcionem [risos]. Vamos chegar em São Paulo alguns dias antes da turnê começar para ensaiarmos todos juntos. Steve, Dan e eu vamos fazer um show em Portland na semana que vem [nota: o show ocorreu em 07/02] com nosso amigo Jim Sangster no baixo, apenas nesta apresentação. Ele já tocou com a gente em dois shows no verão passado, então isso nos ajuda a entrar no ritmo. As canções mais antigas “voltam” rapidamente — são mais de 30 anos de memória muscular. As novas, precisamos parar um pouco e pensar, “como é essa mesmo?”. Quanto mais velhos ficamos, mais difícil fica reter informação. [risos]

E como vocês definem os setlists? Vi que na turnê de “Plastic Eternity” vocês tocaram uma mistura de hits com canções mais recentes aqui e ali. Como planejam o que vão tocar? E você ainda se diverte tocando os sons antigos ou prefere as mais recentes?
Não sei exatamente como fazemos os setlists, apenas tentamos criar um equilíbrio entre material novo e antigo. Não queremos tocar apenas as coisas novas porque isso chatearia muita gente, e também não tocamos só as antigas para não parecer que somos uma banda ainda mais anciã do que já somos [risos]. Temos décadas de material para escolher e, às vezes, algumas músicas e até álbuns inteiros são deixados de lado. Não temos tocado músicas do “Tomorrow Hit Today”, então escolhemos três para ensaiar com o Jim e, quando encontrarmos o Guy, esperamos que elas passem a ser tocadas com mais frequência. Mas me divirto tocando tanto as antigas quanto as novas.

A turnê de “Plastic Eternity” já passou pela América do Norte, Europa e Austrália. Como tem sido o público que vai aos shows? É mais a galera dos anos 90 ou tem gente jovem aparecendo também?
Quando tocamos na Sérvia, a maior parte do público são sérvios… [risos] Em termos de idade, há uma variação muito legal. Em alguns lugares havia alguns adolescentes e jovens de 20 e poucos anos que nunca haviam nos visto tocar, e eles pareciam ser os mais entusiasmados… Porque, você sabe, os mais velhos têm mais dificuldade de se mover [risos]. Lembro do show em Brighton (Reino Unido), que tinha uma galera jovem e eles estavam dançando, sorrindo e se divertindo. Não era como se estivessem fazendo mosh ou algo estúpido. Estavam apenas se divertindo, e é isso que eu adoro ver. Me lembrou Seattle nos anos 80, antes das pessoas começarem a se acotovelar.

Falando nisso, como você compara um show antigo do Mudhoney com uma apresentação da banda hoje em dia? Era muito diferente antes? Era melhor, era pior…?
Bem, eu não sou mais tão flexível quanto costumava ser…

Nenhum de nós é, não se preocupe.
No começo ficávamos muito mais bêbados. As chances de fazermos um show terrível eram muito maiores. Mas algumas pessoas gostavam do espetáculo que isso proporcionava. Pelo menos era o que costumávamos dizer a nós mesmos. [risos]

Quais suas memórias das passagens anteriores pelo Brasil?
Na primeira vez, em 2001, terminamos a turnê no Recife e ficamos para o Carnaval. Foi incrível. Conhecemos algumas pessoas lá que nos apresentaram Os Brazões e os dois primeiros discos da Gal Costa. Aquilo abriu nossos olhos e explodiu nossa cabeça. Também andamos pra lá e pra cá de barco em um rio.

Infelizmente, dessa vez vocês vão chegar algumas semanas depois do Carnaval…
Provavelmente é melhor assim! [risos]

Vocês já se apresentaram no Space Needle [torre de observação de 184 metros de altura], em Seattle. Fiquei pensando se ninguém convidou vocês pra fazer algo parecido no Cristo Redentor…
Não, meu deus… Tem alguma plataforma em cima da cabeça de Jesus pra gente ficar? [risos] O Space Needle já foi assustador o suficiente. Fui lá uma semana antes pra dar uma olhada no espaço. Se você estiver na plataforma, parece que tudo pode cair de lá. O telhado do Space Needle continua mais adiante, mas tem uma inclinação para baixo. Então, se você estiver na borda da plataforma, você tem a ilusão de que há algo abaixo de você, mas tem essa inclinação. E se você cair, você simplesmente rola pra fora. Eu não preguei o olho na noite anterior ao show [risos]. E o Dan estava com medo de deixar uma baqueta cair e ela machucar alguém lá embaixo. Em Seattle, quando éramos crianças, costumávamos ouvir que se você deixar uma moeda cair lá de cima do Space Needle ela faz um buraco de 15 centímetros no chão. Não acho que isso seja verdade, mas mesmo assim, o Dan ficou com medo de empalar alguém, de atravessar a baqueta no cérebro de uma pessoa. Tipo, “oh, não, matei uma pessoa aleatória”. [risos]

Falando sério agora, você sempre foi um compositor que não tem medo de falar de política quando necessário. Qual sua visão sobre o que está acontecendo nos EUA? Daqui de fora, temos a sensação de que Trump está mais poderoso do que nunca e ninguém está fazendo um contraponto, como ocorreu no seu primeiro mandato.
É avassalador. No primeiro mandato, ele não venceu pelo voto popular, ele venceu apenas pelo Colégio Eleitoral. E dessa vez ele não teve uma vitória esmagadora. Quando cada lado está recebendo cerca de 80 milhões de votos, 2 milhões não é tanta diferença assim. Mas sinto que protestar nas ruas não vai fazer diferença. Ele está implementando tantas políticas terríveis apenas para obter uma reação. Isso lhe daria uma desculpa para tentar convocar os militares e decretar lei marcial ou algo assim… Temos que ser mais espertos dessa vez porque ele definitivamente entende como exercer seu poder melhor do que no primeiro mandato. É algo assustador pra caralho, é aterrorizante. E o mais louco é que ele quer cortar todos esses programas governamentais dos quais muitos de seus eleitores dependem — como os brancos da zona rural. Parte de mim quer mais é ver eles se fodendo. Mas ele [Trump] provavelmente acabaria culpando alguém, como os imigrantes. Tipo, “é por causa deles que você não está recebendo seu Medicaid [programa federal que provê medicamentos a pessoas de baixa renda]”. E esses idiotas provavelmente acreditariam nele.

Sei que vocês não são uma banda que planeja muito o futuro, mas preciso perguntar se vocês têm planos de gravar algo novo, de continuar tocando… O que podemos esperar?
Bem, no momento tudo o que temos planejado é essa turnê pela América do Sul e México. Temos algumas canções que sobraram de “Plastic Eternity” e pretendemos lançá-las. Não vai ser nada do tipo, “ei, esse é nosso novo disco”. Vai ser mais, tipo, “é isso que temos no momento” [risos]. Normalmente compomos juntos, e com o Guy morando na Austrália, fica difícil de fazer isso. Ele é uma parte muito importante do processo criativo, contribui muito musicalmente. Pessoalmente, vou sair em turnê com The Saints ’73-’78 [banda australiana de punk rock] no fim do ano, lá por novembro. Mas quanto ao Mudhoney, esperamos fazer uma ótima turnê aí no Brasil.

– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo. Leia outros textos de Leonardo!

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