texto de Marcelo Costa
“Hallelujah: Leonard Cohen, a Journey, a Song”, de Dan Geller e Dayna Goldfine (2022)
Quantas canções você conhece que receberam a honraria de ter uma cinebiografia? E quantas resistiriam a um aprofundamento de quase 120 minutos que, no final, contaria sua gênese e trajetória, mas manteria seu “segredo” intacto? “Hallelujah”, de Leonard Cohen, permanece até hoje sendo um mistério que o próprio autor nunca conseguiu decifrar: “Se eu soubesse de onde vêm as músicas, eu iria lá com mais frequência”, diz ele neste documentário que se inicia como uma cinebio do próprio Cohen, que lançou seu disco de estreia em 1968, até alcançar o álbum que traz a canção, “Various Positions”, em 1985. Na ótima biografia escrita por Sylvie Simmons, “I’m Your Man”, ela conta: “‘Hallelujah’ levou quatro anos para ser composta. Quando Larry ‘Ratso’ Sloman o entrevistou em 1984, Leonard mostrou uma pilha de cadernos, ‘livro atrás de livro cheios de versos para a canção que ele na época chamava de ‘The Other Hallelujah'”. Leonard guardou 80 versos e descartou outros tantos. Mesmo após a edição final, Leonard tinha dois finais diferentes para ‘Hallelujah’”. No filme, Dan Geller e Dayna Goldfine não apenas convocam Ratso para recontar essa história como traz áudios e imagens dessa conversa na época. Mais: o fracasso do álbum, que a gravadora Columbia Records não quis lançar nos Estados Unidos, e acabou saindo tempos depois por um selo microscópico, fez com Leonard Cohen experimentasse versos diferentes (e ainda mais densos) nos shows posteriores ao álbum, criando uma segunda versão. Quando o tributo “I’m Your Fan” (com Pixies, R.E.M., Nick Cave e muitos outros) começou a ser produzido, John Cale (Velvet Underground) pediu versos diferentes à Cohen para criar sua própria versão (Sloman estima que Cohen escreveu algo em torno de 150 a 180 versos no total para a canção), que anos depois alcançaria Jeff Buckley, que colocaria essa terceira versão da música no Olimpo pop. Uma quarta versão seria criada para a trilha sonora do filme “Shrek”… e esse documentário respeitoso mergulha na criação dessas quatro versões de maneira sublime, mostrando os versos que foram trocados em cada uma delas. Um filme emocional (disponível na Prime Video) para ser visto e ouvido.
Nota: 7.5
“Becoming Led Zeppelin”, de Bernard MacMahon (2025)
Provavelmente, a banda mais cancelável da história de toda a música pop, o Led Zeppelin ganha, quatro anos depois de sua exibição oficial no Festival de Veneza 2021, seu primeiro documentário oficial, que conta de maneira quadradinha as origens do grupo e o encontro dos quatro músicos. Não há muito segredo em “Becoming Led Zeppelin”, mas há muita gordura: MacMahon entrevista os três integrantes da banda que seguem vivos (Jimmy Page, John Paul Jones e Robert Plant) e utiliza o áudio de uma entrevista com o baterista John Bonham, que faleceu dormindo asfixiado pelo próprio vômito (após entornar 40 doses de vodca em meio a enroladinhos de presunto e queijo) em 1980. Ou seja, não há nenhuma participação além dos quatro músicos, nenhum convidado. A câmera corta de integrante em integrante contando sua história destacando nomes de artistas que os encaminharam para a trilha do rock and roll até chegar o momento em que eles se encontram, que é quando o filme realmente fica interessante, pois é importante sim vê-los contando de suas raízes e influências, mas melhor ainda é vê-los em ação, no palco, em apresentações no final dos anos 1960, com o som alto ecoando em uma sala IMAX enquanto imagens granuladas se destacam na tela. Por outro lado, para encher linguiça, trechos de uma apresentação na BBC são repetidos a exaustão como pano de fundo para versões de estúdio não sincronizadas que são tocadas desnecessariamente inteiras (o filme não bate 157 minutos à toa). Com quatro músicos de talento incomensurável, ter a oportunidade de “assistir” ao Led Zeppelin em ação numa telona é algo imperdível, mesmo que MacMahon tenha que cortar o filme de forma abrupta ao fim da história do segundo disco da banda, “Led Zeppelin II”, deixando claro que, além de chapa branca (não espere nada escabroso aqui – ainda que a banda tenha produzido “muito material”), os cinco anos entre a estreia em Veneza e sua chegada aos cinemas denotam que ele precisou “agradar” muito os músicos para que o filme saísse. No fim, “Becoming Led Zeppelin” não soa um documentário, mas apenas o primeiro capítulo de uma série em que os capítulos finais soam trágicos e muito pouca gente da banda queira relembrar. E, talvez por isso, nunca venham à tona. É pouco pro tamanho e importância do Led Zeppelin…
Nota: 4
“Um Completo Desconhecido”, de James Mangold (2024)
Se você acompanhou o Scream & Yell com atenção nos últimos… 15 anos, já conhece absolutamente tudo o que está presente em “A Complete Unknown”, cinebiografia focada nos primeiros anos de carreira de Bob Dylan. Quem leu a discografia comentada de Bob Dylan, escrita aqui por Gabriel Innocentini, ou mesmo a sequencia “Cafés com Bob Dylan” assinadas por este que vos fala, irá perceber com facilidade os buracos na trama tanto quanto antecipar acontecimentos, o que não desmerece o filme de James Mangold – cineasta que também tem no currículo uma deliciosa cinebiografia sobre Johnny Cash e June Carter, “Walk The Line” (2006) – porque seria impossível resumir em duas horas hollywoodianas os cinco anos (1961 a 1965) intensos em que Bob Dylan passou de um completo desconhecido para uma das lendas da música mundial rompendo (via guitarra elétrica e “Like a Rolling Stone”, de onde o título do filme é retirado) com praticamente todos que o acolheram em seus anos iniciais em Nova York, validando a ideia de que sua arte estava acima de tudo e todos (ou, como disse o próprio Dylan certa vez, “não dá para ser esperto e amar ao mesmo tempo“). O foco de “Um Completo Desconhecido” é, obviamente, Bob Dylan, e Mangold apenas pincela outros personagens enquanto tenta captar um fragmento de um ser incapturável. Dessa forma, Woody Guthrie (Scoot McNairy) e Pete Seeger (Edward Norton absolutamente brilhante) são as bases musicais (ainda que o Dylan de Timothée Chalamet se mostre atento – e até fisgado – por Little Richard) enquanto Sylvie Russo (Dylan pediu à produção para que o nome de Suze Rotolo, interpretada por Elle Fanning, fosse alterado) e Joan Baez (Monica Barbaro está… bárbara no papel e, assim com a Chrissie Hynde de Sydney Chandler na série dos Sex Pistols, faz de seu personagem um dos mais fortes e importantes na narrativa) fornecem o arcabouço emocional, a corda bamba em que Bob Dylan caminha no período. “Um Completo Desconhecido” consegue passar ao espectador o quão sedento artisticamente era Dylan nessa época e – somando as 8 indicações ao Oscar, o que coloca o filme em alta rotação na mídia e nos cinemas – tem o grande mérito de apresentar Bob, um retrato borrado da era de ouro do rock ‘n roll, para as novas gerações. Precisa mais? Precisa: assista “No Direction Home” e “Não Estou Lá” também!
Nota: 7.5
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.