texto de Paolo Bardelli
Existe um grande equívoco quando se pensa no Mogwai: que sua música pode ser considerada deprimente. Nada disso. Sem contar que, com o passar dos anos, a banda escocesa parece ter embarcado em um caminho de alívio, senão de otimismo, que pode ter escapado a alguns.
Os sinais são muitos: eles tiveram a satisfação de chegar ao primeiro lugar nas paradas inglesas com “As the Love Continues“, de 2021, um lindo álbum, e imediatamente continuaram a fazer música para se expressar e dar fôlego às suas vidas pessoais, nas quais não estavam indo bem nos últimos anos. A jovem filha do tecladista Barry Burns (que conversou com o Scream & Yell na última passagem do Mogwai pelo Brasil) quase morreu depois que os médicos a diagnosticaram com anemia aplástica, uma doença rara e grave que afeta a produção de células sanguíneas e que também é conhecida como insuficiência da medula óssea, e passou por um transplante e quimioterapia (ela está se recuperando). O agente Mick Griffiths, que trabalhava com eles desde o início da carreira, perdeu uma luta contra o câncer em outubro de 2021, enquanto o baixista Dominic Aitchison perdeu o pai; Além de tudo isso, o cachorro de estimação de Braithwaite, Prince, passou por maus bocados…
Apesar de tudo isso, a banda seguiu em frente focada na música e gravou destemidamente seu décimo primeiro álbum, “The Bad Fire”, com um novo e grande produtor, John Congleton (cuja lista interminável de bons serviços prestados à música inclui trabalhos com St Vincent, Angel Olsen, The Killers, Blondie, Modest Mouse, Swans e The War on Drugs, entre muitos outros). A inocência deles é demonstrada pela foto que postaram no Instagram em 29 de janeiro: Braithwaite e Burns ao longo do Tâmisa, com a Tower Bridge atrás, como quaisquer outros turistas, e a frase: “Às vezes, esses dois se aventuram para o sul. Nosso (novo) álbum foi lançado. Compre para que possamos comer aqui”. Simpática também, não é?
“The Bad Fire” é uma viagem sonora entre emoção e poder. Começa com “God Gets You Back”, um arpejo circular de teclados seguido de guitarras que soa como uma versão moderna de “Where The Streets Have No Name” e, daí em diante, o Mogwai mostra sua classe e personalidade invejáveis com envolvimento e cinzelamento, juntando riffs de guitarra que são tão reconhecíveis como sempre (“Hi Chaos”, “Pale Vegan Hip Pain”) com melodias que soam até um pouco comerciais (“Fanzine Made Of Flesh”, “18 Volcanoes”, esta última, particularmente, com reminiscências de Joy Division), que no entanto é tudo funcional para um álbum que se sustenta por si só quando ouvido sem esforço.
A sensação geral que “The Bad Fire” passa é de que o Mogwai ainda se diverte muito tocando, o que não é sempre um desafio para uma banda que comemora 30 anos de carreira (conheça a discografia deles aqui) e que se dedica principalmente à música instrumental, que ao mesmo tempo é um pouco parecida consigo mesma e pode até cansar, a longo prazo. No entanto, a troca e a reorganização de peões e estruturas dentro de uma proposta bem testada os torna únicos e notoriamente reconhecíveis, mesmo nesta conjuntura de 2025.
Em vez de nos levar para o inferno (“The Bad Fire” se refere a isso), o Mogwai nos materializa dentro de seu som com a positividade de quem sabe que a música é o único refúgio seguro. Longe de ser um inferno, “The Bad Fire” é um paraíso para os ouvidos dos fãs de um certo (post)rock feito com carinho e paixão.
Texto publicado originalmente no site italiano Kalporz, parceiro de conteúdo do Scream & Yell.
Leia também
– Perdido em Firenze e o inferno do Mogwai na Itália, 2009, por Marcelo Costa (aqui)
– Mogwai em São Paulo em 2002, duas noites de barulho e risos, por Marcelo Finateli (aqui)
– “Rock Action”, do Mogwai, é o som de demônios sendo moídos, por Diego Fernandes (aqui)